Billy Wilder: conheça o cineasta que ganhou mostra inédita no MIS
Além de ser responsável pela criação de obras icônicas, o diretor influencia até hoje os produtores e realizadores com sua técnica única
Dos diversos passeios que a cidade de São Paulo propõe, a mega mostra “O cinema de Billy Wilder”, no Museu da Imagem e do Som (MIS), deve estar no topo das mais divertidas no momento. Há motivos de sobra para isso: a exibição, que ocupa os três andares do edifício, cria uma retrospectiva das obras mais conhecidas dos 50 anos de carreira do cineasta polonês radicado nos EUA.
A exposição imersiva sugere que os visitantes entrem nos cenários de alguns dos filmes de Wilder e conheçam em detalhes elementos dos bastidores e das produções. Há fotografias dos bastidores de filmes, objetos de cena, figurinos originais e depoimentos em vídeo de pessoas que conviveram com o diretor.
“A ideia surgiu a partir da vontade de poder mergulhar no universo de um cineasta fundamental para o audiovisual, responsável por imagens icônicas que se sobrepuseram ao próprio cinema, tornando-se referências da cultura pop. O processo todo durou pouco mais de seis meses. Um dos maiores interesses do projeto era poder comunicar a variedade de temas, gêneros e estéticas que o cinema de Billy Wilder possui e como eles se relacionam com seu tempo e com a contemporaneidade”, explica Renan Daniel, do núcleo de programação cultural do MIS, sobre a produção da mostra.
Billy Wilder é um daqueles cineastas que mesmo a pessoa mais desinteressada por cinema provavelmente já assistiu uma (ou até mais) de suas obras. São dele as produções “O Crepúsculo dos Deuses” (1950), “The Seven Year Itch” (1955), que se tornou icônico pela célebre cena de Marilyn Monroe com o vestido esvoaçante, “Quanto mais quente melhor” (1959), “A Montanha dos 7 Abutres” (1951), “Sabrina” (1954), entre outros 30 clássicos – muitos dos quais foram prestigiados por diversos prêmios da indústria, como o Oscar.
“O trabalho de Billy Wilder é indispensável para o modo como pensamos cinema atualmente. Sim, seu trabalho se reflete em detalhes ou práticas usadas no mundo todo. Com o audiovisual brasileiro, podemos destacar a relação de colaboração e o envolvimento do diretor na escrita/roteiro do filme; a presença de personagens marginalizados socialmente; o uso de humor para tratar de temas sensíveis ou fazer crítica social e a mistura de gêneros”, complementa Renan Daniel.
Para quem se debruça sobre a história de vida do diretor, talvez entenda sua intensa carreira no cinema como uma surpresa ou um acidente. Nascido na Galícia (Polônia), em 1906, tornou-se jornalista, contrariando os desejos do pai, Max Wilder, de que seguisse uma carreira na advocacia. Seu verdadeiro nome era Samuel, mas sua mãe costumava chamá-lo de Billy, em alusão a Buffalo Bill.
Durante a Primeira Guerra, a família se mudou para Viena, quando Billy já estava na adolescência. No país, ele chegou a estudar direito durante alguns meses, antes de enterrar de vez os planos do pai. Na universidade, ele dividia seu tempo trabalhando como jornalista em meio período no tabloide Die Bühne. Mesmo tão novo, ele teve encontros com entrevistados ilustres, como Sigmund Freud e Richard Strauss.
Seu interesse pela área da comunicação tinha muitos fundamentos: a paixão por histórias e o interesse acentuado por fofoca, revela a sua biografia. Dizem ainda que desde aquela época ele tinha a fama de querer mesclar aos fatos algumas fábulas. “Eu tinha talento em exagerar”, ele disse para o biógrafo Hellmuth Karasek.
Pouco tempo depois, ele se mudou para Berlim, na Alemanha, que na época era um centro vibrante de cultura e inovação, conhecido por sua vida noturna e artística efervescente, que tornou a capital alemã um polo cultural global na década de 1920. O que talvez não fosse necessário dizer, serviu para ampliar o repertório do então futuro cineasta. Conheceu outros artistas, incluindo uma atriz ainda não conhecida na época, Marlene Dietrich. E lá começou a escrever seus primeiros roteiros, como “Der Teufelsreporter” (1929) e “Der Mann, Der Seinen Morder Sucht” (1931). Berlim foi também um importante berço do movimento expressionista, que influenciou a fase noir do diretor, dos quais se destaca “Pacto de sangue” (1944).
A professora Ana Lúcia Andrade, do departamento de Fotografia e Cinema da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA/UFMG), explica que Wilder passa a desenvolver um estilo narrativo quando trabalho como roteirista no cinema mudo alemão. Seu método envolve dar espaço para que o espectador possa imaginar outras camadas na cena a partir do que é insinuado. “Percebem-se traços claros já em seus primeiros filmes hollywoodianos, devido à influência de seu mestre Ernst Lubitsch, para quem escreveu: “A oitava esposa do Barba Azul” (1938) e “Ninotchka” (1939), que ajudou a aprimorar este estilo, em tramas farsescas e irônicas, repletas de ação dialógica com duplo sentido, temas contundentes e humor mordaz.”
Em 1933, assim que Hitler alçou o poder, Billy e sua namorada se mudaram para Paris. Sua mãe, Eugenia Dittler, não teve a mesma sorte. Judia, ela foi presa e morreu em 1943 em um campo de concentração.
No mesmo ano, Billy experimentou o trabalho na direção pela primeira vez, com o filme “Semente do Mal”, título curioso – e até profético – para o que estava por vir. A história gira em torno de Henry Pasquier, um jovem mimado filho de um médico rico, que encontra um novo propósito quando se envolve involuntariamente com uma quadrilha de ladrões de carros. Ele se apaixona por Jeannette, uma mulher que atua como isca para a gangue, enquanto explora o romance e a liberdade da era do jazz.
Muita coisa aconteceu para Billy naquele momento, mais tarde ele venderia um roteiro para Columbia e viajaria para Nova York com apenas U$20 dólares e sem fluência no inglês. Na exposição do MIS estão expostos alguns itens importantes do longa, como um chapéu semelhante ao utilizado na produção, retratos da atriz Danielle Darrieux e reprodução de cenas com os personagens Jeanette e Henri Pasquier, interpretados por Darrieux e Pierre Mingand. O acervo também inclui um frame original do filme.
Os anos por vir foram promissores para Billy. Ele estabelece uma importante parceria com Charles Brackett e escreve os filmes “Ninotchka” (1939) e “Ball of Fire” (1941) e depois disso passa a se dedicar à direção. Essa fase teria sido determinante para aprimorar o estilo pelo qual até hoje é lembrado.
“A colaboração com o co-roteirista Charles Brackett marca uma primeira fase impecável em sua carreira, com filmes que ajudaram a aprimorar gêneros diversos (como o film noir ‘Pacto de sangue’ ou a obra-prima ‘Crepúsculo dos deuses’), explica a professora Ana Lúcia Andrade.
Mais tarde, ele se junta a I. A. L. Diamond, com quem trabalhou de 1957, em “Amor na tarde” até a sua última produção, em 1981, “Amigos, amigos, negócios à parte”. “Essa parceria marca a segunda fase, com narrativas espirituosas imbricando gêneros e testando temas mais ousados para desafiar o Código Hays (conjunto de diretrizes de condutas a serem adotadas pelos filmes, como restrição a cenas de nudez, etc), como em ‘Quanto mais quente melhor’ (1959), ‘Se meu apartamento falasse’ (1960) ou ‘Irma, la douce’ (1963)”, conta Ana Lúcia.
Já a partir dos anos 1970, Billy Wilder vive uma espécie de estranhamento com Hollywood, como se os seus longas não acompanhassem mais as mudanças e urgências dos novos tempos e fossem aos poucos substituídos por de outros diretores. Seus filmes parecem não ter a mesma repercussão comercial positiva de antes. E na década de 1980 ele entra em ostracismo.
Apesar disso, conquistou um patrimônio no cinema invejável. Chegou a ser indicado 20 vezes ao Oscar, vencendo seis delas. O seu legado, entretanto, vai muito além e está presente no método de muitos outros cineastas.
“Diversas técnicas, modos e recursos dos filmes de Billy Wilder se tornaram fundamentais e muito influentes no cinema como um todo. Destaco aqui a estratégia de flashbacks, contando uma história a partir de seu ponto final, propondo narrativas não-lineares; a criação de personagens ambíguos ou anti-heróicos, sem o maniqueísmo clássico do cinema dito mais ‘tradicional’; a acidez e o cinismo de diálogos, deixando-os mais realistas; e a mescla ou subversão de gêneros cinematográficos, usando de humor para tratar de temas sérios ou tabu para a época”, conclui Renan Daniel, do MIS, sobre a atualidade de Billy Wilder.
Museu da Imagem e do Som – MIS – Avenida Europa, 158, Jardim Europa
Até 31.10. Terças a sextas, das 10h às 19h; sábados, das 10h às 20h; domingos e feriados, das 10h às 18h.
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); grátis às terças-feiras e na terceira quarta-feira do mês.