Avatar do usuário logado
OLÁ,
Continua após publicidade

Vanessa da Mata lança “Vem Doce”, seu sétimo álbum

Cantora segue ótima fase com canções que vão da MPB tradicional ao forró e ao reggae; embora venha doce, ela aproveita para falar de coisas sérias também

Por Artur Tavares
Atualizado em 3 abr 2023, 14h11 - Publicado em 3 abr 2023, 10h48
Fotografia.
 (Priscila Prade/divulgação)
Continua após publicidade

Os últimos meses da vida de Vanessa da Mata trouxeram a ela o desejo de criar. Mesmo percorrendo o Brasil em turnê com o show Nossos Beijos, a cantora foi encontrando tempo aqui e ali para gravar as treze músicas de Vem Doce, disco que lançou agora em março nas todas as plataformas de streaming.

Capa do álbum
(Vanessa da Mata/divulgação)

No disco, Vanessa está doce. Mas não só isso. O título do álbum também convida o ouvinte a prestar atenção com carinho ao que ela tem a dizer. Sempre muito politizada, a cantora aproveitou letras como de “Foice” e “Face e Avesso” para colocar o dedo na ferida e falar de injustiça social, precarização na educação, racismo, e outros temas sensíveis do Brasil atual.

“Eu tinha que falar disso em um sentido geral, sobre as leis até os incentivos aos mercados, e como alguns deles não devolvem à população de maneira correta. Como foi o caso dos alimentos, que estavam caríssimos. O Ministro da Economia tirou uma porcentagem da nossa comida para vender lá fora, enquanto aqui a fome voltou com tudo. Isso me incomodou demais”, explica a cantora.

Vanessa escreveu e compôs boa parte do disco. Sua amiga Ana Carolina contribui na letra de “Eu Repeitiria”, e Marcelo Camelo na de “Oi”. Vindo do reggae, Dom Lucas ajudou na composição de “Me Liga”; a sensação do forró atual, João Gomes, canta com ela “Comentário a respeito de John”, um cover de Belchior; enquanto o rapper L7nnon faz a voz em “Fique Aqui”. Na música título, “Vem Doce”, Papatinho acompanha a cantora com suas deliciosas guitarras suingadas.

Sobre as participações no disco, ela conta: “Gosto muito mais de colaborações quando são espontâneas. Todas as minhas coisas são assim, como foi com Ben Harper. Vou fazendo conforme vai aparecendo. E os meninos [João e L7nnon] vieram para meu universo, não fica uma coisa diferente, está tudo ali universalizado na minha musicalidade.”

Continua após a publicidade
Retrato da cantora Vanessa da Mata.
(Priscila Prade/divulgação)

A cantora ainda mostra seu talento como cronista em duas músicas deliciosas, “Amiga Fofoqueira” e “Vizinha Enjoada”, canções bem humoradas, leves, ótimas para dançar. Nós conversamos com Vanessa da Mata, confira:

Vanessa, você está lançando esse novo álbum cujo título pede “Vem Doce”. Tem faltado doçura nas pessoas ultimamente?
Sim. Tem um fel no ar, uma falta de diálogo. Ter uma opinião diferente é como se fosse uma ofensa pessoal, né? É um negócio muito estranho que tá rolando.

O título do álbum era outro, completamente diferente. Mostrei as 13 canções para o Zé Pedro, meu amigo, e foi ele quem me disse que eu já tinha um título maravilhoso, simples, único. Como se eu tivesse criado uma expressão e colocado ali.

Vem Doce é uma expressão que entende o disco inteiro, mesmo com algumas músicas tendo aspas bem fortes de protestos, esses cutucões que a sociedade tem que encarar de face.

Continua após a publicidade
Retrato da cantora Vanessa da Mata.
(Priscila Prade/divulgação)

Você lançou Quando Deixamos Nossos Beijos Na Esquina e logo emendou a gravação de um disco ao vivo. “Vem Doce” foi gravado com você na estrada. Como foi esse processo?
Eu não tirei um tempo para entrar em estúdio. Essa nova maneira de fazer discos dá muita liberdade. Fiquei na estrada gravando, lancei um álbum novo, e anunciarei a turnê daqui a pouco.

Para mim, isso é incrível, porque não consigo parar de trabalhar. Nesse sentido, me vejo e me inspiro muito em Gilberto Gil, porque o Gil não para também, é uma coisa, mesmo agora, com 80 anos, ele não para um segundo! Eu gosto muito disso, dessa loucura, dessa mudança.

Foram quatro anos, mas tive a sensação de trabalhar somente dois, porque veio a pandemia, o mercado parou inteiro, e Quando Deixamos havia sido lançado há apenas seis meses. Então, quando voltamos, entrei no estúdio depois do tempo de maturação dele, quando já estava na estrada. Comecei a sentir que tinham músicas novas, e aí as do disco passaram a perder a validade na minha cabeça.

Vem Doce é uma expressão que entende o disco inteiro, mesmo com algumas músicas tendo aspas bem fortes de protestos, esses cutucões que a sociedade tem que encarar de face”

Vanessa da Mata
Continua após a publicidade

Como foi a pandemia? Você voltou para o Mato Grosso?
A minha mãe tem uma casa lá no interior da cidade de Alto Garças, a minha cidade natal. Fui com todo mundo, filhos, cachorro, papagaio, tudo! Comecei a encomendar telas e tintas, e comecei a pintar. E aí pintei muito, 40 e tantas telas. Eu sou intensa, né? Montei até uma loja

Você já mostrou essas telas?
Já, mas quero mostrar mais. Existe a possibilidade grande de uma exposição, a fila é enorme, estou esperando as datas.

Uma das músicas tem participação do João Gomes, um menino que está despontando muito rapidamente no forró. Em outra, o L7nnon também canta contigo. Como foi trazer esses dois jovens para seu álbum?
João cantava uma música minha, “Amado”. E a mãe dele era muito minha fã; Quando me encontrei com ele, descobri que ele conhecia todo meu trabalho. Um belo dia, ele mandou mensagem dizendo: “desculpa se estraguei sua música.” Aí mandei de volta: “tá doido, menino? Me liga!”

O João tem 20 anos, está entre a idade dos meus filhos. Um deles tem 21, e o outro, 19. E aí ele ligou, a mãe falou comigo, ficou super emocionada, chorou. Ele me convidou para o DVD dele, em que cantei “Só você e Eu” e “Amado”, junto com ele.

Vanessa da Mata e e o cantor João Gomes.
(Bruno Fioravanti/divulgação)
Continua após a publicidade

Nisso conheci o L7nnon, que também tinha sido convidado. E foi divertidíssimo, porque ele me falou as mesmas coisas, e acabou também me procurando por mensagens. Então chamei ele para o estúdio, a música já estava pronta.

Gosto muito mais de colaborações quando são espontâneas. Todas as minhas coisas são assim, como foi com Ben Harper. Vou fazendo conforme vai aparecendo. E os meninos vieram para meu universo, não fica uma coisa diferente, está tudo ali universalizado na minha musicalidade.

Nessa era dos streamings, os artistas conseguem trabalhar as colaborações em conjunto. Isso é muito diferente de quando você começou, certo?
Nossa, é completamente diferente! E de certa forma tenho um enorme alívio quanto a isso, porque está na minha mão muito mais do que quando fiz “Boa Sorte” e ela teve que ir sozinha. Na época, uma gravadora não queria fazer, outra não queria o trabalho de marketing, mas mesmo assim a música foi sozinha, inclusive no interior. Ela poderia ter estourado muito mais.

Achei engraçada uma outra música chamada “Amiga Fofoqueira”. Todo mundo tem uma, né? Você é a amiga fofoqueira, ou passou por alguma situação ruim com uma?
Fiz para um amigo que brinca muito com essa coisa de ser fofoqueira, o Augusto. E também em uma outra amiga, Flavinha, que já faleceu, mas tenho certeza que iria amar essa música. A Flavinha ia se divertir muito porque era engraçada, assim.

Continua após a publicidade

Mas falo da fofoca no sentido de que pode contar coisas pequeninas e engraçadas que acontece. Faz parte, né? O que você não pode é espalhar mentiras, fake news, fazer uma fofoca que vai prejudicar alguém.

Retrato da cantora Vanessa da Mata.
(Priscila Prade/divulgação)

E tem também a “Vizinha Enjoada”, né? Essa eu tenho aqui em casa…
Todo mundo tem! Essa minha vizinha no Mato Grosso era uma mulher cheia de moral. Muito mais velha, ela iniciou sexualmente todos os meus tios. Tinha aquela coisa da moral, da família, do não sei o quê, e por trás a pessoa é um demônio.

A gente não podia fazer nada, que ela se metia com uma irritação com coisas mínimas, se pulávamos o muro para brincar onde não podia, se entrávamos lá para nos esconder. Tudo era um fuxico, enjoada mesmo.

Então, essas músicas são todas crônicas que escrevo. Tem uma coisa minha de reparar tanto o Brasil, de procurar o rotineiro, de perceber esses personagens todos.

“Fiquei muito abalada com as coisas todas que vinham à tona, aquelas pessoas sem traquejo nenhum, nenhuma educação e evolução espiritual, no poder. Tudo muito feio, muito”

Vanessa da Mata

No ano passado, um pouco antes das eleições, assisti a um show seu. Na ocasião você aproveitou para se manifestar politicamente, e neste álbum algumas letras tocam em questões como a do racismo. De que maneiras esses últimos anos afetaram você e sua música?
Afetou muito, principalmente dizerem que os artistas roubavam dinheiro com o PT, que éramos um monte de malandros e corruptos. Essa demonização me fez muito mal.

Eu tinha que falar disso em um sentido geral, desde as leis até os incentivos aos mercados, e como alguns deles não devolvem à população de maneira correta. Como foi o caso dos alimentos, que estavam caríssimos. O Ministro da Economia tirou uma porcentagem da nossa comida para vender lá fora, enquanto aqui a fome voltou com tudo. Isso me incomodou demais.

Retrato da cantora Vanessa da Mata.
(Priscila Prade/divulgação)

E também a própria forma das pessoas se comunicarem de forma violência. As últimas pesquisas dizem que o número de estupros aumentou muito. São heranças que ficam, lastimas terríveis, porque demora muito pra reeducar uma população, né? Ensinar novamente a se sensibilizar, a ter empatia com o outro, principalmente em um país tão machista como o nosso. É uma herança horrível, horrível!

Fiquei muito abalada com as coisas todas que vinham à tona, aquelas pessoas sem traquejo nenhum, nenhuma educação e evolução espiritual, no poder. Tudo muito feio, muito.

É uma evidência do Brasil, né? Dessa crise educacional terrível que reverbera e traz essas criaturas todas falando esse monte de… como se fosse simbolicamente uma merda. Uma merda ambulante que expele merdas pela boca de maneiras sem consequência.

Você é muito bem sucedida, tem um público muito diverso. Em algum momento teve medo de se posicionar sobre questões sensíveis, principalmente nesse momento de convulsão social?
Não. Me posiciono desde o primeiro disco, só que de uma maneira mais leve. “Eu não tenho” falava de terra, dessa injustiça toda. Depois cantei “Eu sou Neguinha”, escrita pelo Caetano. As pessoas percebiam que era forte. Então, “Homem Preto” e várias outras. Mas maneira de cantar era mais macia.

As músicas pediam isso. Dessa vez, achei que precisava ter mais exaltação, no sentido de mostrar a resposta, de ficar de igual para igual. E até no sentido de raiva mesmo, de abrir espaço para a catarse.

Li por aí que você está completando 20 anos de carreira, mas na verdade a data tem a ver com o lançamento de seu primeiro álbum. Antes, você já tinha pelo menos mais uns 10 anos de estrada, né? Pode me falar um pouco sobre dedicar toda uma vida à música?
É engraçado, porque não sei fazer outra coisa. Tentei vários empregos antes e nunca consegui. No começo, parecia uma pirraça dos deuses. Eu tentei de tudo que você pode imaginar, emprego no shopping, de atendente, qualquer coisa. Entrava e não ficava dois dias. Parecia uma angústia, uma certeza de rejeição. Ficava me questionando porque não conseguia.

Depois de tantos anos viajando, sem ter uma vida normal, muitas vezes é difícil manter amizades por muito tempo. Porque a pessoa tem um segredo para contar, uma coisa muito séria que aconteceu na vida dela, precisa de uma palavra de amor, de carinho e de apoio, e acaba procurando outra pessoa. Porque eu não estou, não posso falar, estou em uma entrevista ou alguma outra coisa.

Fazer música é uma magia. Porque a música está invisível, e perceber o quanto ela toca as pessoas, o quanto ela transforma, tantos depoimentos que eu já tive sobre curas… Lógico que as pessoas procuram essa cura, mas nós temos algo a ver com isso, então é compensador.

Você mencionou o Gil, que está com 80 anos. Você já está realizada, quer chegar na mesma idade fazendo o mesmo que ele, turnês, shows, viajando o mundo?
Eu quero. Adoro a maneira como o Gil vive, acho a coisa mais linda do mundo. Ele é muito altivo, consciente de tudo. Não para um minuto, é engraçadíssimo, uma figura. Ele aproveita a estrada, adora viajar. Eu também.

“Fazer música é uma magia. Porque a música está invisível, e perceber o quanto ela toca as pessoas, o quanto ela transforma, tantos depoimentos que eu já tive sobre curas… Lógico que as pessoas procuram essa cura, mas nós temos algo a ver com isso”

Vanessa da Mata

E quais os planos agora que o disco está lançado? Vai sair em turnê?
A turnê começa em maio e os ensaios já estão acontecendo. Geralmente é uma coisa que me deixa ansiosa, fico doida, tomo remédio, não durmo e vai piorando. Mas dessa vez estou bem.

Toco com a mesma banda que me acompanhou na turnê de Quando nossos beijos. O cenário é maravilhoso, e o show tem direção do Jorge Farjalla, que também me ajudou na capa do disco.

Eu peguei um carrinho do Jorge Zalszupin desejado no mundo inteiro e coloquei na ideia da natureza tropical brasileira. Trago duas maneiras de ver o tropical, na sofisticação da arte do mobiliário brasileiro, e da natureza que é rica, com mangas, as frutas e tudo mais.

Retrato da cantora Vanessa da Mata.
(Priscila Prade/divulgação)
Publicidade