Bailarino brasileiro tem visto negado após ser admitido em companhia dos EUA
Após 10 anos no Miami City Ballet, Luiz Fernando foi admitido na prestigiada Dance Theatre of Harlem em 2024, mas teve o novo visto negado

O bailarino brasileiro Luiz Fernando da Silva vivia o sonho simples de muitos artistas da dança: poder viver da sua arte. Mas, ao invés de fazer isso nos palcos brasileiros, o dançarino, natural de Barra Mansa (RJ), vivia e trabalhava nos EUA. Há mais de oito anos, atuava no Miami City Ballet e se preparava para um novo passo em sua carreira: integrar a prestigiada Dance Theater of Harlem, em Nova York.
Isso deveria ter acontecido no segundo semestre do ano passado. Acontece que, pela primeira vez, em 10 anos estudando e trabalhando nos EUA, ele teve seu visto de trabalho negado. Justamente numa época marcada pela eleição de Donald Trump à presidência, que viria colocar em risco a estabilidade de milhões de migrantes no país.

A história de Luiz ganhou repercussão no Brasil na última semana, após o bailarino contar sua trajetória ao jornalista Jamil Chade.
Em entrevista à Bravo, Luiz afirma que foi ingênuo ao retornar para o Brasil, onde passaria uma temporada de três meses até iniciar os trabalhos na companhia de Nova York. “Eu não esperava que meu visto para voltar aos Estados Unidos fosse negado. Isso mudou completamente o rumo da minha vida. Agora estou num momento de reorganização, pensando onde colocar meu foco, o que fazer, quais os próximos passos, buscando novas oportunidades, talvez até em um novo lugar… ou talvez ficando pelo Brasil.”
O jovem de 29 anos voltou ao Brasil em maio de 2024. A previsão era retornar aos EUA no fim do verão. O tempo, ele calculava, seria o suficiente para tirar seu visto de trabalho, da categoria O — voltado para indivíduos com habilidades extraordinárias em ciências, educação, negócios ou esportes, reconhecidas nacional e internacionalmente. “Quando decidi buscar uma nova oportunidade de trabalho, planejei tudo: chegaria ao Brasil em maio, o visto seria aplicado, e lá por agosto ou início de setembro eu já estaria com o documento em mãos para voltar, retomar a carreira e iniciar essa nova etapa. Mas isso não aconteceu. Talvez eu tenha sido ingênuo ao me planejar só com base na resposta positiva”, conta o artista.

Luiz explica que foi necessária uma mudança na categoria do visto: enquanto o Miami City Ballet aplicava o visto P, voltado a artistas patrocinados por uma entidade dos EUA para apresentações específicas, o Dance Theater of Harlem ofereceu o visto O, que exige reconhecimento internacional e comprovação de que a presença do artista no país é relevante para a cultura ou para a comunidade.
“Nunca tive problemas com imigração. Desde minha primeira ida aos Estados Unidos, passei por diferentes categorias: turista, estudante e, depois, trabalho, com o Miami City Ballet, na categoria P. Sempre deu tudo certo. Essa foi a primeira vez que tive uma negativa.”
Aqui no Brasil, Luiz vive com a mãe em Barra Mansa. Apesar do abalo emocional, ele se organiza para voltar a dançar e, quem sabe, dar aulas. “Atualmente estou desempregado, mas sigo em busca de oportunidades na dança, que é o meu sonho. Quero continuar atuando como bailarino, mas também já trabalhei como coreógrafo e professor — e, se surgirem essas chances novamente, serão muito bem-vindas. Até porque eu estou aqui, não quero parar. Quero correr atrás do meu sonho, continuar na produção. Se tem a possibilidade, se tem a oportunidade, por que não tentar?”

Uma vez encerrado o contrato com o Miami City Ballet, seu visto também perderia a validade. Embora tenha solicitado o novo visto ainda em setembro de 2024, a resposta não veio de imediato. Em dezembro, o Serviço de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos retornou solicitando mais evidências sobre sua trajetória. Com auxílio da companhia (Dance Theater of Harlem), Luiz reuniu a documentação necessária para comprovar sua história: cartas de recomendação, certificados de festivais, contratos com o Miami City Ballet, quadros de horários e rotinas de ensaios.
“A companhia passou a contar com advogados e, assim que eles solicitaram mais evidências, em dezembro, começamos a reunir o material e o enviamos à imigração. Durante a espera, os advogados chegaram a entrar em contato com o órgão, mas foram informados de que o prazo havia sido estendido. E a negativa veio agora, no finalzinho de março, comecinho de abril. Disseram que, depois de revisar a documentação, eu não me encaixava no critério daquela categoria de visto.”
Mesmo diante da incerteza, Luiz mantém a esperança de voltar aos EUA para tomar seu lugar na Dance Theater of Harlem, um de seus grandes sonhos como artista da dança. A companhia e escola de balé fundada em 1969 no bairro do Harlem, em Nova York, foi criada para ampliar o acesso de artistas negros ao balé clássico. Hoje é uma referência internacional por promover diversidade, excelência técnica e inovação artística.

Os primeiros passos na dança
O primeiro contato do jovem com a dança aconteceu em 2008, aos 11 anos, por meio de um projeto chamado Dança e Magia. “Os professores iam até a escola regular convidar novos alunos para o projeto. Uma professora me viu e falou: ‘Olha, você tem um biotipo bonito para a dança, para o balé. Você já participou de algo assim?’. Eu disse que não, que nunca tinha tido contato com o balé, com a dança, com nada parecido.”
Curioso, ele foi conhecer o local e se identificou de imediato com uma das professoras. Permaneceu na iniciativa por três meses, mas acabou desistindo ao saber que sua primeira mestra deixaria o projeto.
Foram cerca de dois anos até que ele decidisse dar ao balé uma nova chance. Estava prestes a entrar no Ensino Médio e já ouvia da mãe os primeiros alertas de que era hora de começar a pensar no futuro profissional. A dança, naquele momento, ainda era um palpite — mas não demoraria a se transformar numa aposta.

“Então, entrei em contato novamente com essa mesma professora, e ela me direcionou para uma escola de dança na cidade vizinha, em Porto Real. Fui até lá, fiz uma audição e eles me ofereceram uma bolsa de estudos. Comecei a participar das aulas e das atividades da escola. Só que a viagem entre Barra Mansa e Porto Real dura cerca de 30 minutos. Eu saía da escola e ia direto para lá.”
De família humilde, o deslocamento diário começou a pesar no orçamento da casa, e a família não sabia se conseguiria arcar com os custos por muito tempo. “Eles conversaram com a direção da escola de dança, que então me ofereceu um vale-transporte para que eu pudesse continuar. E assim segui. A escola começou a nos levar para participar de festivais de dança pelo Brasil.”
Até que surgiu uma oportunidade para estudar na Miami City Ballet School. A audição, contudo, aconteceria em Goiânia. Ele então pediu ajuda à escola para viabilizar a viagem até Goiás. “Fiz a audição e fui aprovado para o curso de verão de 2013, com bolsa integral, incluindo moradia e alimentação, praticamente tudo pago, exceto a passagem. Em 2013, participei do curso de verão por cinco semanas. Durante esse período, a escola Master Ballet Academy me convidou para ser aluno regular deles. Em janeiro de 2014, me juntei oficialmente à escola como aluno em tempo integral.”
A relação entre o bailarino e a escola amadureceu rapidamente e, ao fim de sua formação, ele passou a integrar a companhia nos anos seguintes, onde permaneceu pelos oito anos seguintes.

Em 2024, Luiz decidiu dar mais um passo e se inscreveu para uma audição na cobiçada Dance Theater of Harlem, em Nova York. “Quando fui fazer a audição, aquilo representava um recomeço. Eu estava reencontrando o Luiz Fernando como artista, como bailarino, como ser humano. Estava reconhecendo a minha voz, buscando um lugar onde essa voz pudesse ser ouvida, incentivada, usada para promover transformação de verdade por meio da cultura. Sinto que estou num momento em que tenho uma página em branco na minha frente”, conclui o dançarino.
A Bravo! entrou em contato com a companhia Dance Theater of Harlem para saber quais serão os próximos passos e de que forma pretendem apoiar o jovem bailarino. A resposta será incluída assim que for enviada à reportagem.