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OLÁ,

“Somos um país que tende ao mínimo denominador comum”

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h38 - Publicado em 6 abr 2017, 19h06
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Na série de entrevistas com grandes cartunistas brasileiros, temos a fumegante presença de Arnaldo Branco

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Por Rafael Spaca

Qual a razão do seu mau humor?

Sou tão mal humorado quanto o Tom Cavalcante é bêbado; na verdade sou bem fácil de levar. “Mau humor” era o nome do meu blog, e tinha mais a ver com o fato de usar humor no título para atrair desavisados do que para fazer alguma espécie de declaração de princípios. Mas acho que o melhor humor é aquele que fere algumas suscetibilidades, aquele com alguma maldade intrínseca.

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Desde pequeno era assim?

Meu gosto para o humor sim (Pica Pau, Papa Léguas etc). E sobre não ser mal humorado: era ainda mais tranquilo quando criança, quando ainda não tinha que lidar com os problemas da vida adulta.

Foi quando criança que descobriu sua inclinação para as artes? O desenho foi descoberto neste período?

Desenhar era uma coisa que as crianças faziam antes da invenção do playstation e do celular; as mais tímidas (meu caso) se afundavam naquilo pra não ter que interagir. Acho que foi aí que percebi que eu era mais funcional na ficção do que na vida real, onde você tem menos controle.

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Arnaldo Allemand Branco, de onde vem suas origens?

Meu tataralgumacoisavô era suíço do cantão de Vaud, onde se fala francês, daí o Allemand, que quer dizer alemão em francês. O Branco é brasileiro mesmo. Era essa pergunta ou gastei minha árvore genealógica à toa?

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O jornalismo chegou primeiro que o cartum na sua vida?

Meu pai era jornalista, e eu era bem consciente da profissão desde cedo, especialmente dos horários, que me obrigavam a vê-lo só nas folgas, que eram raras. Era a vida desde cedo me dando sinais para procurar outra profissão, e mesmo assim o idiota aqui fez faculdade de jornalismo. Mas o cartum chegou logo depois, através dos desenhos do Mem de Sá, cartunista d’O Globo, que mandava pelo meu pai caricaturas do time do Flamengo — que entrou na minha vida bem antes do jornalismo e do cartum.

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Sua técnica, desenho de traços toscos e infantis, ao que parece não foi desenvolvida ao longo do tempo. Seu traço permanece igual do tempo em que começou a desenhar aos dias de hoje?

Acho até que piorou. Tenho muita pressa em ver se a piada funciona no papel, e essa é uma das razões do desenho tosco — a outra é a preguiça, tanto é que se imagino um cartum que exija um desenho complexo, muitos elementos e cenários, descarto, deixo pro Angeli fazer.

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Nunca buscou o refinamento ou academicismos?

Não, mas hoje em dia até me arrependo, quem sabe não descolava alguns bicos como ilustrador.

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Desenho e jornalismo são indissolúveis?

Se você quer expressar sua visão de mundo, são; se você prefere fazer cartões da Hallmark, não.

Você é autor e criador dos personagens Capitão Presença e Joe Pimp. Como surgiu a ideia destas criações?

Da minha mente muito limitada: um cara que sempre tem maconha; outro que explora o mercado do sexo. Mas acho que quanto mais simples a sua premissa, menos armadilhas você arma pra você mesmo na hora de criar as situações cômicas. Mesmo o humor mais complexo é ineficaz se precisar de muito contexto.

Ao criar personagens você tem que desenvolver uma narrativa pra eles, como uma série, isso é mais cômodo do que criar diariamente charges que retratem o dia a dia no mundo?

Sim, você conhece melhor o universo deles — já a vida real te propõe novos temas diariamente e você precisa dar reset na máquina, se informar sobre o que está acontecendo, na superfície e no subtexto.

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Você é conhecido por seu humor ácido e politicamente incorreto. Entretanto o mundo caminha em direção ao politicamente correto. Viver será mais difícil pra você?

Não. Muitas vezes o que as pessoas chamam de politicamente correto é apenas bom senso; tem uma galera que usa esse discurso de que está sendo patrulhada como muleta pro seu humor ineficaz. No meu entender a gente vive uma era de ouro do humor, já que agora existem mais espaços (graças à internet, novos canais de vod etc) pro verdadeiro talento aparecer, e só vejo comediante ruim falar que o politicamente correto está acabando com a profissão.

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No portal G1 você criou a série Mundinho Animal que, segundo suas palavras, “é um sarro com a nossa classe artística, que parece estar sempre pedindo uma sapatada”. Explique isso.

Na verdade era isso, a tira foi mudando e abordando mais a questão social — o Brasil é um país que te leva a beber e a discutir política, impressionante. Mas comecei a fazer a tira para mostrar que a nossa classe artística às vezes repete os mesmos vícios da classe política: nepotismo, tráfico de influência, fisiologismo.

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O que é mais ridículo: a nossa classe artística, o nosso quadro político ou a sociedade brasileira?

No Brasil quando você fala mal de uma determinada classe (artística, política etc) quem costuma tomar a defesa são justamente os medíocres, os caras que justificam a crítica. Os bons se calam, porque sabem que são a exceção. Então é isso, somos um país que tende ao mínimo denominador comum.

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Você não respeita muito a importância canônica do papel, pra você tanto faz se suas tirinhas são publicadas nos jornais, revistas e internet. Por que isso?

Porque o papel é o passado. Imagina isso: tenho uma coisa mega importante pra te contar, mas espera um pouco eu derrubar uma árvore e processar a celulose antes. Eu gosto do papel por nostalgia e fetiche, mas no dia em que você completa mil livros baixados no kindle e olha praquele playground gigante de ácaros que você chama de biblioteca, entende que não tem volta.

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A publicação no jornal e revista não te dá mais dinheiro e prestígio do que a internet?

Nenhum deles (internet, jornal ou revista) dá dinheiro. E se você quer prestígio de verdade é melhor virar youtuber.

A internet repercute mais, tem o poder de viralizar, mas é só isso, ou não?

No mundo moderno, o que existe além disso? Um exemplo: um articulista político com bom texto e boa repercussão na internet — quando ele é mais relevante, no dia em que está sendo compartilhado por milhões, no calor do momento, ou quando meses depois lançar uma compilação de colunas em forma de livro?

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Dinheiro ou fama?

Dinheiro, fama é só uma isca de dinheiro. A não ser que você seja famoso demais e consiga pagar o almoço com um autógrafo.

Dom ou esforço?

Dom, até parece que os outros jogadores fazem menos abdominal que o Neymar.

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Quando descobriu que fazendo desenhos você poderia ganhar a vida, viver disso?

Sempre soube que existia essa profissão, cartunista — então ela sempre foi uma opção pra mim, depois de rockstar. E são raros os cartunistas e quadrinhistas que vivem disso, geralmente é preciso ter outra atividade.

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Política não é um assunto que você gosta de lidar, mesmo em tempos de impeachment, Lava-Jato e outras coisas mais, isso não te seduz a se manifestar?

Eu gosto de lidar com política — o Mundinho animal dos últimos anos mostra isso. O que eu não gosto é de discutir política nesse ambiente poluído, nesse torneio secundanista de lacração que é a internet. Por isso, para dar umas opiniões tímidas em forma de piada, uso o twitter, que tem pouco espaço pra réplica. Minhas outras redes sociais são apenas um veículo para fotos de comida e do meu cachorro.

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Dizem que política, futebol e religião não se discutem, mas vem do futebol uma das grandes polêmicas que se meteu. O que houve entre você e a diretoria do Botafogo de Futebol e Regatas?

Nada. Uns torcedores entenderam errado algo que escrevi na minha coluna d’O Globo e entraram numas comigo — e o presidente, que sabe que é mais fácil criar um clima de “nós contra eles” do que efetivamente ganhar um título, escreveu uma resposta oficial. Eu não respondi, na verdade nem li, e a coisa morreu.

É possível ser isento (em todas as esferas) ou não tem como separar seu pensamento, ideologia, ou o que for, nas críticas que faz?

Sim, da mesma forma que é possível fazer café sem cafeína, eu acho horrível.

O que fez na peça O Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues. Gostaria de ter experiência no teatro?

Eu só adaptei a peça para quadrinhos, com desenhos do Gabriel Góes, para a editora Nova Fronteira. E, sim, já tentei até escrever teatro, mas meu trabalho como roteirista agora me toma todo o tempo.

As charges podem cobrir a lacuna do mau jornalismo?

Não, assim como as marchinhas zoando políticos não são um substituto à altura de um protesto de verdade. Os chargistas ganham alguma liberdade até para poder servir de álibi para o mau jornalismo — a manchete, a matéria e a linha editorial podem conter um bando de mentiras, mas olha só, nesse quadrado aqui tem um desenho que mostra que a gente é a favor do pensamento crítico e da diversidade.

Você se alimenta não só de referências diretas ao seu trabalho, mas também de música, cinema e literatura. Como é o seu processo de composição para realização de um desenho? Precisa ficar isolado ou consegue produzir com barulho?

Música me atrapalha um pouco, sei lá por que. Geralmente trabalho com a TV ligada em um jogo de futebol sem som. Engraçado que barulho não me atrapalha — morei ao lado da obra do metrô Ipanema durante dois anos, inclusive na fase da dinamitação, quando uma espécie de alarme antiaéreo era usado para avisar que lá vinha mais uma detonação.

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Capitão Presença quase estreou no Canal Brasil. Você escreveu roteiros de uma série animada, estava em fase bem adiantada, mas acabou não sendo exibida. O que aconteceu?

Era uma série de animações de seis curtas de seis minutos dentro de um programa com outros desenhos animados, Tosco TV. Não estava tão adiantada, mas os roteiros chegaram a ser revisados pelo canal e tudo mais, até que, no dia da dublagem, alguém ligado à produção teve o bom senso de observar que um desenho animado sobre maconha — e bastante a favor — poderia facilmente tomar um processo de apologia na cabeça, já que no Brasil ainda existe a forte noção que desenho animado é coisa pra criança.

Tem esperança de ver Capitão Presença na televisão?

Na verdade tenho mais esperança da maconha ser legalizada e do personagem perder sua função.

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Acredita que outras séries/personagens que você criou tem potencial para serem animados?

Eu tenho uma série de animação com roteiros prontos, desenvolvida em um núcleo criativo da Conspiração filmes chamada Morro da Neurose. Infelizmente é sobre um traficante, é cheia de sexo e cocaína e não existe um canal que exiba animação adulta brasileira.

Você desenvolve um sólido trabalho como roteirista. Conte a respeito desta sua faceta.

É o que mais gosto de fazer, isso e dirigir coisas que escrevi. Na verdade sempre curti mais audiovisual do que quadrinho, que é uma espécie de cinema de orçamento zero. Desenvolvo coisas minhas e trabalho nos projetos de outros, sou autônomo desde 2013, quando trabalhei na Globo pela última vez.

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Existe algo que jamais trabalharia?

Publicidade. Nem porque é um trabalho evidentemente demoníaco, mas conviver com publicitário deve ser dose.

Tem planos para criação de novas séries em quadrinhos?

Sinceramente, não. Mas vai que uma ideia brote no meu cérebro contra a minha vontade, como geralmente acontece.

Deixe seu mau humor de lado e nos transmita uma mensagem de esperança: o que será do Brasil no futuro?

Se existir Brasil no futuro, provavelmente será mais atrasado. Mal aí.

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