Quem é Tadáskía? Conheça artista brasileira que é destaque no MoMA
Com a carreira em ascensão, a artista participou da última Bienal de São Paulo e acaba de ter uma obra adquirida pelo MoMA
Liberdade, coragem e sensibilidade definem o trabalho de Tadáskía. A artista carioca tem chamado cada vez mais atenção por retratar a ambiguidade de forma poética. Em suas obras, é possível ver o encontro entre o familiar e o estrangeiro, o erro e o acerto, a natureza e a humanidade, o abstrato e o figurativo. Em 2023, seu trabalho pôde ser visto na 35ª Bienal de São Paulo. Agora, é a primeira a deixar sua marca nas paredes do Museu de Arte Moderna (MoMA), em Nova Iorque, onde a mostra “Projetos: Tadáskía”, fica em exibição até 14 de outubro.
A exposição inclui uma instalação site specific, um grupo de esculturas, e a obra central “ave preta mística mystical black bird” – um livro de poemas bilíngues de páginas soltas e inscrições gráficas. Os desenhos, feitos com carvão e pastel seco, criam um espaço imersivo que sugere a presença da artista no ambiente. Segundo ela, “a ave preta mística é uma população negra reunida além do tempo-espaço conhecido. Livre interpretação de Sankofa, um pássaro preto olhando para trás com um ovo em seu bico. Mística, a ave preta se transforma, tal como na ampliação de seus voos, nos mostrando um desejo incansável de liberdade”.
Esta é a primeira apresentação solo da artista nos Estados Unidos. Ela, que completou 31 anos durante a viagem, teve um longo percurso para chegar até lá – contou com o apoio de projetos sociais da escola pública e da igreja local para se aproximar do mundo artístico. Em seguida, fez licenciatura em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um mestrado em Educação na mesma instituição. Trabalhou no educativo do Museu de Arte do Rio (MAR) e entrou como bolsista em um curso livre do Parque Lage. De lá para cá, ganhou o Brasil e o mundo.
Tadáskía não tem medo de aprender, tentar e errar. Inclusive, é isso o que a humaniza. “É interessante aceitar a errância. Não como condição primordial, mas como condição a partir da qual a gente consegue se mover. Isso está nos meus desenhos”, explica. “Na parede principal da exposição, fica a dúvida se as aves estão voando ou se elas estão caindo. Porque tudo que voa pode cair também. Tudo que está no ápice pode também estar no chão. E tudo que está no chão pode também estar no seu ápice.”
Abaixo, confira a entrevista completa com a artista:
Como foi sua aproximação com as artes visuais?
Meu interesse pelas artes não teve um ponto originário, ele nasceu de vários espaços distintos. Sou cria da escola pública, participei de projetos artísticos por lá. Também participei de projetos da igreja. Aí entrei na universidade pública e fiz licenciatura em artes visuais com o objetivo de ser professora. Durante esse percurso, fiz cursos livres no Parque Lage e trabalhei no Museu de Arte do Rio, enfim. Sempre estive muito envolvida com o tema em espaços formais e informais. Esse interesse foi crescendo como uma flor, uma árvore. Foi sendo nutrido desde criança.
Você ainda quer ser professora?
Acho que sou professora de alguma maneira, mas com uma outra percepção. Trabalhei como pesquisadora em educação em uma instituição na Maré e dou oficinas de vez em quando. É um outro jeito de ver a educação. Tenho muita vontade de levar o meu livro para as escolas porque ele é um misto de história para adulto e para crianças. Vejo a educação em tudo. Não no sentido formal, mas no sentido de que as pessoas estão sempre aprendendo. A gente aprende sobre o mistério, amor, sobre estar viva, se relacionar e a expressar a nossa sensibilidade no mundo.
Vejo a educação em tudo. Não no sentido formal, mas no sentido de que as pessoas estão sempre aprendendo. A gente aprende sobre o mistério, amor, sobre estar viva, se relacionar e a expressar a nossa sensibilidade no mundo.
O que você ensina no MoMA?
Aprendo mais do que ensino. Se ensino, são as pessoas que vão me dizer. O momento que tive de ensinar não foi da maneira mais rígida da palavra: pela primeira vez, tive cinco assistentes – artistas locais de Nova Iorque que me ajudaram a montar a exposição. Precisei apresentar meu trabalho e fazer pequenas orientações. Não para controlar ninguém, mas para que o desenho ficasse uniforme. Nos primeiros dias, pedi para elas escolherem cores aleatórias e colorirem as paredes trocando de lugar. Ao longo do tempo, percebi que algumas delas preenchiam demais o desenho e outras não, então eu pedia para que elas trocassem. Nesse sentido, me vi uma professora. O que me interessa é que o desenho tenha uma aparência de liberdade. Eu faço as linhas de olhos fechados para me tirar do controle, então gostaria que o preenchimento também não tivesse controle.
E o que você aprendeu?
Que fazer arte me ensina. Isso é engraçado, meio emblemático. Mas aprendo muito com o desenho. Eu fecho os olhos porque, de algum jeito, as formas que vêm até mim, os materiais que vêm até mim. Também aprendo muito quando encontro materiais diferentes. Tive contato com uma planta que nunca tinha usado até então, chamada beach grass. Ela parece uma grama. E aí aprendi a mexer com ela porque queria apresentar um trabalho de escultura. E ela me cortava toda vez em que eu a dobrava. Para mim, foi interessante mostrar como a natureza também tem o seu grau de incontrolabilidade. Estou aprendendo muito aqui nos Estados Unidos. Sempre quis falar inglês e sou muito tímida, não conseguia falar do jeito que queria – e agora me sinto uma criança da linguagem.
[Aprendi] que fazer arte me ensina. Isso é engraçado, meio emblemático. Mas aprendo muito com o desenho. Eu fecho os olhos porque, de algum jeito, as formas que vêm até mim, os materiais que vêm até mim. – Tadáskia
Você fala que tem controle do seu trabalho quando fecha os olhos. Como você percebe a ambiguidade ao seu redor?
A ambiguidade é uma das linguagens desse mundo, né!? As pessoas veem o mundo de maneira binária, ou é isso ou aquilo. Para mim, uma coisa pode ser mais de uma. Ela está aqui, mas está lá também. Essa ideia retoma as sensações que o livro me causa. A Ave Preta Mística percorre o plano daqui e o plano espiritual. Plano sim, plano não. Eu, que acabei de ver um beija-flor, faço um paralelo com a percepção dos Estados Unidos como sendo um país sujo. Dizem que Nova Iorque é a cidade dos ratos. Mas não é só a cidade dos ratos, também é dos pássaros, dos esquilos… Complexifiquei minha fala só para dizer que a vida é muito simples e o desfrute não é só individual, mas também coletivo.
De que forma seu trabalho conta um pouco da sua história?
Ele conta, mas não se limita a ela porque meu trabalho é livre para interpretação. Ele mostra a Tadáskía da periferia, do Rio de Janeiro, travesti, negra, que estudou a escola pública, que é professora, que é mestranda… Tudo isso pode ser visto lá, mas também nada disso está lá. É uma grande loucura.
Você contou sobre o contato com a igreja. Você é uma pessoa religiosa?
Não sou religiosa e a religiosidade me ensina muito pouco. Mas a fé que existe e que eu aprendi em várias religiões, isso sim me ensina. A fé na vida, a fé na transformação humana, a fé que existe uma divindade suprema que nutre todas as nossas esperanças, liberdades e vontades. Isso faz parte da minha visão, mas perpassa várias religiões, como o cristianismo, o hinduísmo, o candomblé… Mesmo na época em que eu estava na igreja, não era cristã – até porque as pessoas me achavam uma figura errada naquele ambiente. Ainda assim, foi lá que aprendi a cantar, a dançar e a me expressar. Antes de ter uma igreja, lembro de ter aprendido com a minha mãe falando com as plantas, agradecendo as estrelas e falando com os anjos. Foi com ela que aprendi a abraçar o mistério.
Da experiência de passar pela Bienal de São Paulo e começar uma carreira internacional, qual é a sensação que fica mais forte para você?
De ser uma travesti brasileira, da periferia do Rio de Janeiro, que só está onde está porque faz parte de movimentos negros e indígenas. Se cheguei até aqui é porque muitas pessoas estão trabalhando para isso. Não estou sozinha e meu trabalho não é solitário. Se eu conto essa história, é para o mundo ver que é possível ter outras narrativas. Que é possível ver a vida de outros ângulos, sob outras perspectivas. A travesti pode ir além da rua e da prostituição. Ela tem um mestrado e um doutorado, basta as pessoas quererem que isso aconteça. Essa é uma história de luta.
O que você leva dessa viagem para sua carreira?
Tenho percebido que uma das coisas mais importantes para mim é deixar o controle. Isso não significa que eu não vou continuar me planejando, me organizando e regulando minhas emoções. O controle no sentido de escravização mesmo, sabe!? Quando a gente se auto-escraviza e quer escravizar o outro para algo acontecer da nossa vontade, não há mudança. A bell hooks, que é super importante para mim, fala sobre os ingredientes para o amor. Agora o que quero investigar são os ingredientes para vivenciar a liberdade coletiva. Essa é uma tarefa política, mas uma discussão importante para nós enquanto sociedade.