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Um elefante chamado samba

Amigos de longa data e parceiros de banda no Passo Torto, Rodrigo Campos e Romulo Fróes lançam “Elefante”, disco dedicado à canção

Por Artur Tavares
17 nov 2023, 12h00

Os músicos paulistas Romulo Fróes e Rodrigo Campos se reúnem mais uma vez e lançam o disco Elefante. Integrantes do Passo Torto e donos de carreiras solo bastante frutíferas, os dois já trabalharam com inúmeras pessoas e de diversas maneiras, mas é a primeira vez que se sentam com violões dentro de um estúdio para gravar como uma dupla.

Nesses 13 anos em que se conhecem, os dois já lançaram algo em torno de 40 e 50 músicas. Muitas vezes, as letras são de Rodrigo e as melodias de Romulo, mas em Elefante os papéis se inverteram e desta vez Fróes assina a autoria de sete das nove letras do disco.

Como em um jogo de cena, as letras de Romulo muitas vezes remetem ao universo mitológico de Rodrigo: falam de pessoas, de passeios pelas ruas, de situações etéreas. Já as melodias de Campos não são suas próprias. Elas têm notas faltando, quebras de ritmo, polifonias, barulho, muito daquilo que seu amigo apresenta como marcas registradas de suas composições.

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(Bruno Alves/divulgação)

Ao optarem por gravar as músicas basicamente com vozes e instrumentos de corda, em Elefante Rômulo e Rodrigo também prestam homenagem aos compositores de samba de outrora, gente como Nelson Cavaquinho, Ataulfo Alves, Batatinha e Lupicínio Rodrigues, que lançavam suas músicas apenas acompanhados do violão para que depois fossem reinterpretadas por outros grupos ou estrelas em arranjos mais sofisticados.

“Tem uma coisa da canção estar bem na cara”, diz Romulo Fróes. “Foi uma gravação muito amadora em si mesmo, mas também muito confiante e madura. Já fizemos muitos discos na vida, sabemos como soa. Queríamos que a canção estivesse na frente, e que não fosse um disco que tivesse invenção.”

Amigos de longa data, Thiago França e Marcelo Cabral tocam no disco – o primeiro, saxofone, o segundo, baixo acústico -, e Elefante ainda conta com a participação da jovem cantora Anna Vis. “O que tem é um desejo de não fazer música banal, de não fazer música comum”, diz Rodrigo. “E mesmo um disco que não tem nada extraordinário, só com violão, cavaquinho, percussão, saxofone e baixo acústico… ou seja, poderia ser um disco pra trás pra caramba! Mesmo nesse lugar, mesmo sem ter a guitarra, que supostamente é quem dá o dado moderno, não é nada conservador. Então, eu acho que esse desejo de mudar o samba, de mudar a canção brasileira, ele está no disco”.

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Confira nossa entrevista completa com Rodrigo Campos e Romulo Fróes agora:

Vocês já tocam juntos há uns 15 anos, fazem parte de uma mesma banda, o Passo Torto, duas se for considerar a Encruza, mas nunca tinham gravado um disco como uma dupla. Como foi que vocês chegaram a esse momento?

Romulo Fróes: Tem um monte de coisa, né? Primeiro, a convivência ininterrupta, que começou em 2010. As pessoas me falavam do Rodrigo desde quando ele lançou São Mateus Não é um Lugar Tão Longe Assim. Nos conhecemos um pouco antes de eu lançar Um Labirinto em Cada Pé, em 2010, e em 2011 lançamos o primeiro disco do Passo Torto.

Rodrigo Campos: Além da convivência ininterrupta, estamos sempre inventando coisas do ponto de vista artístico. Obviamente, há esses interesses artísticos em comum, e também uma vontade de mexer com o samba, essa coisa que nos une, o interesse genuíno na estética da canção e do samba.

Também existe uma coisa menos idealista e menos pomposa, que é a sobrevivência. Que é assim, cara… como é que a gente faz pra se virar? Como é que faz pra viver de música, já que apenas os nossos trabalhos autorais não permitem isso? Nessas de ficar conversando sobre a vida, falei para lançarmos um disco de um jeito mais prosaico, fazer um disco que abre mais um caminho pra essa história.

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Romulo: Isso era uma conversa de boteco. Aí no outro dia o Rodrigo perguntou: “e aí, vamos fazer aquele disco mesmo?”. E vi que eu tinha uma música, que nós tínhamos aquela outra, precisávamos compor mais tantas, talvez regravar mais uma. Quando vi, não era conversa de boteco, e nós compusemos, sei lá, umas 12 canções em muito pouco tempo.

Romulo: Eu pensei muito nesse disco em relação à minha discografia. O que ele tem de diferente do que eu já fiz? Então, que o resultado é um dado que mostra mesmo que essa parceria, que esse convívio, ainda é muito forte e muito vivo para nós.

E é massa celebrar isso com um disco que tem só nove faixas, porque o Rodrigo é um sujeito controlador, que põe limite. Nunca imaginei que eu ia lançar um disco só com nove faixas [risos].

Rodrigo: Acho que a nossa turma já tem esse histórico de colaboração, que sempre partiu desses dois motivos: o interesse artístico, a atração estética e filosófica de todos nós no sentido musical e além dele, mas também essa necessidade de sobrevivência. Acho que, em cada disco que fizemos, sempre houve isso, essa coisa de conseguir potencializar os trabalhos, conseguir trabalhar mais.

Depois, talvez isso tenha ficado um pouco escondido, porque fizemos tanta coisa que acabou quase virando nosso pequeno movimento, digamos, entre aspas. Inclusive, eu tenho trabalhado com pessoas mais jovens hoje em dia, na casa dos vinte e poucos anos, como o Ayrton Montarroyos e o Arquétipo Rafa. Acho que as pessoas também nos reconhecem por isso.

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E como a composição varia nessas parcerias que vocês têm além de Romulo e Rodrigo, como Rodrigo e Kiko, Romulo e Jussara, e por aí vai?

Romulo: Eu acho que cada parceiro é um universo novo, ainda que, obviamente, tenha ligações. Por exemplo, Passo Torto é um lugar onde a minha música, a do Rodrigo, do Cabral e do Kiko se misturam muito, mas também por conta da nossa ligação com o trabalho naquele momento específico. Então, parece que nossas composições são diferentes ali, com aquele som característico, polifônico e polirrítmico. Tanto é que, muitas vezes, as pessoas não sabem de quem é a música.

A Encruza, que é como chamamos informalmente esse coletivo, carrega suas subjetividades próprias quando nos encontramos. É assim com esse nosso trabalho, assim como a Jussara quando faz Encarnado, com Rodrigo e Kiko, assim como o [Marcelo] Cabral em seus trabalhos.

Acho que sou muito influenciado pelo meu parceiro. Neste disco, que sou mais letrista do que o Rodrigo, escrevo letras muito diferentes para as músicas do Rodrigo. Seja pelo modo como ele compõe, as melodias que ele produz, seja também porque, quando eu vou fazer uma letra para o Rodrigo, não consigo tirar da cabeça a obra dele. Tem uma música específica, que já tinha sido gravada em Sambas do Absurdo, “Ladeira”, que resolvemos fazer uma nova versão. Era uma tentativa minha à Rodrigo Campos, onde coloco o nome de pessoas. Tem a Diana, tem um vocabulário que eu imagino ser mais o dele…

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(Bruno Alves/divulgação)

[Risos] Eu tinha certeza que essa letra era do Rodrigo!

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Romulo: A Diana é a rua Diana, lá nas Perdizes. O Rodrigo mora no predinho em que eu já morei. A composição era eu falando pra ele, “mano, vamos mudar para a Pompeia, está tudo certo. Vai ter banca de jornal, vai ter um novo amor. E a Diana vai te levar.” É o imaginário do Rodrigo com a cidade, os personagens dele e eu tentando lidar com isso. Coisa que eu nunca, nem de longe, fiz nos meus trabalhos pessoais.

Rodrigo. Enquanto compus só duas letras neste disco, acho que escrevi mais letras para o Cabral e para o Kiko no Passo Torto. Acho que todas as nossas músicas são letras minhas e melodias suas, não é, Romulo?

Romulo: Você está falando agora, estou me dando conta. Tem razão!

Rodrigo: E o fato deste disco ter duas dessa lavra, eu fazendo letra e o Romulo música, que são “Elefante” e “Mil Anos Depois”… me parece que essas músicas lembram ainda do Passo Torto. Eu imagino essas músicas com as guitarrinhas do Kiko, o baixo com pedal do Cabral.

E nas outras, que são músicas minhas com letras do Romulo, acho que abrimos um outro canal, porque eu tentei também compor de uma maneira que o Romulo gostasse. Fiquei pensando nas harmonias, ele gosta que as harmonias andem, que não sei o quê, eu fiquei imaginando. E ele também, como disse, imaginou como eu gostaria das letras. E essa intenção, que acaba sendo mais intenção do que um fato, realmente gera elementos novos.

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Uma das coisas que mais gostei nas músicas de Elefante é justamente a polifonia, aquelas quebras rítmicas que antecedem alguns vocais do Romulo, que depois retornam para os mesmos compassos. E também porque são colaborações diferentes do que, por exemplo, “Silvia e o Medo”, que está em Pagode Novo, disco que o Rodrigo lançou no começo do ano, e que é uma música que tem uma harmonização mais grandiosa, cantos femininos em coro, enquanto Elefante apresenta uma estética minimalista, que tem ali só um compasso marcado, os instrumentos de corda e as vozes. Como foi chegar nesse outro caminho?

Rodrigo: Eu acho que, quando falamos pela primeira vez sobre o disco, estávamos um pouco em crise, porque queríamos fazer um disco do Passo Torto. Ao mesmo tempo, o Passo Torto estava meio disperso, cada um fazendo suas coisas, não estava dando muito para mexer com isso.

Um dia, fomos fazer um show em Campinas, na Rabeca Cultural, uma apresentação só de violões. E foi muito massa, me pareceu que as canções ganharam outro tamanho nesse formato de violão. E nós, como compositores, sempre quisemos fazer esse disco pensando naqueles discos dos compositores de samba, sabe? Que é o compositor de samba apresentando a composição, do jeito que ela foi feita.

Acho também que a ideia de ter as percussões foi um pouco mais para marcar esse lado do samba. Não sei se o Romulo concorda muito com isso, mas colocar as percussões de samba foi para ganhar um pouco mais de samba do que de MPB, sabe?

Os discos de compositores de samba tem uma coisa mais de rua, mais informal, mais espontânea. Penso que eu quis isso e o Romulo também, do jeito dele, quis essa espontaneidade da canção, mas que tivesse também essa coisa do samba, para não ficar uma coisa muito polida. Porque a preocupação de se fazer um disco de violão é que às vezes fica muito polido, muito apolíneo, muito higienizado. Pra mim, a percussão de samba traz um pouco essa sujeira, que vem no lugar da guitarra com pedal, sabe? A percussão, o tamborim, essas coisas.

Romulo: Tem uma coisa da canção estar bem na cara. Foi tudo do melhor jeito que pode ser. Começou numa conversa de boteco em junho, passamos a compor, marcamos estúdio, nós dois tocamos violão. Aí o Rodrigo tem muito mais recursos do que eu, toca violão, cavaquinho, sabe de guitarra e percussões. Um dia o Thiago França nos visita, e coloca um saxofone, a Anna Vis nos visita e o Rodrigo oferece para cantar umas três…

Foi uma gravação muito amadora em si mesmo, mas também muito confiante e madura. Já fizemos muitos discos na vida, sabemos como soa. Tem uma espécie de confiança. Queríamos que a canção estivesse na frente, e que não fosse um disco que tivesse invenção. Então, começou a surgir essa história do Rodrigo, que a percussão entra e para, não vai fica a faixa inteira. Depois, sem pensar, o Rodrigo foi cantando menos, até que em uma música ele canta um verso só. É como se fosse o Hitchcock aparecendo nos filmes, ou como se tivesse entrado um surdo ou um tamborim. A voz dele funciona quase como um elemento harmônico ou percussivo.

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(Bruno Alves/divulgação)

O samba aparece de várias maneiras no disco. “Ladeira” abre o disco como um samba triste, mas as músicas vão apresentando outras nuances estéticas. Vocês pensaram em realizar, de alguma forma, um apanhado do samba?

Romulo: O Rodrigo tinha lançado um disco chamado Nove Sambas, né? Por mim, teria gravado 14, mas agora que ele me convenceu, e tem toda razão, nove é muito melhor, porque condensa, fica mais firme. Ele não sai fazendo disco que nem maluco, como eu [risos].

Pensando bem, Elefante é o segundo disco que cada um de nós lança este ano. Digamos que estamos mais prolixos em 2023. Mas a coisa do samba, eu acho, bom, o Rodrigo é o samba, né? Ele pode cantar: “eu sou o samba”. Eu não, eu venho de um outro lugar, assim, mas muito encantado pelo Nelson Cavaquinho, pelo Batatinha. Minha obra inteira tem essa tristeza, essa melancolia. Eu não consigo fazer um samba pra cima, tenho raríssimas exceções. Mesmo esses pra cima são um pouco com Lexotan [risos].

Mas você fez pra Elza Soares…

Romulo: Você acha “A Mulher do Fim do Mundo” pra cima? Bom, é menos ensimesmada, tem mais força… mas se você ouvir a minha versão de “A Mulher do Fim do Mundo”, vai ver como ela é mais triste.

Mas eu acho que a gente quer fazer samba como nunca foi feito antes, assim, tem esse desejo de… O Rodrigo já fez dois discos pelo menos dedicados a isso, Pagode Novo e Sambas do Absurdo, pensados estruturalmente e conceitualmente para mudar o samba. Nunca fiz isso, mas estou o tempo inteiro pensando não só no samba, mas na canção brasileira.

Rodrigo: O que tem é um desejo de não fazer música banal, de não fazer música comum. E mesmo um disco que não tem nada extraordinário, com violão, cavaquinho, percussão, saxofone e baixo acústico, poderia ser um disco pra trás pra caramba, se quisesse. Só instrumentos acústicos e tal. Eu quis botar algo de percussão pra tirar um pouco desse lirismo exacerbado que talvez pudesse ter. Mesmo nesse lugar, mesmo sem ter a guitarra, que supostamente é quem dá o dado moderno, né? E não é nada conservador. Então, eu acho que esse desejo de mudar o samba, de mudar a canção brasileira, ele está no disco.

Romulo: Por que eu vou lançar um disco? Ainda mais hoje em dia, que ninguém lança disco, que ninguém ouve disco. Qual o sentido de lançar um disco que tem um título e uma ordem? Essa é sempre a minha preocupação. Eu termino um disco e penso assim: ”terei cabeça pra fazer mais um? Terei motivo pra fazer mais um?” Estou tendo. Ainda bem, espero que continue.

Rodrigo: Acho que o título fala um pouco de como o samba quer se comportar nesse disco, como um elefante. Porque, é engraçado… É um disco que tenta ser pesado pelo oposto, o peso dele está no vazio, na falta de elementos, sabe? E isso gera um peso, porque o vazio gera uma angústia, gera um mistério, gera uma uma expectativa. Esse é o grande lance estético do disco, tentar trazer o peso de um elefante através da falta de peso instrumental. Um peso que está dado de outra maneira, de uma angústia, da imaginação de que ali seria legal ter um arranjo, sabe?

Romulo: Em certo sentido, Elefante é meio na contramão da música contemporânea, que é muito produzida, muito… Tem muita coisa, é um disco meio vagabundo, assim, no melhor sentido, sabe? Não afinamos as vozes, você pode identificar uma desafinação aqui e ali. As coisas não estão exatamente cravadinhas, ninguém ficou botando grid, sei lá, tem uma faixa lá que o meu violão dança pra caralho, as percussões não estão todas umas coladas nas outras. É a contramão do auto-tune, do grid, da edição. É um disco que terminamos em uma semana. Começou na segunda-feira e terminou na sexta, quando já estava masterizado. 

Vocês mencionaram como o disco não é pra trás, ou conservador, mas também as músicas estão dentro de uma certa formalidade do samba. Como vocês lidam com essa herança nessas músicas?

Rodrigo: A gente não inventou o samba, né? Tem uma coisa de quem gosta de ouvir música também. Eu ouço samba quase todo dia, é uma coisa que está em mim, está no Romulo também. Essa formalidade que você fala é também um processo de viver escutando música, tocar um instrumento, e mesmo querendo fazer alguma coisa diferente, você já tem uma forma, sabe?

Não consigo muito fugir disso, acho que tem gente que até consegue mais, mas ainda tenho uma formalidade, e quando penso em quebrá-la, também significa quebrar minha própria formalidade, sabe? Eu tô lidando com a minha própria formalidade. Não quero ser um sambista tradicional, então eu preciso lutar com isso, porque se eu não lutasse, eu seria um sambista tradicional, e seria um bom sambista, porque sei tocar tudo muito bem, poderia tocar num grupo, acompanhar um artista, como eu já acompanhei, mas brigo com a minha própria formalidade para poder fazer alguma coisa um pouco diferente.

Você só quebra uma coisa que já existe, né? Você pode dizer “ah, eu quero fazer samba de um outro jeito”. Beleza, de outro jeito qual? “Do outro jeito daquele samba”. Então, sempre vamos estar nos referindo a alguma coisa.

Romulo: E essa coisa é gigantesca, a canção brasileira, que tem mais de 100 anos, então… O que a gente pode fazer? Qual é a minha contribuição para essa história? Eu acho que é isso que me leva a fazer música. O dia que eu achar que eu já contribuí, ou eu achar que eu não posso mais contribuir, aí acabou. Ou achar que, beleza, sou foda, já cheguei lá. Ou então já fiz de tudo, não consigo fazer mais. Essas coisas me preocupam.

Eu já tô pensando no meu próximo disco, que ainda não pintou na minha cabeça. Aí eu já tô assim, cara, o que eu vou fazer? Porque ele também tem isso, né? Disco sai em novembro, mas já foi. Agora, o próximo. Porque a vida, a demanda da vida… Nós vamos fazer shows, mas sabemos por experiência da nossa própria carreira que, a menos que aconteça algo absolutamente inesperado, que eu acho que vai acontecer, a nossa vida vai continuar. E no ano que vem o Rodrigo vai fazer outro disco, eu vou fazer também. E aí a gente retoma esse. O Rodrigo acabou de fazer um show de 10 anos do Bahia Fantástica, eu fiz um de Barulho Feio.

E isso é uma coisa massa. Em 2029, quando São Mateus estiver fazendo 20 anos, ele pode fazer um show. Por quê? Porque os discos que a gente fez, eu não tenho a menor dúvida, são discos que ficaram e que ficarão. Não fazemos discos à toa. Até podemos fazer um disco desleixado ou tranquilo, mas você ouve Elefante e não é um disco de 2023, é pra sempre. Um disco de antes e depois. O meu desejo é esse. O que eu posso fazer pra essa porra dessa… E a música brasileira não tá nem aí comigo. Não está preocupada.

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(Bruno Alves/divulgação)

Esse é outro elefante?

Romulo: Pra botar na figura que escolhemos para ser título do disco, também tem essa caminhada lenta e perene, de passos firmes e certeiros. Até o dia, sei lá, que o elefante se retira do bando e vai embora. Por enquanto, estamos dentro do bando ainda.

Rodrigo: Mas eu também não tenho a intenção de ir contra isso. A discussão agora é o tamanho da música, né? A discussão é que não pode mais ter mais do que dois minutos. E está diminuindo cada vez mais. Isso não faz parte da nossa vida.

Romulo: Nós somos meio uns ermitões, assim, que fazem canção. Ficamos discutindo coisas que não se discutem mais.  Aí fora isso, é pagar aluguel. No meu caso, a escola da minha filha também. E conseguimos pagar com essas maluquices. Então tá bom.

Vocês mencionaram o vazio nas músicas, mas a identidade visual do disco também segue o mesmo caminho. É preto e branco, tem folhas de árvores, mas atrás de muros, mãos que seguram arames. Como vocês se sentem vivendo nesse período em que há uma melancolia urbana tão extrema?

Rodrigo: Embora nosso trabalho tenha essa vocação extemporânea, ele fala de questões muito atuais. “Quando Canto”, por exemplo, fala da morte do Zé Celso, de sua casa incendiada. Em várias das letras estamos falando um pouco de como as coisas estão ficando mais rapidamente perecíveis, descartáveis. E o quanto de angústia isso gera em nós, que somos animais sociais, que queremos que as coisas durem, que estamos vivendo esse período de amores líquidos. Só que isso está no disco de um jeito extemporâneo de falar, porque não está se referindo a nada diretamente, é um jeito de falar que abarca a entrelinha, que abarca a interpretação, que abarca a possibilidade da pessoa terminar a história, completar com sua própria bagagem. Não está nada dado, não é uma hashtag, não é uma lacração.

Então eu acho que o disco fala o tempo todo dessa angústia contemporânea, o fato de ser vazio, de ser o elefante, de ter aquele surdo, você falou da primeira música, a música começa com um surdo e um violão, é muito melancólico, num certo sentido, e aí o personagem começa a falar da Rua Diana, vamos atravessar a Rua Diana. O que está acontecendo com a Rua Diana dentro desse cenário que foi colocado?

Vocês falam da “cidade trovão, sertão inimigo”…

Rodrigo: Eu moro no prédio do Romulo, mas não no apartamento dele. Na época, precisava de uma reforma e eu queria mudar rápido, e quem foi para o dele foi o Bruno Alves, um fotógrafo, montador, diretor de fotografia. De vez em quando ele desce aqui para tomar uma cerveja, é muito talentoso, e as fotos foram decididas numa dessas conversas.

Ele fez essas fotos de um jeito muito espontâneo também, saiu andando pela Vila Romana, Vila Anglo Brasileira, foi batendo essas fotos ao mesmo tempo que entendendo um pouco o conceito do disco. Não foi nada combinado, mas ele compactuou com a nossa filosofia, entendeu que tinha um conceito, mesmo sendo uma coisa espontânea, esse espontâneo também vem de uma de uma pré-elaboração, e de trabalhos anteriores, de pensar a vida, pensar a arte. O Bruno nessa nessa viagem e trouxe a bagagem dele.

Romulo: Eu morei na Pompeia, onde o Rodrigo mora, e ali na região da Vila Romana tem um beco que eu nunca passava e que curiosamente traduz o disco. É um beco abandonado, uma viela por onde algum dia passou um rio e a natureza está tomando de volta. Tem uma parede de tijolo descascado pixada e tem uma mata.

Poeticamente, isso fala muito do disco e do elefante. Não é uma natureza bacaninha, não. Está zoada no meio de um beco, aprisionada em um beco, mas querendo sair desse beco.

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(Elefante/divulgação)
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