40 anos de Procura-se Susan Desesperadamente e o segredo de Madonna
Filme catapultou a diva ao mega estrelato e eternizou uma Nova York boêmia e punk que não existe mais

Estou um pouco atrasada, mas ainda vale entrar no túnel do tempo. Muitos sugerem que foi com Like a Virgin que Madonna alcançou a coroa e Rainha do Pop, mas eu ousaria ir além e sugerir que na verdade foi com Get Into The Groove, o tema do filme Desperately Seeking Susan (Procura-se Susan Desesperadamente). Isso porque não havia apenas o vídeo na MTV e as rádios tocando direto: tinha o filme onde a persona criada por Madonna estava lá, viva e muito divertida. Em nenhum outro filme dela sua assinatura ficou tão clara.
Em 2025, o filme completou 40 anos. Lançado em 29 de março de 1985, o longa dirigido por Susan Seidelman não apenas revelou ao mundo o carisma cinematográfico de Madonna, como também eternizou uma Nova York decadente, criativa e frenética dos anos 1980. O filme é, até hoje, celebrado por sua mistura entre o feminismo indie, o humor subversivo e a explosão de estilo que Madonna encarnava naturalmente — mesmo quando ainda era uma artista em ascensão. Agora, quatro décadas depois, transformado em cult, ganhou uma nova onda de exibições especiais e um revival nostálgico liderado pela própria Rainha do Pop.
A trama e o contexto de Procura-se Susan Desesperadamente
O enredo gira em torno de Roberta Glass (Rosanna Arquette), uma dona de casa entediada de Nova Jersey que vive sonhando com uma figura misteriosa: Susan Thomas (Madonna), uma andarilha urbana de visual excêntrico que aparece em mensagens codificadas nos classificados de jornal. (Importante: não havia celulares ou redes sociais, para entrar em contato com o namorado Susan usava anúncios em jornais impressos na sessão impressa do que hoje seria o Tinder).
Quando Roberta resolve seguir os rastros de Susan, ela sofre um acidente e passa a ser confundida com a personagem que tanto idealizava. O jogo de identidades, mistério e autoafirmação feminina se desenrola em um cenário de clubes underground, salões de beleza decadentes e motéis baratos — a Nova York pré-gentrificação, ainda viva com o espírito do punk, da arte marginal e da efervescência downtown.
O filme foi dirigido por Susan Seidelman, que vinha de um sucesso indie anterior, Smithereens (1982), e queria capturar o espírito de uma cidade que ela conhecia intimamente. Seidelman vislumbrava uma história sobre liberdade feminina, o tédio dos subúrbios e a fascinação com o estilo de vida boêmio urbano — temas que ressoavam com força na década de 1980, mas que ainda são relevantes hoje.
Uma estrela improvável
Quando o projeto começou, o papel de Susan era cobiçado por nomes estabelecidos como Barbra Streisand, Diane Keaton, Goldie Hawn, Ellen Barkin, Jennifer Jason Leigh e Melanie Griffith. Mas nenhuma dessas estrelas parecia certa para a diretora, que buscava alguém que parecesse uma criatura real das ruas do East Village — alguém com autenticidade. Foi então que Madonna apareceu, ainda com apenas três singles lançados (Holiday, Borderline e Lucky Star) e recém-chegada ao status de “nova promessa” da cena musical nova-iorquina. Seidelman e o estúdio viram nela algo único: um magnetismo que a câmera captava com naturalidade. Madonna não precisava interpretar Susan — ela era Susan.
Curiosamente, Madonna não era fã do figurino que acabaria se tornando icônico: um paletó curto estilo smoking dos anos 1950, criado por Santo Loquasto. A peça, com pirâmide dourada nas costas, os numerais romanos “1776” e a inscrição em latim “Novus ordo seclorum”, é peça-chave da trama e símbolo visual do filme. Mesmo relutante, Madonna incorporou o look e completou o visual com pulseiras, colares, óculos vintage e meias arrastão — boa parte dos acessórios, escolhidos por ela mesma no trailer, como relembrou Loquasto: “Eu jogava um saquinho de bijuterias no sofá e dizia: ‘Divirta-se, volto em uma hora.’”

O impacto imediato de Procura-se Susan Desesperadamente
As filmagens começaram em setembro de 1984. Poucos meses depois, em novembro, Madonna lançaria o álbum Like a Virgin, que a transformaria em ícone global. Percebendo o potencial da estrela, os produtores incluíram uma faixa nova, Into the Groove, na trilha sonora do filme. Madonna a escreveu especialmente para o longa e insistiu em usá-la na cena da boate, o que acabou se tornando um dos momentos mais icônicos da produção. A canção não entrou na trilha oficial americana, mas explodiu no Reino Unido e se tornou um hino.
Apesar de Madonna ser o grande atrativo em retrospectiva, Rosanna Arquette era então a estrela principal do projeto — vencedora do BAFTA por After Hours e prestes a ser indicada ao Globo de Ouro por Desperately Seeking Susan. Sua Roberta era o centro dramático do roteiro e, como contraponto à Susan de Madonna, representava o choque entre conformismo e liberdade. A química entre as duas funcionou justamente por não haver competição: enquanto Madonna exalava magnetismo, Arquette trazia vulnerabilidade e humanidade.
Nova York como personagem da produção
O filme é também um retrato cultural e visual da Nova York de 1984, antes do boom imobiliário e da higienização dos bairros criativos. Locais como St. Mark’s Place, o Danceteria e o Lower East Side aparecem como cenários reais, com seus letreiros caindo aos pedaços, pichações, punks de verdade figurando no fundo das cenas. Há algo de documental em Desperately Seeking Susan, como uma cápsula do tempo que conserva uma cidade já desaparecida.

O sucesso e o legado do filme Procura-se Susan Desesperadamente
Com um orçamento modesto de US$ 4,5 milhões, o filme arrecadou US$ 27,3 milhões nas bilheterias e foi um sucesso de crítica e público. Em 2023, ele foi selecionado para preservação no National Film Registry da Biblioteca do Congresso dos EUA — reconhecimento máximo de sua importância cultural e histórica.
Além de consolidar Madonna como figura multifacetada da cultura pop, o filme também é lembrado como uma das poucas comédias femininas daquela década com direção e roteiro assinados por mulheres. O visual do filme influenciou a moda, e o estilo “Susan” virou tendência nas ruas e vitrines do mundo todo.
A celebração de 40 anos do longa-metragem
Em 2025, Madonna comemorou os 40 anos do filme em grande estilo: reapareceu com o figurino original de Susan, o famoso paletó jacquard, durante um desfile beneficente em Nova York. A jaqueta havia sido leiloada por US$ 87.500 em 2016 e sua reaparição causou furor. A cantora também participou do evento Mother-Daughter-Holy Spirit, um tributo à estética queer e à moda transgressora dos anos 80, no Lower East Side — mesmo bairro onde Susan “vivia” no filme.
Madonna reencontrou no evento a atriz Julia Fox, que teria sido escolhida por ela em 2022 para interpretar sua amiga Debi Mazar na cinebiografia que planejava dirigir. Embora o projeto tenha sido arquivado pela Universal, a artista afirma que segue trabalhando no roteiro com Erin Cressida Wilson.
Quarenta anos depois, Desperately Seeking Susan não é apenas um filme. É uma cápsula da cultura dos anos 1980, um documento da cidade que formou Madonna, e um lembrete de como uma identidade visual — e uma mulher com atitude — podem marcar para sempre a história do cinema. Madonna, Rosanna, Susan, Nova York: todas continuam vivas na memória coletiva e agora também nas homenagens de 2025.