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Han Kang: conheça autora que venceu o Nobel de Literatura 2024

Sua prosa é marcada pela interseção entre dor física e emocional, com uma sensibilidade singular para os traumas históricos e a vulnerabilidade humana

Por Redação Bravo!
Atualizado em 10 out 2024, 14h47 - Publicado em 10 out 2024, 10h25
Han Kang: conheça autora que venceu o Nobel de Literatura 2024
 (Divulgação/divulgação)
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“Por sua prosa poética intensa, que confronta traumas históricos e revela a fragilidade da vida humana.” Assim foi destacada a obra da autora sul-coreana Han Kang, vencedora do Nobel de Literatura de 2024. O anúncio ocorreu na manhã desta quinta-feira (10), pela Academia Sueca, instituição responsável por escolher o laureado do prêmio. No Brasil, a escritora tem obras publicadas pela editora Todavia, com títulos como “Atos Humanos”, “O Livro Branco” e “A Vegetariana”.

“É a consagração merecidíssima de uma autora tão singular, que reinventa a forma de contar histórias a cada novo livro”, declarou Leandro Sarmatz, editor responsável pela publicação de suas obras no país.

Han Kang nasceu em 1970, na cidade de Gwangju, Coreia do Sul. Cresceu em um ambiente literário, influenciada pelo pai, Han Seung-won, um renomado romancista. Aos nove anos, mudou-se com a família para Seul, onde desenvolveu seu interesse pela escrita, além de explorar as artes visuais e a música, elementos que atravessam sua produção literária.

Em 1993, publicou seus primeiros poemas, e em 1995 lançou sua primeira coletânea de contos, “Love of Yeosu”. O reconhecimento internacional veio com o romance lançado em 2007, “A Vegetariana”, que acompanha a trajetória de uma mulher cuja decisão de parar de comer carne abala profundamente sua vida e suas relações, levando-a a um estado de isolamento e internação. A obra explora temas como controle, resistência e a complexidade dos desejos humanos.

Entre seus outros trabalhos de destaque estão “Greek Lessons” (2011), que narra a conexão entre uma mulher que perdeu a fala e um professor de grego que está perdendo a visão, e “Human Acts” (2014), que revisita o massacre de Gwangju, ocorrido em 1980, abordando o luto e a violência histórica. Já “The White Book” (2016) é uma meditação poética sobre a perda, centrada na memória de uma irmã falecida poucas horas após o nascimento. “We Do Not Part” (2021), por sua vez, examina as marcas deixadas pelo massacre na Ilha de Jeju, ocorrido no final dos anos 1940.

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A prosa de Han Kang é marcada pela interseção entre dor física e emocional, com uma sensibilidade singular para os traumas históricos e a vulnerabilidade da existência humana. Seu estilo inovador e poético a estabelece como uma das vozes mais relevantes da literatura contemporânea.

Leia um trecho de “O livro branco”

Minha mãe me contou que seu primeiro bebê morreu duas horas depois de ter nascido. Era uma menina com o rosto branco como um bolinho de arroz em forma de lua. Por ser uma bebê prematura de sete meses, seu corpo era pequenino, mas os olhos, o nariz e a boca eram definidos e bonitos. Ela disse que nunca conseguiria esquecer o momento em que a bebê abriu os olhos negros e olhou para seu rosto.

Naquela época, minha mãe morava no interior, numa casa isolada, junto com meu pai, que havia sido designado professor de uma escola de ensino fundamental I.

Faltava bastante tempo até a data prevista para o parto, por isso minha mãe não estava preparada quando, certa manhã, a bolsa se rompeu de repente. Não havia ninguém por perto. O único telefone da vila era o da lojinha na frente do ponto de ônibus, que ficava a vinte minutos de caminhada. Ainda faltavam mais de seis horas para o fim do expediente do meu pai.

Era o início do inverno, e a primeira geada caía. Minha mãe, com seus vinte e dois anos, rastejou até a cozinha e ferveu água para desinfetar a tesoura, conforme tinha ouvido falar em algum lugar. Procurou dentro da caixa de costura e encontrou um tecido branco que serviria como roupinha para o recém-nascido. Sentindo as contrações e o medo, ela costurava enquanto as lágrimas escorriam. Terminou a peça, pegou um lençol para usar como cueiro, e a dor voltava a intervalos, mais intensa e mais rápido.

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Por fim, deu à luz. Sozinha, cortou o cordão umbilical. Vestiu a roupa que acabara de fazer naquele corpo pequenino manchado de sangue. Por favor, não morra. Com uma voz fina, ela murmurava sem parar. Ao mesmo tempo, abraçava a bebê do tamanho de um palmo que chorava. Depois de uma hora, as pálpebras da bebê, que a princípio estavam bem fechadas, abriram-se como se fosse mentira. Seus olhos encararam aqueles olhos pretos e ela murmurou outra vez. Por favor, não morra.

Cerca de uma hora depois, a bebê morreu. Deitadas lado a lado, ela acalentou no peito a bebê morta, sentindo aquele corpo esfriar aos poucos. Não derramou mais nenhuma lágrima.

“O livro branco”, de Han Kang. Publicado pela Todavia em 2023. Tradução de Natália T. M. Okabayashi.

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