Júlia Lopes de Almeida: conheça a história da mulher apagada da ABL
Escritora, cronista e abolicionista, Júlia teve papel fundamental na criação da ABL, mas foi excluída da lista de fundadores

Em 20 de julho de 1897, no Rio de Janeiro, um grupo de intelectuais liderado por Machado de Assis decidiu seguir os moldes da Académie française (fundada em 1635) e criar uma instituição voltada à promoção da língua portuguesa e da literatura nacional. A iniciativa surgiu num momento de consolidação da identidade cultural do Brasil recém-saído do Império e já sob a República.
Essa é a história oficial da criação da Academia Brasileira de Letras. A Machado de Assis, somaram-se nomes como Joaquim Nabuco, Olavo Bilac, Rui Barbosa e José do Patrocínio. A chamada “casa dos imortais” nasceu reunindo escritores, poetas, jornalistas e intelectuais da elite letrada da época. A fundação da ABL refletia tanto o desejo de preservar uma tradição literária quanto a construção de uma visão específica e excludente de cultura. Às mulheres, por exemplo, foi proibido o acesso desde o início. A decisão, baseada no modelo francês e nos valores patriarcais do século XIX, deliberadamente excluiu autoras, mesmo aquelas que já estavam em pleno exercício da escrita.
Décadas mais tarde, veio à tona que uma mulher teve papel central na criação da entidade. O nome de Júlia Lopes de Almeida (1862–1934) apareceu num documento de Lúcio de Mendonça, um dos articuladores da ABL, que listava os possíveis fundadores. Júlia participou das reuniões preparatórias e ajudou a idealizar o projeto da Academia, mas foi deixada de fora por ser mulher. Sua cadeira acabou sendo ocupada por seu próprio marido, o poeta Filinto de Almeida.
Júlia, no entanto, foi uma das escritoras mais influentes de sua época. Publicou romances, contos, peças teatrais e crônicas, muitas delas veiculadas em jornais como O Paiz, onde escreveu sobre temas como violência policial e o papel do Estado. Também foi pioneira na literatura infantil com Contos Infantis, lançado em 1887 ao lado da irmã, Adelina Lopes Vieira. Entre seus romances mais conhecidos estão A falência e Memórias de Martha. Em 2022, parte de sua produção dramatúrgica foi reunida no livro A (in)visibilidade de um legado – Seleta de textos dramatúrgicos inéditos de Júlia Lopes de Almeida, organizado por Michele Asmar Fanini, resultado de uma pesquisa de pós-doutorado na USP.
Nascida no Rio de Janeiro, era filha do médico português Valentim José da Silveira Lopes, mais tarde nomeado Visconde de São Valentim, e de Adelina Pereira Lopes. Casou-se com Filinto de Almeida e teve três filhos que também seguiram caminhos literários: Afonso, Albano e Margarida.
Júlia morreu em 1934, vítima de complicações causadas por febre-amarela. Seu último romance, Pássaro Tonto, foi publicado postumamente no mesmo ano. Seu legado, ignorado por décadas, tem sido resgatado nos últimos anos como parte essencial da história da literatura brasileira. Em 2017, foi tema da conferência Todos contra Júlia!, apresentada pelo escritor Luiz Ruffato na ABL, num esforço para revisitar os nomes apagados da literatura nacional.
Somente em 1977, quase 80 anos após sua fundação, a ABL admitiu sua primeira mulher: Rachel de Queiroz. Em julho de 2025, Ana Maria Gonçalves tornou-se a primeira mulher negra a integrar a instituição. Mais de um século separa essas conquistas, mas o nome de Júlia Lopes de Almeida continua a lembrar o quanto ainda é necessário avançar.