Em exposição, Vojtěch Kovařík une mitologia grega e cultura pop
A exposição Inner World, em cartaz na Galeria Mendes Wood DM, reúne obras que revisitam as lendas dos heróis gregos por meio de uma estética contemporânea

O artista tcheco Vojtěch Kovařík tem uma visão bastante direta sobre a pintura. Para ele, essa linguagem torna nossos conflitos e vazios um pouco mais suportáveis. Desde cedo, ele se aproximou dos mitos, em especial da mitologia grega, e enxergou nele um universo que capta os mistérios da vida e da morte. Essa relação se manifesta na exposição Inner World, em cartaz na Galeria Mendes Wood DM, na Barra Funda, em São Paulo. Trata-se da maior exposição individual do artista.
No espaço, Kovařík apresenta um conjunto de obras que transita entre diferentes linguagens: pinturas e esculturas em bronze, madeira e gesso. Suas peças dão forma a figuras mitológicas conhecidas, como Calipso e Odisseu, além de pinturas dedicadas a Ariadne. A representação dessas figuras, no entanto, está longe de seguir uma estética clássica ou tradicional. Pelo contrário, o artista se apropria de referências da cultura pop, afastando-se de um realismo estrito para explorar formas caricatas, repletas de cores vibrantes e proporções exageradas — escolhas que conferem às obras um impacto visual marcante.

Mais do que a narrativa dos mitos em si, Kovařík se interessa pelos aspectos que permanecem ocultos, dialogando com o inconsciente coletivo e com temas como finitude, perda, destino e identidade, que se constroem a partir de conflitos e desafios individuais. “Há vários motivos retirados de momentos menos óbvios das narrativas – momentos de dúvida, solidão, espera, resignação diante do destino. Por exemplo, o cansaço de Odisseu após suas longas jornadas ou a solidão de Ariadne após ser abandonada”, afirmou o artista em entrevista à Bravo!.
Formado em escultura e cerâmica, Kovařík carrega essa bagagem técnica para seu trabalho atual, expandindo sua pesquisa para a pintura e consolidando uma linguagem que atravessa múltiplos suportes.
Como começou sua carreira nas artes? Você poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória e seus primeiros passos na arte?
Tive a sorte de crescer em uma família artística que sempre apoiou meu trabalho criativo. Viajávamos muito e visitávamos diversos museus estrangeiros, o que me influenciou profundamente desde a infância. Meus dois irmãos mais velhos – um pintor e outro escultor – também tiveram um grande impacto sobre mim, e aprendi muito com eles.
A criação sempre foi uma parte natural da minha vida, e desde criança eu sabia que queria seguir a arte visual. No ensino médio, estudei cerâmica, pois trabalhar com argila era o que mais me realizava naquele momento. Mas, ao mesmo tempo, desenhava muito, e isso acabou me levando a decidir estudar desenho na universidade. Só me envolvi com a pintura mais para o final dos meus estudos, mas fui completamente absorvido por ela, a ponto de me dedicar integralmente a essa prática, deixando de lado todas as outras atividades.
No final da graduação, recebi apoio de alguns colecionadores, o que me permitiu focar exclusivamente na pintura. Pouco depois, surgiram convites para residências artísticas e exposições no exterior, um momento decisivo que ampliou minhas possibilidades e impulsionou minha carreira.

55 x 45 x 8 cm. Courtesy of the artist and Mendes Wood DM, São Paulo, Brussels, Paris, New York (Matej Dolezel/divulgação)
O que te motivou a criar a exposição “Inner World”? Como desenvolveu a ideia e o conceito por trás dessa mostra?
A exposição Inner World surgiu do meu interesse de longa data pela experiência interior, pela introspecção e pelo simbolismo das figuras míticas que costumo retratar. Queria explorar mais profundamente a temática do mundo interior – não apenas no sentido psicológico, mas também como o espaço que cada um de nós carrega dentro de si.
Seu trabalho é profundamente marcado pela mitologia, com figuras como Calipso, Odisseu e Ariadne, além de explorar emoções intensas e reflexões sobre o “eu”. O que te atrai nesse universo mitológico e como esses temas são integrados às suas obras?
A mitologia me atrai por sua grandiosidade, atemporalidade e força simbólica. As histórias de personagens como Odisseu, Ariadne e Calipso são repletas de conflitos internos e questões sobre identidade, destino e tempo. Para mim, eles representam arquétipos da experiência humana que continuam relevantes até hoje.

Courtesy of the artist and Mendes Wood DM, São Paulo, Brussels, Paris, New York (Matej Dolezel e EstudioEmObra/divulgação)
Você mencionou interesse pelos momentos secundários das mitologias, como a perda e a morte. Qual é a sua visão pessoal sobre esses temas?
Na mitologia, a morte não é apenas um fim, mas também uma transição, uma transformação ou um novo começo.
Nesta exposição, há vários motivos retirados de momentos menos óbvios das narrativas – momentos de dúvida, solidão, espera, resignação diante do destino. Por exemplo, o cansaço de Odisseu após suas longas jornadas ou a solidão de Ariadne após ser abandonada.
Você acredita que a mitologia grega ainda tem algo a nos ensinar hoje?
A mitologia grega é atemporal porque continua nos ensinando. Ela trata de experiências humanas universais – identidade, destino, força, fragilidade, amor e perda. Nos ensina sobre a natureza humana, os ciclos da vida e a relação entre poder e vulnerabilidade.
No meu trabalho, tento responder a esses temas ou redefini-los, retratando-os de uma forma que me pareça relevante para o mundo contemporâneo.

Sua escolha de materiais, como bronze, madeira e gesso, parece estar intimamente ligada à intensidade emocional de suas obras. O que influenciou essa escolha e como esses materiais ajudam a transmitir as ideias que você explora em suas pinturas e esculturas?
Cada material adiciona uma nova camada de significado à obra e abre diferentes possibilidades de expressão visual. Estou sempre buscando novos materiais e técnicas que me permitam expandir minha linguagem artística e desafiar os limites da minha criação.
O modelo da escultura em bronze Calipso permaneceu em meu ateliê por muito tempo, o que me deu espaço para refletir sobre ela. Achei a escultura interessante o suficiente para finalmente decidir fundi-la em bronze – um material clássico que me fascina por sua durabilidade e características únicas. Se a escultura for exposta ao ar livre, sua superfície mudará constantemente devido à oxidação, o que vejo como uma vantagem e um contraste fundamental com a pintura, onde a obra permanece imutável após finalizada.
Os relevos em madeira me parecem um material mais quente e orgânico, permitindo que eu trabalhe com o ritmo das linhas de uma maneira completamente diferente, graças à estrutura única da madeira.
Já o gesso, usado na escultura Odisseia, é para mim um material de crueza e processo. Como pode ser facilmente cortado, decidi transformar todo o desenho em uma superfície escultórica através de incisões.

A ideia do olhar – tanto das figuras retratadas quanto do espectador – é central no seu trabalho. Qual é a importância do olhar na interpretação de suas obras?
O olhar desempenha um papel essencial no meu trabalho. Sem um olhar, um rosto ou mesmo um gesto, não consigo avançar em uma pintura. Como mencionei recentemente para Ginevra Bria, autora do texto curatorial da exposição: “Na prática, sempre começo pela cabeça e pelo olhar – é ele que abre a cortina para mim, e então a história se desenrola.”
Há um “vazio intencional” em sua obra, que parece uma resposta ao excesso de informação e imagens do mundo contemporâneo. Como você enxerga esse vazio como um meio de comunicação e reflexão dentro do seu trabalho?
Gosto de arte visual que me impacta imediatamente e depois me convida à exploração. Por isso, naturalmente me inclino à redução, buscando a essência.
Trabalho intencionalmente com a ideia do esvaziamento – e também com os conceitos que foram esvaziados ao longo do tempo. Para mim, isso é uma espécie de jogo com as memórias artísticas que carregamos. O que me interessa é a atualização e a redefinição desses temas, pois, no fim das contas, nós, como seres humanos, não mudamos tanto assim.

Como você espera que o público interaja com suas obras? Acredita que cada espectador tem uma interpretação única ou há uma mensagem específica que deseja transmitir?
De acordo com meu escritor e crítico de arte favorito, John Berger, as obras de arte impactam o espectador mesmo sem a necessidade de uma explicação racional. Sua força está na capacidade de despertar emoções, questionamentos e reações pessoais, pois a arte não se trata apenas de conhecimento, mas da experiência de ver.
Acredito que cada espectador se aproxima do meu trabalho a partir de sua própria percepção. E como sou uma pessoa bastante reservada, não gostaria de influenciar a visão do público impondo minha própria interpretação ou mensagem.







Mendes Wood DM
R. Barra Funda, 216 – Barra Funda
Até 15 de março
Segunda a sexta, das 11h às 19h; sábados, das 10h às 17h
Gratuito