Bete Coelho é Molly Bloom
Atriz assume direção e interpretação de espetáculo adaptado da obra "Ulisses", de James Joyce
Escrita há mais de 100 anos, a obra Ulisses, de James Joyce ganha uma releitura para o teatro brasileiro. O espetáculo Molly Bloom, que estreou em janeiro no Teatro Unimed, tem início justamente em um dos pontos mais críticos do épico irlandês, o retorno de Leopold Bloom ao lar. Idealizada e co-dirigida por Daniela Thomas e Bete Coelho, a peça foi adaptada de nova tradução feita por Caetano Galindo, e recorta apenas o capítulo final do romance, quando Joyce adentra nas intimidades da esposa de Bloom.
Leopold, vivido pelo ator Roberto Audio, retorna após sua odisseia de 16 horas pelas ruas de Dublin. Deitada na cama e supostamente adormecida está sua esposa, Molly – representada por Bete. É Leopold que introduz a tensão que será desenvolvida na peça. Ele está seguro de que Molly cometeu adultério naquele mesmo dia. O fato, no entanto, provoca mais curiosidade e paixão pela esposa. Ao invés fixar na incerteza machadiana de Bentinho e Capitu, Molly, quando desperta, dissolve qualquer dúvida, e fala abertamente sobre seus casos com a plateia.
Confira a crítica da peça aqui
“A peça nasce de uma vontade minha por conhecer a personagem desse livro que é tão icônico e famoso por não ser lido. E nasce do meu fascínio pela obra, pelo universo irlandês, e pelo fato de o livro passar 24 horas na vida dos personagens, que vai desaguar nesta mulher chamada Molly Bloom”, conta Bete Coelho.
Quando Leopold finalmente cai no sono, é a vez de Molly percorrer um fluxo de pensamentos através da sua juventude, seu casamento, seus desejos, a perda do filho e seus casos extraconjugais. A personagem, pode-se dizer, é uma releitura ao avesso de Penélope, da Odisseia, de Homero, a qual Joyce se inspirou.
Esposa de Ulisses, Penélope permanece 20 anos aguardando o retorno do marido após a guerra de Tróia. Diante dos insistentes conselhos do pai de que ela deve se casar novamente, ela aceita, mas impõe uma condição: só voltará a casar quando terminar de tecer um sudário para o pai de Ulisses. A trama já foi reproduzida em diversas outras obras: ao anoitecer, Penélope desmancha todo o trabalho feito ao longo do dia, tornando o feito algo interminável. Molly, por sua vez, não exibe a mesma paciência e nem parece manter-se esperando o amado marido. Parece se mover muito mais por uma inquietação e devaneios próprios.
“Ela é contraditória, como qualquer pessoa. No final de contas, ficamos sabendo que ela ama desesperadamente o marido e a memória que ela tem dos dois. Eu acho que tem traços comuns com Penélope, que é esse fiar e desfazer, só que ela faz isso em palavras, de costurar essa vida dela em palavras”, resume Bete Coelho.
Nas longas horas que se mantém acordada, como num episódio de insônia, Molly se revira do avesso com os próprios desejos e também desconfianças em relação à fidelidade do marido. Naquele momento, ela fala sem sutilezas sobre suas transas e seus fetiches. No espaço de uma enorme cama, projetada por Daniela Thomas, Bete reproduz quase uma coreografia de modo a expressar a energia daquela personagem, que tão cheia de si, transborda a cada pensamento como se estivesse a beira de um orgasmo. O teor obsceno e sem pudor é um traço próprio da obra Ulisses, que chegou a ser boicotado e ameaçado de censura quando o texto foi publicado, em 1922. Chamava, especialmente, o fato de discutir a sexualidade e o prazer feminino através da personagem que dá nome ao espetáculo.
Ao vivo, câmeras no palco projetam closes do rosto de Molly por um enorme tecido fixado na boca de cena. Como se estivessem em uma gigante tela de cinema, as imagens invadem a privacidade de Molly e compensam a distância da plateia e o palco. Ao fundo, espelhos oferecem diversas perspectivas sobre Molly e Leopold. “Quando a gente joga isso para o teatro, não é só uma voz que estamos ouvindo, porque o pensamento não consiste só em voz. Por isso, precisa de algum movimento. No teatro, voz é corpo, corpo é cena e assim por diante”, explica a atriz.
Daniela Thomas, que assina a codireção e cenografia, pela qual foi indicada ao Prêmio Shell, elogia o trabalho da atriz. As duas compartilham uma parceria artística que dura mais de 30 anos. “A Bete tem nessa peça um domínio da cena que poucas vezes eu vi na minha vida. Ela tem que estar com aquela intensidade de interpretação nos lugares exatos, nos locais em que a câmera está marcada. É uma peça inteiramente, milimetricamente marcada. Essa interpretação da Bete, para mim, é quase histórica.”
Teatro Unimed: Ed. Santos Augusta, Al. Santos, 2159 – Jardins, São Paulo
Sessões de estreia: quarta-feira, 25 de janeiro de 2023 e quinta-feira, 26 de janeiro de 2023, às 20h
Horários da temporada: sextas e sábados, às 20h. Domingos, às 18h (não haverá espetáculo de 17 a 19 de fevereiro – Carnaval)
Valores: Inteira – R$ 140,00 (plateia), R$ 100,00 (balcão). Meia-entrada – R$ 70,00 (plateia) e R$ 50,00 (balcão)