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George Love, ‘o atleta da fotografia’

Museu de Arte Moderna de São Paulo abre exposição sobre o fotógrafo americano radicado no Brasil, que se destacou ao fotografar a Amazônia

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 7 mar 2024, 10h08 - Publicado em 28 fev 2024, 09h00

A partir do dia 1º de março até 12 de maio, o público poderá conferir a nova exposição do Museu de Arte de São Paulo (MAM-SP), George Love: Além do Tempo, que aborda a trajetória do fotógrafo estadunidense radicado no Brasil, George Leary Love. Com curadoria do pesquisador e fotógrafo Zé De Boni, a mostra apresentará, em ordem cronológica, a carreira de George; desde seus primeiros trabalhos em Nova York, passando por suas incursões pela Amazônia, até suas últimas obras criadas em São Paulo, onde faleceu em 1995. Ao todo, serão expostas mais de 500 fotografias, além de documentos, como cartas e vídeos com entrevistas, divididos em 20 núcleos, que retratam diferentes momentos da vida do artista.

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(George Love/divulgação)

Após a morte do artista, parte desse acervo permaneceu sob os cuidados de Zé De Boni, que conversou com a revista Bravo! sobre a importância do trabalho de George Love. “George esteve na vanguarda ao buscar o reconhecimento da fotografia como uma expressão autoral, em uma época em que a sociedade considerava a fotografia mais como uma reprodução técnica do que a expressão de um autor”, afirma o curador, em entrevista à Bravo!. ]

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(George Love/divulgação)

George viveu muitas vidas em uma só. Homem negro, nasceu na cidade de Charlotte, na Carolina do Norte (EUA), em 1937, em uma época de agressiva segregação racial, especialmente no sul do país. Sua família, embora simples, era bastante intelectualizada. Sua mãe, Rose Leary Love, foi professora, poeta e escritora, enquanto seu pai, George Bishop Love, trabalhava no serviço diplomático.

O interesse de George pela fotografia começou durante uma das viagens da família para a Indonésia, onde ele permaneceu entre 1957 e 1959. Ele estudou Matemática em Atlanta e, em seguida, Filosofia da Arte na New School for Social Research, em Nova York. Autodidata, foi na Big Apple que George começou a fotografar profissionalmente. E, ao completar 30 anos, chegou ao Brasil.

“Quando ele chegou ao Brasil, não imaginava que se tornaria fotógrafo. Nos Estados Unidos, ele fotografava como um artista plástico. Em um encontro casual com Roberto Civita (ex-diretor editorial do Grupo Abril), ele recebeu carta-branca para trabalhar como quisesse, principalmente nos esportes, onde poderia fotografar com olhar autoral, não meramente como um reprodutor”

Zé De Boni, curador de arte

 

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(George Love/divulgação)

George, Claudia e a Amazônia

A chegada de George ao Brasil coincidiu com um romance. Em meados dos anos 60, ele conheceu a fotógrafa suíça naturalizada brasileira Claudia Andujar. Ambos fizeram parte da Association of Heliographers, em Nova York, um grupo de vanguarda que existiu entre 1963 e 1966, composto também por Walter Chappell, Paul Caponigro, Carl Chiarenza, Nicholas Dean e Paul Petricone. O grupo realizava grandes exposições em sua galeria em Nova York, buscando transmitir a emoção por trás do objeto fotográfico. George tornou-se coordenador da galeria após ingressar no grupo em 1963. Uma das características distintivas da associação era sua busca pela emoção no registro fotográfico, uma qualidade que George incorporou em sua carreira.

Em 1966, ele veio ao Brasil para acompanhar Claudia em uma viagem pela América Latina, cujo objetivo era visitar uma comunidade isolada. A expedição levou dois meses, com grandes desafios de locomoção, incluindo a navegação em corredeiras de rio.

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(George Love/divulgação)

A experiência na Amazônia resultou na publicação do fotolivro Amazônia (1978). Durante a viagem, eles visitaram a comunidade Xikrin, no Pará. Enquanto George se dedicava aos registros da paisagem, Claudia aprofundava-se nas relações com as comunidades indígenas. A obra, hoje peça rara, é um testemunho da vastidão e diversidade da Amazônia brasileira, assim como das culturas indígenas que habitam a região.

No ano seguinte, já estabelecido em São Paulo, George ingressou no mercado editorial, trabalhando na Editora Abril até o início da década de 1970. Ele colaborou em publicações como as revistas Claudia, Quatro Rodas e Realidade, retratando uma ampla gama de assuntos, desde moda até esportes. “Durante sua fase na Realidade, ele produziu fotografias mais excêntricas para a revista, surpreendendo os leitores com imagens que chamavam a atenção por motivos além de simplesmente ilustrar o texto jornalístico”, destaca De Boni.

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(George Love/divulgação)

A década de 1970 foi um período bastante profícuo para o fotógrafo. Naquele momento, ele recebeu apoio de Pietro Maria Bardi, fundador e curador do Masp. Esse apoio lhe permitiu produzir e expor suas obras com assiduidade no museu, além de investir cada vez mais no trabalho fotográfico.

“George buscava uma fotografia de busca, uma atitude visual que respondesse não apenas aos objetos, mas também aos sentimentos que eles evocavam. Ele realizava uma fotografia de reação, utilizando todos os instrumentos fotográficos, óticos e mecânicos disponíveis para construir uma imagem que não fosse uma mera representação do que ele via, mas que transmitisse o sentimento relacionado à cena. Ele era como um atleta da fotografia, reagindo rapidamente para capturar o momento, assim como um jogador de tênis reage para rebater a bola”

Zé De Boni, curador de arte

Os anos de 1980, em contrapartida, foram marcados por algumas dificuldades e perda de patrocínio. Nesse momento, ele se ‘auto exilou’ em Nova York, numa época que mais tarde ele declararia como a ‘década perdida’. “Em 1986, ele voltou para os Estados Unidos. Os documentos mostram que ele tinha muitas ideias, mas não tinha os interlocutores de trabalho de antes. Ele investia muito no próprio trabalho, abusava dos recursos que recebia. Ele tinha um viés depressivo desde cedo e quando voltou para os Estados Unidos, praticamente não trabalhou mais [com fotografia], mas ainda fez coisas maravilhosas”, complementa o curador.

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(George Love/divulgação)

Nos últimos anos de vida, no entanto, George Love voltou para São Paulo, num esforço de recuperar o tempo perdido. E, em 1995, publicou outra obra sobre uma de suas principais paixões, Alma e Luz: Sobre a Bacia Amazônica (1995).

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(George Love/divulgação)

Serviço:
George Love: além do tempo
De 1º de março a 12 de maio de 2024
Sala Milú Villela, Museu de Arte Moderna de São Paulo
Museu de Arte Moderna de São Paulo
Endereço: Parque Ibirapuera
(Av. Pedro Álvares Cabral, s/n.º – acesso pelos portões 1 e 3)
Horários: terça a domingo, das 10h às 18h (com a última entrada às 17h30)
Ingressos: R$30,00 inteira e R$15,00 meia-entrada. Aos domingos, a entrada é
gratuita

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