Conheça o quadro mais escandaloso de Caravaggio
Mestre em tratar com grande licenciosidade os episódios bíblicos, a tela "A Morte da Virgem" exprime o lamento de quem perde um ente querido
Com o ventre inchado, a Virgem Maria acaba de morrer. Ao redor de seu corpo, os 11 discípulos e Maria Madalena choram. Sem as glórias e os esplendores que se esperam da passagem de Maria para o reino dos céus, a cena se dá de forma crua — o que causou a rejeição do quadro, uma encomenda destinada à Igreja de Santa Maria della Scalla.
Considerada a obra mais escandalosa do milanês Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610), mestre em tratar com grande licenciosidade os episódios bíblicos, a tela A Morte da Vigem exprime o lamento de quem perde um ente querido.
Produzido entre 1605 e 1606, o quadro fomenta boatos seculares, sobretudo, no que tange à representação de Maria. O vestido vermelho e a humanidade da protagonista seriam indícios de que a modelo utilizada pelo pintor teria sido uma cortesã. Não só isso: a protuberância do abdômen sugeriria que a mulher, vítima de afogamento, já estava morta quando retratada.
Expoente do barroco, Caravaggio realizou inúmeros trabalhos em Roma. Freqüentador do submundo da cidade, levou para as telas a vulgaridade humana, expressa muitas vezes na posição desconfortável e pouco nobre de suas figuras, nas roupas surradas e sujas que vestiam e nos rostos marcados e maltratados.
Ao romper com os cânones das representações sacras, abole o caráter celestial, milagroso e sobre-humano de personagens sagrados, retirando-os do plano celestial para representá-los no terrestre, em ambientes cotidianos, mundanos, em cujo fundo impera o escuro, não os azuis divinos habituais, como se nota em A Morte da Virgem.
Na obra, o realismo alia-se à técnica do chiaroscuro (claro-escuro), na qual Caravaggio foi mestre e com a qual dota o corpo inanimado de Maria de um impulso de vida. A luz é responsável ainda por conduzir o olhar do espectador, que percorre as linhas em diagonais abertas por ela.
O que aconteceu com Caravaggio?
Estudiosos dizem que a predominância das trevas na obra de Caravaggio deriva da personalidade do artista, de temperamento agressivo — sem família, envolvia-se em brigas com freqüência. Em 1606, chegou a matar um homem. Numa de suas inúmeras audiências no tribunal de Roma, teria dito: “Não sou um pintor valentão, como me chamam, mas sim um pintor valente, isto é: que sabe pintar bem e imitar bem as coisas naturais”.
Perseguido, peregrinou por diversas cidades italianas. Sem ter conseguido o perdão do papa para retornar a Roma, morreu em seus arredores, aos 39 anos. Os últimos momentos do pintor foram narrados por um de seus desafetos: “Foi colocado numa cama, com febre muito forte, e ali, sem ajuda de Deus ou de amigos, morreu depois de alguns dias, tão miseravelmente quanto viveu”.
Este texto faz parte do Especial “100 obras essenciais da Pintura Mundial”