Um manual de humor do caraças
“A Doença, o Sofrimento e a Morte entram num Bar”, de Ricardo Araújo Pereira, é um compêndio das 1001 maneiras e técnicas de fazer rir
Por Carlos Castelo
“A doença, o sofrimento e a morte entram num bar” é um opúsculo que, nas palavras do português Ricardo Araújo Pereira, procura identificar e discutir algumas características de uma maneira muito particular de enxergar e pensar o mundo: a dos humoristas. Num planeta em que a democracia está defunta e um de seus pilares é o humor (cite um comediante importante do III Reich ou do período stalinista), notamos o quão supérflua seria esta pequena obra em tempos hodiernos.
Em seus capítulos encontramos as mais finas crônicas que versam sobre 1001 técnicas de fazer rir. De contrapor o banal ao solene (e vice-versa) ao recurso de exagerar discursos, não esquecendo-se da clássica saída da imitação. Dito desta forma objetiva, o compêndio de Pereira poderia parecer previsível. Contudo, mesmo o maior dos didatismos, redigido por um humorista talentoso e bem informado como ele, nunca é tedioso.
Pereira transita por nomes no mínimo icônicos do gênero a que também pertence. Cita o shakespeariano Falstaff para comentar os personagens bufões e histriônicos, Fernando Pessoa para lembrar a importância do elemento surpresa na explanação burlesca, e até James Joyce, a fim de ressaltar a forte influência da paródia na comédia.
A aula magna do professor Ricardo Araújo Pereira não para aí. Ele transita com a mesma graça mencionando as teorias psicanalíticas de Freud sobre o humor como descarga psíquica ou tergiversando em cima das teses platônicas de que promover piadas seria desobedecer à máxima do Templo de Apolo: o histórico “conhece-se a ti mesmo.”
Além de escrever sobre literatura na Bravo!, faço crônicas de humor em outras publicações. Li o livro em meia tarde com grande interesse. E, apesar de atuar na mesma seara de Ricardo Araújo Pereira há mais de 35 anos, confesso que alguns trechos de sua tese me surpreenderam pela originalidade. Todavia, a quem mais despertaria a curiosidade, fora aos humoristas, o requintado ensaio do cômico lusitano?
Não faço a menor ideia. Mas posso tentar inventar uma hipótese absurda, como as impagáveis de Dom Quixote e Sancho Pança, para criar um clima piadético no final do artigo. Ler esse manual vai ajudá-lo a ver o mundo como uma criança; essa prima-irmã do humorista. Você não vai necessariamente subir num palco para o seu stand-up, mas melhorará sobremaneira seu desempenho como adulto.
Em tempo: o português de Portugal de Pereira é muito charmoso de se ler. Mas, afinal de contas, o que diabos é caraças?
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A Doença, o Sofrimento e a Morte entram num Bar, de Ricardo Araújo Pereira. Tinta-da-china Brasil, 118 págs, R$ 49.