Avatar do usuário logado
OLÁ,

Teatro de Contêiner Mungunzá enfrenta ordem de desocupação no centro de São Paulo

O grupo recebeu notificação extrajudicial da Prefeitura de São Paulo, que determina a desocupação do terreno ocupado pelo teatro no prazo de 15 dias

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 30 Maio 2025, 15h03 - Publicado em 29 Maio 2025, 14h14
teatro-conteiner-sao-paulo
Teatro de Contêiner Mungunzá recebe notificação de desocupação do terreno no centro de São Paulo (Nicole D'Fiori/divulgação)
Continua após publicidade

Na última quarta-feira (28), a Cia. Mungunzá de Teatro foi surpreendida com uma notícia que coloca em risco o futuro do espaço que administra, o Teatro de Contêiner Mungunzá. O grupo recebeu uma notificação extrajudicial da Prefeitura de São Paulo, assinada por Marcelo Vieira Salles, subprefeito da Sé, que determina a desocupação do terreno ocupado pelo teatro no prazo de 15 dias.

O motivo alegado é a construção de um hub de moradias sociais. O documento informa que o local onde está o teatro é “um ponto estratégico para que seja instrumentalizado um novo programa habitacional municipal.” A notificação também reconhece o “enriquecimento cultural que ativações teatrais trazem à cidade” e comunica que serão oferecidos imóveis para que o teatro possa reestabelecer suas atividades.

teatro-conteiner-sao-paulo
(Nicole D'Fiori/divulgação)

À Bravo, Marcos Felipe, ator e produtor da Companhia Mungunzá de Teatro e um dos gestores do Teatro de Contêiner, expressa indignação. Ele relata que a ordem de desocupação, com prazo de apenas 15 dias para desmontagem do espaço, foi recebida sem qualquer aviso prévio ou proposta concreta de realocação, apesar da menção a possíveis alternativas no documento oficial.

“A gente já vinha tentando há algum tempo um diálogo com o poder público. A Cracolândia fica na rua do teatro, então sempre foi muito importante manter o mínimo de comunicação para construção de políticas públicas naquele território. Esses diálogos, no entanto, sempre foram muito difíceis. Por exemplo, a gente não conseguia conversar com a Secretária de Cultura, mesmo tendo contato direto”, declara o ator.

View this post on Instagram

A post shared by Teatro de Contêiner Mungunzá (@teatrodeconteiner)

Continua após a publicidade

Embora o grupo tivesse consciência das pressões urbanas presentes no centro de São Paulo pela construção de novas torres residenciais, Marcos Felipe expressa que não esperavam que um despejo pudesse acontecer. “Obviamente, a gente já tinha algum entendimento sobre a dinâmica do centro de São Paulo: esse processo de gentrificação promovido pela chegada de grandes empreendimentos, que empurram a população vulnerável para as periferias. Mas a forma violenta como isso aconteceu ontem nos pegou de surpresa. Foi um ato de desrespeito com a história de um equipamento muito importante para a cidade e para o país.”

O Teatro de Contêiner Mungunzá, definido como um “espaço de teatro, arte, cultura e direitos humanos”, ocupa desde 2016 um terreno na Rua dos Gusmões, na Santa Ifigênia, região central da capital. O grupo ocupou o local utilizando recursos próprios para construir o teatro em um terreno baldio da Prefeitura, que, até então, não cumpria função social. De acordo com Marcos, o espaço era usado de forma irregular como estacionamento de carros da Guarda Civil Metropolitana. Apesar de o teatro ter se consolidado como um polo cultural reconhecido, sua permanência nunca foi formalizada por meio de contrato de cessão ou outro instrumento jurídico definitivo.

teatro-conteiner-sao-paulo
(Nicole D'Fiori/divulgação)

O gestor afirma que o grupo buscou, em diferentes momentos, dialogar com o poder público sobre os ajustes legais do espaço. Houve, ele revela, um período de formalização durante dois anos, na gestão de André Sturm, mas esse acordo não foi renovado nas administrações seguintes. “Como somos um equipamento cultural, nosso diálogo direto era com a Secretaria de Cultura. Ao longo desses nove anos, passaram muitos secretários por lá — alguns mais acessíveis, outros menos. Sempre parecia algo do tipo: ‘Não vamos mexer com isso agora.’ Cada secretário tinha uma postura diferente.”

Continua após a publicidade

Ainda assim, o Teatro de Contêiner seguiu participando de programas públicos municipais e estaduais, como o Vocacional, o PIÁ e ações voltadas à população em situação de vulnerabilidade, promovidas pelas áreas da Cultura e Saúde. Na visão de Marcos, nos últimos anos o grupo reduziu suas tentativas de formalização, embora mantivesse alguma interlocução com diferentes gestões.

“Ao longo de nove anos de existência, com programação diária, o teatro ofereceu mais de 4.000 atividades artísticas, 83% delas gratuitas, e recebeu, em média, meio milhão de pessoas. O Teatro de Contêiner é considerado um case de sucesso, replicado em vários municípios do país. Em vez de somar e se tornar parceira de um projeto bem-sucedido, a Prefeitura opta por desmontá-lo para construir mais um prédio. É uma violência camuflada.”

Neste primeiro momento, o grupo pretende tornar pública a situação e mobilizar a sociedade civil para ampliar a repercussão do caso. Segundo Marcos Felipe, a ideia é chamar atenção para o que consideram uma medida abrupta e buscar apoio que possa contribuir para frear ou reverter a decisão da Prefeitura. Enquanto isso, o Teatro de Contêiner segue com sua programação artística normalmente.

Ele relata ainda que a justificativa da construção de moradia social não parece compatível com o atual processo de transformações vivido pelo centro de São Paulo. “A gente não acredita nisso. Ninguém acredita. O centro está passando por um processo de gentrificação há anos, com construção de prédios através de parcerias público-privadas. Essas habitações não atendem à população vulnerável do centro. Estamos vivendo um processo de expulsão dos pobres para as margens da cidade. É difícil acreditar que vão construir moradia social ali, justamente no local onde um equipamento cultural consolidado está sendo destruído. Se essa fosse a política pública real, ela poderia ser executada em inúmeros terrenos ociosos no centro. Não faz sentido destruir um teatro ativo para erguer mais um prédio.”

Continua após a publicidade

Sobre a possibilidade de mudança para outro local, Felipe enfatiza que o grupo não considera essa uma alternativa viável. “Não temos abertura, mas não por truculência ou rigidez. É uma posição crítica diante de uma política pública equivocada. Não se trata de desmontar o teatro e montar em outro lugar porque ‘aqui vai ser um hospital’, por exemplo. O que será construído aqui é um prédio para a classe média. E isso, a gente não compactua.”

a Prefeitura

A Bravo entrou em contato com a Secretaria de Cultura e a Prefeitura de São Paulo, questionando a decisão de desocupação. A gestão municipal retornou, embora não tenha respondido às perguntas objetivamente. Em nota, afirmaram que haviam agendado uma reunião nesta quarta-feira (28) para apresentar sugestões de imóveis ao coletivo, mas que o representante não compareceu.

Confira a resposta na íntegra:

Continua após a publicidade

A Prefeitura de São Paulo informa ter convidado representantes do teatro para uma reunião na última quarta-feira, na qual discutiria a situação no local. Nenhum representante do teatro compareceu. A Prefeitura ressalta que vinha promovendo, desde o ano passado, reuniões com representantes do equipamento. A administração municipal reitera que a área será destinada a atendimento de famílias cadastradas em serviços municipais e moradores da região no âmbito das ações integradas que vêm recuperando toda a região central da cidade.

O texto será atualizado com a resposta da Secretaria de Cultura. 

Compartilhe essa matéria via:
Publicidade