Continua após publicidade

Sleep no More: Macbeth virado do avesso

Experiência de teatro imersivo adapta a tragédia de William Shakespeare em um hotel condenado em Nova York

Por Humberto Maruchel
7 ago 2023, 10h48

Já saiu de uma peça de teatro com aquela impressão de não ter entendido nada do que se passou? Ou com a sensação de ter visto algo completamente novo? É mais ou menos isso que a produção Sleep no More, em Nova York, busca causar nos espectadores. É justo dizer que não se trata exatamente de uma peça ou de um espetáculo de dança, embora tenha elementos das duas coisas. E não para por aí. Dá para dizer que se assemelha a uma performance, inspirada nos happenings dos anos de 1970, ou até mesmo a uma instalação, onde o cenário é o protagonista central da obra. Não se trata de um cenário qualquer, mas sim de um hotel inteiro, em Manhattan.

Sleep no More é a criação mais conhecida do grupo Punchdrunk, uma companhia fundada em Londres, em 2000, especializada em teatro imersivo, que produz obras em vídeo ou ao vivo, em diferentes cidades do mundo. Uma de suas propostas é ocupar espaços abandonados. Quando os produtores chegaram aos EUA, foram em busca de locais com as características adequadas para o espetáculo. Inicialmente, as apresentações foram realizadas em Boston, em uma escola paroquial. O objetivo, no entanto, era inseri-lo no circuito off-Broadway de Nova York. Deu certo, mas a um alto custo. Encontraram alguns armazéns no sul da cidade, mas ainda não era o local ideal. Até encontrarem o McKittrick Hotel, um hotel de luxo que deveria ser inaugurado no fim da década de 1930, mas foi condenado antes mesmo da abertura programada, um espaço perfeito para um filme de horror.

Cena do espetáculo
(Yaniv Schulman/arquivo)

Provocar medo e aumentar a adrenalina são objetivos da performance, uma inspiração moderna da tragédia de Macbeth, de William Shakespeare. Tudo começa no bar do saguão do hotel. Cada convidado recebe uma carta do baralho com um número e aos poucos é chamado para entrar, de fato, nas acomodações do hotel. Há tempo para os visitantes tomarem um drink ou mais. Quando se juntam ao grupo para começar o passeio, cada um recebe uma máscara típica do carnaval veneziano. É proibido tirá-la enquanto estiverem no espaço da peça. É também proibido utilizar o celular, que é lacrado em uma pequena bolsa, que os visitantes carregam. A interação, portanto, é limitada. A máxima exigência é que os espectadores estejam completamente presentes.

Drink.
(Conor Harrigan/arquivo)

“É uma experiência solitária”, diz o anfitrião em um pequeno cubículo. Quando a porta é aberta, os visitantes são soltos para fazerem a própria caminhada no prédio de cinco andares e 100 quartos. A visita pode durar até 3 horas, dependendo do ritmo e da curiosidade de cada um. Não se deve esperar um hotel comum, mas sim um cenário de uma temporada qualquer de American Horror Story. Há de tudo ali: uma enfermaria, uma funerária, ruínas de um castelo, quartos de convidados ilustres do rei, um cemitério, um escritório de investigações criminais, bares, loja de doces, um apotecário, entre outros. Nas salas, é possível mexer nos objetos, revirar gavetas, abrir guarda-roupas.

Aos poucos, a ação vai acontecendo. Os personagens surgem, dão depoimentos, cantam, brigam entre si, dançam, comem, transam e interagem com a plateia – mas nunca podem ser tocados pelo público. Os momentos em que estão sozinhos expõem aquilo que há de pior neles, ou de mais vulnerável. Pense na vida interna de Lady Macbeth tramando com o marido os assassinatos para alçá-lo ao trono. A trama de Shakespeare deve ser reimaginada como um filme de Alfred Hitchcock.

Cena do espetáculo
(Umi Akiyoshi/arquivo)

Nem sempre é fácil acompanhar as figuras desse hotel, pois elas surgem e desaparecem com muita agilidade, quase como uma experiência de jogos de videogame, onde seres fazem aparições especiais no meio da jornada. Tudo ali é pensado para sugerir um clima, um acontecimento ou, quem sabe, uma descoberta. Parece um local há muito abandonado. Há um cheiro de flores constante, longe de indicar um cenário de pureza, mas que lembra morte. É quase uma caça ao tesouro. O espectador pode escolher acompanhar um dos personagens – para isso precisará correr – ou caminhar livremente.

Continua após a publicidade

Embora a fábula seja inspirada em Macbeth, não se deve esperar um desdobramento semelhante à narrativa. Há, sim, elementos e personagens que remetem ao universo da tragédia shakespeariana, como o encontro final, em que toda a plateia se reúne no salão de festas e a peça chega ao fim.

A estreia oficial no McKittrick Hotel ocorreu em 2011, dirigida por Felix Barrett e Maxine Doyle. Foi até mesmo tema de um episódio da extinta série Gossip Girl. Desde então, ele permanece em cartaz, com uma pausa durante a pandemia. Para ocupar o hotel, então condenado, foi necessária uma restauração no valor de milhões de dólares (os criadores não divulgaram o montante). Finalmente, quando os visitantes emergem novamente no bar do saguão, é possível apreciar um show de jazz e tomar mais alguns drinques. Muito distante das histórias tradicionalmente apresentadas nos espetáculos da Broadway, Sleep no More não faz questão de ser explícito sobre o que busca apresentar, nem oferece ao público um conteúdo fechado ou um argumento muito bem definido. Ainda assim, parece agradar e seduzir novas audiências, afinal, a produção permanece em cartaz há mais de 10 anos.

Poster de divulgação.
. (Punchdrunk/divulgação)
Publicidade