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Espetáculo de dança argentino reflete sobre a solidão

No Estoy Solo, de Iván Haidar, foi apresentado na 33ª edição do Festival de Curitiba; em entrevista, os criadores denunciam desmonte cultural na Argentina

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 1 abr 2025, 14h27 - Publicado em 1 abr 2025, 14h25
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 (Maringas Maciel/divulgação)
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Curitiba tem se consolidado como um ponto de intercâmbio entre artistas de diversas partes do Brasil e, cada vez mais, como um espaço de encontro com criadores de países vizinhos. Na primeira semana do Festival de Teatro de Curitiba, a dança também ganhou destaque. O performer argentino Iván Haidar apresentou a performance No Estoy Solo (Não Estou Sozinho), um solo que, contradizendo o próprio título, investiga a relação do indivíduo consigo mesmo. O espetáculo aconteceu no Teatro da Caixa Cultural, nos dias 25 e 26 de março.

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(Maringas Maciel/divulgação)

Sem uma única palavra do início ao fim, a obra desafiou o público com uma narrativa silenciosa e sensível sobre as diversas maneiras de confrontar a própria existência. Para isso, Haidar utiliza um cenário minimalista: uma estrutura de madeira com uma única porta. O que torna esse elemento especial não é apenas sua aparência crua, mas a capacidade de refletir imagens projetadas de fora. O corpo do artista se transforma em um espelho do mundo ao seu redor.

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(Maringas Maciel/divulgação)

A obra faz parte de uma trilogia que investiga a duplicação da própria imagem e o confronto entre o real e o virtual. Esse diálogo reflete uma das grandes questões contemporâneas: a constante alternância entre o que vivemos no mundo físico e nas telas.

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Quero pensar em duas possibilidades: solidão é uma coisa, estar sozinho é outra”, explica Haidar. “No Estoy Solo propõe uma relação entre solidão e companhia, entre intimidade e ausência. A peça não tem um sentido fechado, não entrega uma mensagem única. Ela se abre como uma janela para que o público observe e interprete.

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(Maringas Maciel/divulgação)

No espetáculo, as conexões ultrapassam o plano físico e lançam reflexões sobre a virtualidade e os diferentes tipos de encontros.”[O espetáculo] está situado em um mundo onde as conexões não são apenas físicas, e reflete sobre o que na virtualidade e no que percebemos em diferentes tipos de encontros é real. O corpo é o eixo do trabalho: a carne, os ossos, o coração, a respiração, a pele, as emoções, a alma. São os restos, a ausência de um outro, a memória do que resta.“, acrescenta o artista.

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Em cena, Haidar explora a estrutura de madeira com curiosidade incansável. Entra e sai pela porta, observa seu reflexo multiplicado pelas projeções, investiga sua própria imagem. O jogo cênico oscila entre momentos de introspecção e leveza, criando pequenas brincadeiras visuais, como se o artista moldasse a si mesmo como um boneco manipulável.

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(Maringas Maciel/divulgação)

Pedaços de papel colados à estrutura se tornam um novo elemento da performance. Conforme sua imagem refletida interage com eles, Haidar rasga esses fragmentos, em um gesto simbólico de desnudar-se, de se revelar por inteiro.

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Ele não está só. Tem a si mesmo e as inúmeras versões que encontra pelo caminho. Mas sua busca parece não ter fim. Pelo quê? Não sabemos. Talvez nem ele. O silêncio, que muitas vezes se confunde com a solidão, pode ser uma forma de dizer que tudo aquilo não passa de uma ilusão: talvez seja impossível estar verdadeiramente só.

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(Maringas Maciel/divulgação)

A performance enquanto ato de resistência 

Além das camadas filosóficas e existenciais, a obra ganha novos sentidos no contexto político da Argentina. O país atravessa uma fase turbulenta sob um governo ultraconservador de Javier Milei, marcado pelo pelo enfraquecimento das relações diplomáticas e da própria democracia. 

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Jimena García Blaya, irmã do performer e responsável pela gestão do espetáculo, emociona-se ao falar sobre o impacto desse cenário. “Falar sobre isso é nossa responsabilidade quando saímos do país. A Argentina vive um momento difícil, não apenas para as artes cênicas, mas de forma geral—social e economicamente. Vivemos tempos de perseguição, que não se manifesta apenas na falta de recursos para financiamento, mas também na exclusão de determinadas pessoas de contratações e na restrição da curadoria de espaços públicos a certos grupos e conteúdos”, afirma.

Ela também compara a situação ao desmonte cultural ocorrido recentemente no Brasil. “Tínhamos um Ministério da Cultura, que agora foi reduzido a uma Secretaria dentro da Presidência. Isso significa que estamos sendo diretamente geridos pelo governo central. A crise já não é apenas econômica; há uma questão ainda mais grave em jogo: o sentido da argentinidade. É por isso que lutamos—pela preservação da solidariedade, da educação e da saúde gratuitas, da acessibilidade. Defendemos esses valores porque é esse o país que queremos construir”, conclui.

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