O Corsário: ballet que une poesia e lendas reais
O Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro volta aos palcos com clássico que demanda técnica e versatilidade dos bailarinos
A frase do poema de Lord Byron, escrito em 1814 (veja abaixo), reflete a inspiração para um balé popular, mas com trama complexa. O Corsário tem como protagonista o belo Conrad, sombrio e atraente, assim como repulsivo ao mesmo tempo. Em uma história cheia de aventura, amor, traição, perigo, naufrágio e fuga que não se imaginaria que pudesse render um balé, mas os coreógrafos pensaram diferente.
“Ele deixou nome de corsário para outros tempos,
Ligado a uma virtude e a mil crimes.”
Muitos acreditam que o corsário do poema é inspirado no lendário pirata Jean Lafitte que agia no Golfo do México no início do século 19, e que trabalhou com Napoleão e outros líderes de seu tempo. As 180 páginas do texto de Byron são escritas em verso, dedicadas ao poeta irlandês Thomas Moore. Dividida em cantos ela narra a história do corsário Conrado, que, em sua juventude foi rejeitado pela sociedade justamente pela pirataria e que depois foi condenado por sua “guerra contra a humanidade”.
Excluindo, claro, suas conquistas amorosas, ele era o típico herói do romantismo da época: solitário, misterioso e um anti-herói. A publicação foi tão popular há mais de 200 anos que vendeu dez mil exemplares apenas no primeiro dia, ganhando popularidade e inspirando óperas, música e balé, incluindo compositores como Giuseppe Verdi, Hector Berlioz, Adolphe Adam e Edward Elgar.
Petipa levou para Rússia a obra que nasceu em Paris
O ballet Le Corsaire é dividido em três atos, usando o poema de Byron mais como uma base do que literalmente fiel. A primeira coreografia foi de Joseph Mazilier, em 1856, mas essa ficou apagada na memória. Foi apenas quando Jules Perrot levou a obra para o Balé Imperial de São Petersburgo que passou a ser popular, embora seja a visão de Marius Petipa que sirva como base para todas as outras desde então. Ironicamente, a primeira montagem em São Petersburgo, em 1858, tinha o ainda jovem Marius Petipa no papel de Conrad. Portanto o coreógrafo francês conhecia a obra profundamente. Trinta anos depois faria a sua própria produção.
Petipa gostava tanto do ballet que montou quatro versões diferentes da obra, adicionando dificuldades técnicas a cada revisão. A primeira, em 1863, teve sua esposa, Maria Surovshchikova-Petipa como Medora e Christian Johansson como Conrad. A produção estreou em 1863, e incluiu uma partitura extra de Cesare Pugni. A segunda, em 1867, foi montada em Paris, em homenagem à Exposição Universal daquele ano, com Adèle Grantzow como Medora e uma nova peça exclusiva para ela com música de Léo Delibes. No ano seguinte, ainda com Adèle no papel principal, Petipa levou o balé para apresentar ao Imperador russo Alexandre II. Dessa vez, Cesare Pugni compôs as músicas para novas danças.
Talvez pelo custo da montagem, a terceira versão só estreou em 1880, com Eugenia Sokolova como estrela. Nove anos depois, a versão definitiva, com um elenco estelar que reunia Pierina Legnani, Olga Preobrajenskaya e Pavel Gerdt, estreou no Mariisnky com grande sucesso. Nem as versões de outras companhias chegavam perto da visão de Petipa.
Mais tarde, a versão de Alexander Gorsky permaneceu no repertório do Teatro Bolshoi até 1927, mas, de alguma forma, o público foi esquecendo o balé completo, mantendo apenas a ligação com o famoso pas de deux. Somente em 1992, quando Konstantin Sergeyev resgatou o balé completo, que o público voltou a conhecer a obra como deveria.
O Pas de Deux
A peça mais famosa, em geral conhecida como “Pas de deux do Corsário” é, na verdade, um Pas de Trois. Ultra desafiador tecnicamente, é apresentado sozinho para ressaltar os virtuosos.
Ele entra no 1º ato, dançado pelos três protagonistas: Conrad, Medora e o escravizado Ali. Quem “criou” a versão que conhecemos hoje foi Agrippina Vaganova, em 1931, com música de Riccardo Drigo. A lendária pedagoga a criou como uma peça especial para a apresentação de formatura de sua aluna, a estrela Natalia Dudinskaya, que dançou com seu futuro marido e diretor da companhia, Konstantin Sergeyev. Essa também foi a peça de formatura de outros mais à frente, como Alla Sizova e Rudolf Nureyev, por exemplo.
Hoje, mais do que a parte do casal, é o solo masculino que é uma peça adorada pelos bailarinos homens, graças aos desafios técnicos de saltos e piruetas. As versões de Mikhail Baryshnikov e Rudof Nureyev foram eternizadas em filme.
Com a aposentadoria de Marius Petipa, em 1904, e a Revolução Russa de 1917, Le Corsaire foi ficando menos popular como obra completa. No Brasil, e especialmente no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, O Corsário tem uma importância especial. Desde meados do século 20, quando a companhia ainda buscava se firmar no cenário internacional, a montagem da obra completa foi um marco, trazendo ao público carioca uma produção de alta qualidade que honrava a tradição do ballet clássico europeu. Ao longo dos anos, vários bailarinos e artistas nacionais ganharam destaque em suas interpretações do balé, contribuindo para a disseminação e o reconhecimento dessa obra entre os amantes da dança brasileira.
A remontagem atual do balé no Theatro Municipal do Rio traz uma leitura contemporânea, mas respeitosa, da obra, buscando equilibrar a técnica clássica com uma direção artística sensível aos tempos atuais. O elenco reúne bailarinos dedicados que enfrentam o desafio de encarnar personagens complexos enquanto dominam as difíceis coreografias que exigem força, flexibilidade, resistência e expressão dramática.
A direção de arte investiu em cenários e figurinos que remetem ao exotismo e à atmosfera do Mediterrâneo, ao mesmo tempo em que exploram a linguagem visual do ballet para encantar e transportar o espectador. A música, executada ao vivo, enriquece ainda mais essa experiência imersiva, celebrando as composições originais e as revisões de mestres da música clássica. É um momento único para os cariocas e para os amantes da dança do Brasil inteiro — a chance de assistir a uma produção que combina história, técnica, música e emoção, tudo reunido para celebrar a arte em sua forma mais sublime.
MEDORA – Márcia Jacqueline (14, 17, 19 e 21/8), Juliana Valadão (15, 20 e 23/8) / Marcella Borges (13, 16, 22 e 24/8)
GULNARA – Manuela Roçado (13, 14, 17, 19 e 21/8) / Tabata Salles (15, 20 e 23/8) / Ana Luíza Azer (16, 22 e 24/8)
CONRAD – Cícero Gomes (14, 15, 17, 19, 20, 21 e 23/8) / Alyson Trindade (13, 16, 22 e 24/8)
ALI – Luiz Paulo (14, 15, 17, 19, 20, 21 e 23/8) / Mateus Imperial (13, 16, 22 e 24/8)
LANKENDEM – Mateus Imperial (15, 20 e 23/8), Rodrigo Hermesmeyer (13,14,17,19 e 21/8), Michael William (16, 22 e 24/8)
Christo e Jeanne-Claude: conheça o casal de artistas que reinventou a arte contemporânea
True Crime: o que é real e o que é ficção na série ‘Tremembé’ e quem são os assassinos retratados
Dia Nacional do Livro no Brasil: 5 lançamentos para ter na prateleira
10 séries nacionais imperdíveis que estreiam em 2025
Ranking: 100 melhores livros brasileiros segundo a Bravo!