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Por que esta pintura de Francis Bacon chocou o mundo?

Na versão mais “crua” do original do espanhol Diego Velázquez, a agressividade e a distorção das formas espantam o observador

Por Redação Bravo!
Atualizado em 22 abr 2024, 14h38 - Publicado em 22 abr 2024, 10h00

Na exposição que o irlandês Francis Bacon fez em 1949, uma tela destoava das demais: “Estudo a partir do retrato do papa Inocêncio X de Velázquez”. O tronco ornado com uma capa roxa fugia da série de obras monocromáticas exibidas pelo pintor naquele ano. Era o ensaio para uma seqüência de quadros que Bacon faria a partir do retrato original do papa Inocêncio 10, pintado por Diego Velázquez em 1650. Velázquez, o retratista oficial da nobreza espanhola do século 17, usava as tintas para criar imitações fidedignas do mundo real. Quase 300 anos depois, Francis Bacon (1909-1992) ignorou as convenções sociais para captar outra versão, que ele afirmava ser mais “crua”, da realidade.

Durante a década de 1950 (e, com menos freqüência, nas de 1960 e 1970), Bacon se dedicou a estudos estimulados pelas reproduções do quadro de Velázquez. Em seu ateliê, essas cópias conviviam com mui- tas fotografias, entre elas as experimentações de Eadweard Muybridge (1830-1904) com o movimento de imagens. Uma referência curiosa era o livro Positioning in Radiography, em que fotos de pessoas preparadas para tirar raio X e a própria radiografia apareciam lado a lado.

Posteriormente, Bacon buscaria citações no cinema para a composição de sua obra, como, por exemplo, um instantâneo em que um personagem grita no filme O Encouraçado Potemkin, de Serguei Eisenstein (1925). Assim, a serenidade do papa de Velázquez é substituída por uma expressão desesperada, como se observa na tela de 1953. Nesse ano, Bacon concebeu um conjunto de oito variações papais.

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Caracterizadas pela distorção das formas, as produções de Bacon parecem apontar para uma verdade elementar escondida sob os véus da humanidade. Suas imagens são agressivas e violentamente trágicas, aviltam o retratado e, ao mesmo tempo, espantam quem as observa. Para o curador L. Carluccio, “O mundo de Bacon não se esgota em seu espetáculo de perversão, mas entra com todos os seus artifícios na nossa consciência.”

Bacon começou a pintar tarde — nos anos 1930, depois de ter trabalhado como desenhista de móveis e investido boa parte de seu tempo em cassinos. Quando mais jovem, afirmou que não tinha um tema definido ou experiência para criar. Contrariando interpretações feitas a seu respeito, declarou que a pintura não era um combinado de coisas para compreender: era resultado de instinto. Ele, portanto, não queria significar nada com suas imagens, apenas construí-las. Dizia mais: “O homem compreende que é um acidente, um ser abso- lutamente fútil, que deve jogar até o final sem motivo. Toda a arte se converteu completamente em um jogo com que o homem se distrai”. Tomar a arte como desnecessária explica o fato de Bacon se desfazer sem remorsos de seus trabalhos.

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Este texto faz parte da coleção especial “100 obras da cultura mundial” publicada pela Revista Bravo! em 2008

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Bravo! especial: 100 obras essenciais da pintura mundial (Bravo!/arquivo)
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