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Como será imergir nas águas do reggae?

Documentário "Reggae Resistência" conta a história da chegada do gênero musical à Bahia

Por João Victor Gomes
28 jun 2023, 11h20

A 15ª edição do Festival In-Edit apresentou uma programação riquíssima de documentários relacionados à música. Com 68 filmes, a mostra contou com estreias e/ou pré-estreias nacionais e internacionais. Além de filmes dedicados a nomes reconhecidos, haviam pérolas capazes de proporcionar um misto de descoberta e imersão. O documentário Reggae Resistência, da experiente dupla Cecília Amado e Pablo Oliveira, é um belo exemplo de revelação surpreendente. Mas será também de imersão?

Still do documentário Reggae Resistência.
Gilberto Gil em cena do documentário Reggae Resistência (In-Edit/divulgação)

O filme nos apresenta as sementes e frutos da árvore do reggae na Bahia. Concentrando-se não só em Salvador, mas também nas cidades de Feira de Santana e Cachoeira, a rainha do recôncavo baiano. O documentário conta com os depoimentos de Edson Gomes, Nengon Vieira, Gilberto Gil, Lazzo Matumbi, Jorge Alfredo Guimarães, Sérgio Nunes, Isaías Gomes entre outras pessoas que juntas formam não um mural, mas uma fileira de pilares para a sustentação de um gênero musical evidentemente capaz de concentrar potencial espiritual, político e filosófico. Tudo isso no seio da cultura baiana. Alguns desses nomes, pilares e vozes ainda pouco reconhecidos publicamente mas que, no entanto, parecem agir em prol de um constante efeito borboleta. Representações humanas do que chamamos de trabalho de formiga: devagar e sempre, para todas e todos. O filme faz jus ao seu título Reggae Resistência quando apresenta tais figuras e narrativas. 

Still do documentário Reggae Resistência.
Edson Gomes em cena do documentário Reggae Resistência (In-Edit/divulgação)

Longe de ser um documentário apenas para músicos ou de exclusivo interesse a amantes do reggae, Reggae Resistência consegue transmitir a relevância social, política e filosófica do reggae na Bahia, embora não interesse ao filme contemplar as reverberações do fenômeno no Brasil. Aliás, o enfoque dado pelo filme é primordial para compreender o cerne, a semente, do reggae na Bahia, seus desdobramentos e filosofia. Portanto, muito além da música, é possível acompanhar reverberações filosóficas, políticas e sociais, muito “naturalmente”. Pena tal fluidez e “naturalidade” não encontrar espaço numa das camadas mais importantes do filme: sua montagem, assinada por Álvaro Ribeiro, Cecília Amado e Pablo Oliveira.

Sine em cena do documentário Reggae Resistência
Sine Calmon em cena do documentário Reggae Resistência (In-Edit/divulgação)

Possivelmente algum anseio de contemplar as ramificações das raízes do reggae na Bahia, bem como as próprias raízes, gerou um acúmulo de tópicos, personagens e perspectivas importantes para contemplar a vastidão do fenômeno. A lástima é o anseio escorrer pelas telas. O filme não elege um guia ou uma única linha para nossa condução. O que parece dinamismo logo leva a alguma confusão e exaustão. Como saímos dali e viemos parar aqui diante dessa personagem? Racionalmente é possível acompanhar e compreender a “ponte”, o “link”. Mas isso não necessariamente nos leva a uma identificação e imersão no/pelo filme. Também para consuma-la, a imersão, buscamos o que os japoneses denominam MA, um conceito complexo presente em inúmeras expressões culturais, inclusive no cinema, que pode ser resumido como “intervalo”. Parar para assentar. Respirar para mergulhar. 

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Cenas do documentário Reggae Resistência
Cenas do documentário Reggae Resistência (In-Edit/divulgação)

Um outro ponto, esse quase uma queixa inútil, é decorrente da forma como o documentário posiciona a fala de Nengo Vieira no início do filme. Em dado momento ele diz que escutou Bob Marley uma vez e não gostou. Só foi gostar três anos depois, quando passou a fazer uso da cannabis. A questão não está no que foi dito nem como, mas sim no fato da fala constar miniconto do filme e não encontrar outra abordagem posterior. O filme não trata de concluir o raciocínio deixando assim em aberto a questão, o que fortalece, mesmo que de forma não-intencional, a ideia pouco inteligente de que quem escuta reggae necessariamente usa maconha. Tal preconceito despreza a posição litúrgica da cannabis em comunidades rastafari, por exemplo. O filme tangencia possíveis “respostas” à questão aberta no início, mas não a encara. Talvez, apenas talvez, coubesse ao filme também fazê-lo. Não por ser uma questão polêmica que baseia mortes e preconceitos, mas também pela importância da erva para a preservação daquilo que mais cedo defini como “potencial espiritual, político e filosófico” do reggae. 

Quem assistir ao filme terá garantida a sensação de assistir a um portal. Do outro lado um fenômeno observado desde a raiz. Uma preocupação em contemplar várias vozes e ecos desse canto que é o reggae. Um filme com os pés fincados na sua região, capaz de transmitir, sem perigosas concessões, personagens a falar e viver a força de um mote, de uma guia. Não conseguimos, o público, senti-la, mergulhar no seu mar sem a preocupação com o saber, com a razão, com o excesso de relevantes informações. Por isso, fica a questão: como será imergir nas águas do reggae?

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Pessoa segurando vinil.
(In-Edit/divulgação)
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