Paixões e ousadias de Marius Pepita, o coreógrafo mais influente dos séculos 19 e 20
Biografia “Marius Petipa: The Emperor’s Ballet Master” revela situações que influenciaram indiretamente a História da Dança
Se você não ama balé clássico pode estar coçando a cabeça para entender quem é o Petipa (se diz Petipá, seguindo o original francês) do título, mas vou explicar. É uma história real e apaixonante, que daria um filme perfeito!
Há mais de dois séculos que Marius Petipa é o sinônimo do existe de mais clássico dentro do balé clássico, tendo assinado algumas das obras mais importantes e dançadas até hoje. O coreógrafo mais influente dos séculos 19 e 20, o que é gênio e mestre ao mesmo tempo. O que poucos lembram – ou sabem – é que suas aventuras amorosas também influenciaram indiretamente a História da Dança. Descobri há alguns isso lendo sua biografia, “Marius Petipa: The Emperor’s Ballet Master”, escrita por Nadine Meisner, em 2019 e desde então fico fascinada como não foi explorado ainda.
Passemos para a intimidade e o chamemos apenas de Marius porque há mais de um Petipa e todos eram envolvidos com a Dança. Então, Marius, a princípio, era o menos talentoso dentro da família de dançarinos, liderada pelo pai, Jean, e mais famosa em sua época por conta de seu irmão, Lucien. Lucien, além de ter sido um dos maiores bailarinos em seu tempo, conquistou sua parceira, Carlotta Grisi, em uma história que merece uma coluna à parte porque juntos criaram clássicos populares como o ballet “Giselle”. Mesmo com isso tudo, foi o caçula dos Petipas que anos antes de se transformar em um dos maiores coreógrafos de todos os tempos, deu piruetas escandalosas dignas de livros de romance. Quem diria! Lembra do filme Shakespeare Apaixonado? Pois então…
Por conta de suas carreiras, os Petipas viajavam bastante. Em 1844, Marius, com apenas 26 anos e após uma desastrada temporada em Bordeaux, conseguiu um emprego na Espanha, como partner da bailarina Marie Guy-Stéphan, que tinha relativa fama na época.
Embora dançasse papéis de destaque, Marius chegou em Madrid mais reconhecido como um bailarino-ator e excelente parceiro do que um virtuoso clássico. Na Espanha, pôde conhecer de primeira mão o rico estilo cultural da música, literatura, dança e música e ficou para sempre influenciado por ele (são inúmeras obras posteriores que se passavam na Espanha: “Paquita” e “Don Quixote” são apenas dois mais fáceis de lembrar).
Com a liberdade e juventude, a vida pessoal de Marius era minimamente confusa, marcada por vício em jogos, muitas dívidas e romances. Alguns meses depois que chegou em Madrid, Marius se apaixonou por Carmen Mendoza y Castro. Embora ela já tivesse 23 anos, era considerada menor de idade na Espanha. Numa época em que a repressão só alimentava o desafio, o namoro dos dois começou quando o dançarino foi contratado pela mãe dela, María de la Concepción, a Marquesa de Villagarcia, para dar aulas para a filha. Entre passos e abraços, começou a novela.
O envolvimento de Marius e Carmen foi descoberto pelo Conde francês De Gabriac, amante da mãe da jovem e que imediatamente a informou sobre o que estava acontecendo. Revoltada, María não apenas baniu Marius de sua ballcasa como tentou suborná-lo para deixar o país. Para piorar as coisas, o Conde seguiu se metendo e ameaçou dar uma surra no bailarino. Apaixonado e ousado, Marius o desafiou para um duelo. Lembrando que duelar na Espanha já era um crime desde aquela época.
Os relatos do duelo são confusos, e não muito a favor de Marius. Ele “venceu” o confronto porque atirou no rosto do Conde (que sobreviveu), mas apenas porque, além de muita sorte (o Conde atirou primeiro, mas a arma falhou), teria desrespeitado as regras. Ele sugeriu ao oponente para tentar atirar novamente, mas antes que De Gabriac o fizesse, Marius atirou e o acertou. Segundo o coreógrafo, foi por causa do duelo que teve que deixar a Espanha, mas documentos provam que, mesmo tendo infringido a lei, Marius não foi preso e dois dias depois estava nos palcos, normalmente. Mas não pára aí.
O duelo e a proibição familiar não separaram os amantes. Marius e Carmen decidiram fugir juntos e deixaram a Espanha. Perseguidos, não puderam ficar na França e escolheram a Inglaterra como destino final. A felicidade durou pouco e dois meses depois os dois foram localizados. Como ainda não tinham se casado no papel, Carmen foi “devolvida” à Espanha e Petipa voltou para França, pobre, desempregado e desolado. Foi nesse estado que recebeu o convite de ir para o Ballet Imperial, em São Petersburgo, na Rússia. Aceitou e nunca mais voltou para o Oeste, fazendo História e se tornando um coreógrafo imortal.
Já Carmen, não teve final feliz em sua história. Ela se casou alguns anos depois com Raúl Grandemont. Foi Marquesa, após sua mãe, mas não teve filhos e o título foi repassado para parentes.
Na Rússia, Marius escreveu a história da dança. Muitas de suas obras tinham referências espanholas e agora, conhecendo sua história, me fez pensar na aventura romântica de Basílio e Quitéria em Don Quixote, fugindo de Camargo, lutando para ficarem juntos. No balé, o amor vence. E se na realidade isso não foi possível…pelo menos parece um filme, não? Eu veria!