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Uma noite com Madonna

Bravo! acompanhou o último show da turnê "The Celebration Tour" de Madonna, diretamente das areias de Copacabana

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 6 Maio 2024, 18h27 - Publicado em 6 Maio 2024, 15h26

Não é surpresa para ninguém. No último sábado, a rainha do pop Madonna encerrou sua turnê The Celebration Tour, talvez a mais significativa de sua carreira, com uma passagem marcante pelo Brasil. A rainha do pop se apresentou na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, para um público estimado em 1,6 milhão — o maior de sua trajetória até agora. Embora o show não seja considerado um dos maiores globalmente, foi suficiente para agitar a cidade e criar uma comoção coletiva, onde todos só falavam e pensavam em Madonna.

Cheguei à imensa arena de Copacabana pouco antes do início do show. Apesar de estar ao lado de um dos maiores fãs e conhecedores de Madonna, concordamos em tentar minimizar os contratempos. Enquanto esperávamos na fila, que se estendia por quarteirões para passar pela revista de segurança e entrar na praia, onde seria o show, discutimos sobre outros artistas que poderiam causar tanta comoção quanto ela. Michael Jackson, se estivesse vivo, sem dúvida. Paul McCartney, talvez, mas com um público menos diversificado. Nas ruas, víamos pessoas de todas as idades e gêneros. E, claro, um número incontável de membros da comunidade LGBTQIA+. Parecia ser um show para eles (para nós). Dos nomes da nova geração de artistas, não entramos num consenso. Taylor Swift mobilizaria multidões, mas restrita a um público bastante jovem. Beyoncé, talvez…

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Madonna usou vestido feito especialmente com as cores da bandeira do Brasil (Kevin Mazur / GettyImage/fotografia)

Inicialmente, pensamos em levar doleiras e deixar os celulares no hotel, já que a situação poderia rapidamente sair do controle em meio a uma multidão tão grande. Mas mudei de ideia no último minuto. Foi uma decisão que valeu a pena, rendendo vídeos e imagens que servirão como lembranças pessoais daquele momento histórico.

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Sem sobrenome famoso ou amigos influeciadores, nos restou buscar algum conforto na areia distante da nossa musa. Mas fomos bem-sucedidos. Em uma área que se estendia por cerca de 1 km entre os dois palcos — do outro lado estava a estrutura do show de Pedro Sampaio, que se apresentou logo após Madonna — arriscaria dizer que estávamos a uns 200 metros do palco. No entanto, isso não diminuiu em nada a experiência. Havia telões suficientes e um excelente som que não se perdia na maresia de Copacabana.

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(Marcos Hermes/divulgação)

Vamos ao que importa. Madonna já afirmou que seus shows são adaptações teatrais de pontos de vista sobre os temas que ela canta, que abrangem absolutamente tudo: sexo, amor, poder, música, guerras, religião e política. Não seria estranho, portanto, que em um país tão polarizado e conservador como o Brasil, sua passagem provocasse controvérsias. Desta vez, Madonna narra sua própria história por meio da música, que celebra seus 40 anos. Madonna já foi excomungada três vezes pela Igreja Católica por conta de suas apresentações, como quando simulou uma masturbação durante um show e usou um crucifixo em cena. Nada disso, no entanto, foi suficiente para atenuar o teor de suas performances. A ousadia é a mesma de quando começou. Atualmente, no entanto, ela precisa enfrentar outra forma de discriminação, o etarismo. “A coisa mais controversa que já fiz foi permanecer”, chegou a dizer em um discurso.

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vista aérea do público na orla de Copacabana (Alexandre Macieira/ Riotur/divulgação)

O anfitrião da noite foi o vencedor da 8ª edição de RuPaul’s Drag Race, o hilário Bob the Drag Queen. Bob conheceu Madonna por meio de sua filha, Lourdes Maria, que sugeriu à mãe que ele apresentasse seu show do Orgulho LGBTQIA+. Foi o pontapé inicial para que os dois se tornassem grandes amigos. No show, é Bob, vestido como Maria Antonieta, uma recriação do traje usado por Madonna em 1990, que nos leva até a cantora.

A história é que Madonna chegou a Nova York em 1977, com apenas 19 anos, com 35 dólares no bolso. Seu sonho era ser dançarina profissional. Ela havia desistido de uma bolsa de estudos na Universidade de Michigan para ingressar na cena de Nova York, uma das cidades mais violentas para se viver na época. Os primeiros anos não foram fáceis. Ela foi roubada diversas vezes, ameaçada de morte e até estuprada por um desconhecido no terraço de um prédio. É difícil compreender o que a manteve resiliente naquele tempo.

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(Marcos Hermes/divulgação)

Bob sai de cena e finalmente a voz de Madonna emerge. Ela está sozinha no palco. “When I was very young, nothing really mattered to me, but making myself happy. I was the only one. Now that I am grown, everything’s changed” (“Quando eu era muito jovem, nada realmente importava para mim, exceto me fazer feliz. Eu era a única. Agora que estou crescida, tudo mudou”, em tradução livre). Fugindo da ordem cronológica, a canção “Nothing Really Matters” (1998) abre o show provavelmente para destacar a mudança de sentimentos que ela sentia quando começou e seu momento atual.

Encerrada a canção, ela sai de cena, dando lugar à sua trupe de dançarinos, que trazem a estética punk dos anos 1980. É então que a jornada começa a ser contada. “Everybody”, uma das primeiras canções compostas por Madonna, abre a nova sequência. Apesar de ter vindo da dança, seu envolvimento com a música aconteceu em paralelo. Ela chegou a fazer parte de uma banda, The Breakfast Club, na qual tocava bateria. Mas logo o grupo se desintegrou. As primeiras composições foram bastante influenciadas pelo gênero Funky, um estilo popular em comunidades afro-americanas. Para conseguir algum destaque, o caminho era convencer os DJs a tocarem suas músicas nos clubes. Madonna já confidenciou que para isso acontecer, foram necessárias trocas sexuais. “Você pode usar sexo para chegar ao meio, mas não pode usar sexo para chegar ao topo”, ela diz em certo momento do show.

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Anitta subiu ao palco junto com Madonna (Instagram/reprodução)

Foram diversos momentos especiais na The Celebration Tour no Rio, mas os mais marcantes foram as apresentações de “Vogue”, que contou com a participação de Anitta, e de “Music”, que levou o público à loucura quando introduziu Pabllo Vittar. Em “Vogue”, ela retoma a inspiração que nasceu da cena do Ballroom, fundada por pessoas queer afro-americanas e latinas. Nela, as pessoas se dividiam em grupos que disputavam com performances de dança. Foi ali que nasceu o voguing, um estilo de dança inspirado nas poses de modelos em revistas de moda (por isso o nome Vogue). Anitta é uma das juradas das disputas. Entre as concorrentes está a filha de Madonna, uma das gêmeas, Estere.

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Mas sem dúvida, um dos momentos mais comoventes aconteceu durante a canção “Holiday”, que ainda relembra os anos 1980. Madonna já estava se consolidando na indústria artística e então se alastrava a epidemia da AIDS. Durante a canção, Madonna está no meio de outros dançarinos. Um a um, eles vão desaparecendo. Até que o último cai diante dela e ela cobre seu corpo com um sobretudo preto. Imagens e nomes estampam os telões, são amigos e figuras conhecidas que morreram por complicações da AIDS. Entre os nomes, há personalidades brasileiras também como Cazuza e Renato Russo. Na sequência, ela canta “Live to Tell”, já que ela foi uma das sobreviventes daquele período triste.

Madonna não é uma pessoa muito afetuosa, ela não se derrete em palavras de amor, uma das maiores provas de carinho para os seus fãs se dá quando ela traz alguma surpresa ou inclui uma canção que não estava prevista no setlist. Quando isso acontece, os fãs enlouquecem. Desta vez, a surpresa foi “Music”, que contou com a participação de Pabllo Vittar e ritmistas mirins da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. As homenagens não pararam por aí. Neste momento do show, ela celebra figuras conhecidas da cultura e política brasileira, como Marielle Franco, Erika Hilton, Mano Brown, Maria Bethânia, Daniela Mercury, Elza Soares, Raoni, entre outros.

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(Marcos Hermes/divulgação)

O setlist já era conhecido, o hit que fecharia o show era “Celebration”. Ao finalizá-lo, ela agradece e logo some de cena. Ainda há um resquício de esperança de que ela retornaria para uma saideira. Mas Madonna não faz concessões. “Ela nunca faz bis nos shows”, diz meu amigo ao lado. Ele estava certo.

Agora, resta apenas a coragem para enfrentar o caminho de volta para o hotel. Foram 2 horas de show, a lombar e os joelhos já dão sinais de cansaço. As filas não encerraram ali, há outra gigantesca para conseguir entrar no metrô. Mas a noite, definitivamente, foi de celebração. A noite com Madonna foi mágica.

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(Marcos Hermes/divulgação)
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