Filme “Close” retrata dor da perda através do olhar infantil
Vencedor do Oscar e recém lançado na Netflix, drama de Lukas Dhont mostra a amizade e o progressivo distanciamento de dois adolescentes
Assistir ao filme Close, do diretor e roteirista belga Lukas Dhont, é, talvez, dentro dos limites cinematográficos, o mais próximo de uma experiência de dissociação da realidade. Trata-se de um enredo, inicialmente, simples, despretensioso, mas que se torna impiedoso em determinado momento.
A trama começa lenta, delicada, em torno de dois amigos, Leo e Remi, de apenas 13 anos, e abre com os dois jovens brincando em um espaço abandonado, um lugar em ruínas talvez. Em seguida, percorrem um vasto campo de dálias. Logo se descobre que a família de Leo é responsável pelo local, do plantio, a colheita, até a venda das flores. São elas os primeiros símbolos distribuídos na história. Não por acaso, as dálias representam devoção e compromisso, elementos fundamentais para entender o envolvimento dos dois personagens.
A amizade apresentada é do tipo raro de se ver entre dois meninos ou homens, pois envolve carinho, gestos, palavras afetuosas direcionadas mutuamente, e nenhuma autocensura – até certo ponto. A primeira pedra jogada na inocência dos dois acontece, justamente, quando iniciam o novo ano escolar. “Vocês dois estão juntos?”, escutam de um grupo de adolescentes. Leo, mais ágil do que Remi, prontamente diz que não. São apenas amigos, quase irmãos.
Com o progresso dos dias, a desconfiança vira bullying. Leo, talvez por ser visto como o mais delicado, é o alvo inicial dos outros jovens. Num impulso de proteção, decide alugar uma masculinidade para si. Se junta ao time de hóquei da escola e se aproxima de outros garotos. E, assim, vai se afastando de Remi, que, embora sofra com a gradual perda, não parece entender o motivo dela. A brincadeira que abre o filme perde o sentido para Leo. De uma hora para outra, ele está adulto demais. Afinal, foi empurrado para fora da redoma da inocência. Enquanto Remi permanece preso nela, sozinho.
Pode se dizer que a primeira metade da obra descortina as mudanças dessa relação. A despeito de Remi ser a figura central da dor, nossos olhares são guiados pelos passos de Leo, aquele que decide se afastar e que rejeita o amigo.
Muito tem se falado sobre esse ser um longa queer, embora ele não se atenha em desenvolver um olhar para a sexualidade dos personagens, tampouco perfaça uma relação amorosa dessa amizade. É, sim, queer, pois envolve homofobia e discriminação. E esses são pontos críticos para o desenrolar da obra.
No meio do caminho, um acontecimento revira a vida de Leo e da família de Remi. Vemos, então, uma criança descobrir a dor da perda e se ver impotente diante dela. É, precisamente, acompanhar esses sentimentos que nos faz dissociar da realidade externa da sala do cinema e nos faz sofrer junto ao personagem. Enquanto Leo luta para se recuperar do sofrimento e da culpa, ele passa a prestar atenção na dor dos demais. Criando, assim, um olhar empático. Leo encontra um espaço no hóquei para se calejar daquela dor, que contrasta com a delicadeza, o tempo e o cuidado dedicados às flores.
Não seria exagero dizer que Close trata, acima de qualquer coisa, da construção da empatia. E como ela é essencial em nosso desenvolvimento e construção de nossa identidade. Como nos momentos da vida em que vivemos a dor irreversível da perda, aprendemos que o tempo é a única solução. Na falta de outros recursos, resta andar com o choro preso e tentar pacificar o peito apertado. E por sentir na pele, nos compadecemos e nos vemos também responsáveis diante da dor dos outros.
Close tem sido reconhecido mundialmente. Venceu o Grand Prix (Ex-Aequo), o prêmio do júri popular, no Festival de Cannes em 2022, e em 2023 foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional. O filme acaba de chegar ao catálogo do streaming da Netflix. Antes de dar o play, um aviso: esteja munido de lenços e de um ombro amigo, pois ambos serão importantes companhias durante os 105 min de filme.
Direção: Lukas Dhont
Bélgica – 2022 – 105 min