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Uma conversa entre Luis Fernando Verissimo e Marcelo Rubens Paiva

Relembre a entrevista feita via MSN em 2008. Na ocasião, os temas foram tão variados quanto o livro do escritor gaúcho, “O Mundo É Bárbaro”

Por Redação
26 set 2024, 08h00
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Luis Fernando Verissimo no messenger (Raul Krebs/acervo rede Abril)
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Por volta das três e meia da tarde do dia 21 de agosto, o escritor Marcelo Rubens Paiva conectou-se ao Messenger em sua casa, em São Paulo, para entrevistar Luis Fernando Verissimo, em Porto Alegre. Dias antes, o cronista gaúcho havia pedido a sua filha que instalasse o programa de mensagens e lhe explicasse como funcionava. Não que a conversa por internet lhe fosse totalmente estranha: em julho deste ano, sua participação no bate-papo promovido por Bravo! durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) foi um sucesso — alguns leitores notaram que, remotamente, o tímido escritor parecia menos tímido. Daí surgiu a idéia para esta entrevista.

Em pouco mais de uma hora de conversa, os dois falaram de assuntos tão variados quanto os do novo livro de Verissimo, O Mundo É Bárbaro, que reúne crônicas publicadas na imprensa sobre temas contemporâneos. No clima de bate-papo do Messenger, falaram de honorários da Academia Brasileira de Letras, política, China, Olimpíada (então a todo vapor) e, claro, futebol. Na véspera, o Internacional de Porto Alegre havia goleado o Palmeiras por 4 a 1 pelo Campeonato Brasileiro, no Beira-Rio — fato que não passou em branco, naturalmente, para o colorado Verissimo e o corintiano Marcelo. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Marcelo Rubens Paiva: Pronto, estou online.

Luis Fernando Verissimo: O fotógrafo já está aqui, procurando um ângulo mais inteligente. Acho que não vai encontrar.

Marcelo: Bela vitória ontem, Luis. Também, compraram meio Corinthians.

Verissimo: Acho que um corintiano conhece bem a emoção de fazer quatro no Palmeiras. Pelo menos nisso somos compadres.

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Marcelo: Vamos fingir que somos intelectuais, vamos falar coisas inteligentes. Você não se candidata de jeito nenhum a uma cadeira da Academia Brasileira de Letras?

Verissimo: Me perguntaram isso e eu respondi que nem tenho uma obra que mereça a honra de estar na academia, nem o físico para o fardão. Ainda mais que o (escritor gaúcho) Moacyr Scliar me disse que a gente não fica com a espada, é só para a fotografia. Mas a academia melhorou, depois que parou de aceitar generais e celebridades.

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(Raul Krebs/acervo rede Abril)

Marcelo: Eu li que ganham R$ 15 mil mensais e R$ 1,5 mil de jeton por sessão. Tentador, não? Você é um escritor rico?

Verissimo: Não. Acho que, fora as exceções óbvias, ninguém ainda pode viver de livros no Brasil. Dependo do jornalismo e de correlatos eventuais para o uísque das crianças.

Marcelo: Uísque das crianças e netos. Você ficou mais feliz com a chegada da netinha ou com o Inter campeão do mundo?

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Verissimo: São emoções diferentes… Ser avô é realmente uma sensação fantástica. Ainda mais que a neta é simpática, inteligente, culta — e foi me nascer exatamente no dia do aniversário do Inter. Acho que foi ela que planejou.

Marcelo: Seu livro novo é uma coletânea de crônicas escolhidas de novo pela nossa grande e sexy editora, Isa Pessoa?

Verissimo: A idéia do livro foi da Lucia Riff (agente de Verissimo), que também é grande e sexy. A Isa (da editora Objetiva) encampou a idéia e escolheu as crônicas e o título.

Marcelo: Crônicas publicadas no Estadão e Globo?

Verissimo: Estadão, Zero Hora e O Globo, e distribuídas pela Agência Globo para outros jornais, não sei quantos. Em geral, crônicas mais “sérias”, se é que cabe a palavra, do que as dos outros livros.

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Marcelo: É uma coletânea mais niilista, sobre o futuro e a falta de identidade brasileira. Efeito do mensalão?

Verissimo: Não sei, eu sou menos pessimista do que o que escrevo. Na verdade sou um ingênuo disfarçado. No livro falo bastante na China, que um dia, como escrevi, vai tornar o resto do mundo supérfluo. Mas prefiro o pensamento otimista: quando isso acontecer eu estarei morto.

Marcelo: Estará nada, pois os chineses o clonarão e haverá um Luis Fernando Verissimo de olhos puxados. Você é ainda um homem de esquerda, dá para reparar em suas crônicas. Acha que o Lula fez um governo digno?

Verissimo: Eu acho que ser de esquerda, hoje, é não ser de direita. O que não é tão óbvio quanto parece. Acho que o PT no governo é, em matéria de economia, o PSDB de barba, mas a distribuição de renda, que está melhorando, é o grande diferencial, e o grande feito do governo Lula. Isso compensa todo o resto, a corrupção etc.? Não sei. Mas o governo Lula está fazendo uma diferença. Eu disse que era um ingênuo.

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(Amilcar Packer/acervo rede Abril)

Marcelo: Na crônica Fora Povo, você sugere uma brincadeira: que a nossa elite é melhor que o povo, que devia ser terceirizado. A elite brasileira não merece o povo que tem?

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Verissimo: A crônica é um comentário sobre um estudo que apareceu, mais ou menos chamando a elite brasileira de injustiçada. Que temos um povo melhor do que a elite, acho que não há dúvida. Que merece uma elite melhor, também. Toda a história do Brasil é um prontuário dessa elite.

Marcelo: Voltando ao papo inteligente, por que a Jade, o Diego e a gauchinha Daiane dos Santos tremeram na Olimpíada? É verdade que, na hora H, o atleta brasileiro surta? Apesar do penta, temos complexo de inferioridade?

Verissimo: Pois é, dizem que nos falta uma política de incentivo aos esportes e também equilíbrio emocional aos nossos atletas. Mas eu tenho que confessar que simpatizo com o desequilíbrio emocional. Acho que deveria se dar medalha pelo melhor choro, o melhor beijo para os familiares, o perdedor mais patético etc. Fora a russa do salto com vara, que chorou como uma brasileira, os frios ganharam quase tudo.

Marcelo: Dizem que brasileira não ganha salto com vara porque é bunduda.

Verissimo: E o que a gente prefere, bunduda ou campeã em salto com vara?

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Marcelo: Você prefere a Sharapova (Maria Sharapova, tenista russa) ou ainda é obcecado pela Luana?

Verissimo: O bom das tenistas russas é que sempre aparece uma nova e mais bonita. É um veio inesgotável.

Marcelo: E a Luana?

Verissimo: Meu sentimento pela Luana Piovani é avuncular.

Marcelo: Isso tem cura?

Verissimo: Nunca soube bem o que quer dizer isso, mas é um sentimento sincero, e nunca passará disso. Até ela telefonar, claro.

Marcelo: Você sente essas coisas complicadas pelas mulheres ou é um cara sossegado?

Verissimo: Sou tão careta que ainda uso o termo “careta”. Já nasci assim e piorou com a idade.

Marcelo: Você lê Philip Roth?

Verissimo: Li bastante o Philip Roth, mas os últimos livros dele, não. Na verdade não tenho lido ninguém.

Marcelo: Por que não?

Verissimo: Bons tempos em que passava as noites lendo, e lia de tudo. Hoje perco tempo demais com jornais e revistas e livros de história e ensaios. Você sabe que está ficando velho quando começa a ler mais crítica literária do que literatura.

Marcelo: Cruzes, e o que você aprende lendo crítica literária?

Verissimo: Pois é, ler só crítica é como ver filme pornográ- fico em vez de fazer sexo.

Marcelo: Qual crítica literária você recomenda?

Verissimo: No Brasil, ainda, o Antonio Candido. Infelizmente ninguém o substituiu. O George Stainer é bom, o Edward Said, alguns ingleses como o Terry Eagleton, o italiano Franco Moretti, o Leslie Fiedler.

Marcelo: É verdade que é a primeira vez no Messenger? E blog, você lê?

Verissimo: É. A Fernanda, minha filha, teve que me ensinar como funciona. Resistirei até o fim (o meu) contra o celular e estes mistérios da internet.

Marcelo: Nem e-mail você troca?

Verissimo: E-mail, sim. E o Google. Fora isso, sou um inocente completo.

Marcelo: Você vê televisão?

Verissimo: Vejo mais TV a cabo. Estou sempre atrás de reprises do Seinfeld. Vejo Jornal Nacional e futebol.

Marcelo: Você ainda escreve as crônicas “em cima” do deadline?

Verissimo: É vício de jornalista. O pior é que a gente acaba fazendo os romances, também, quando o prazo está estourando. Eu sempre digo que a musa mais eficiente do escritor é o prazo de entrega.

Marcelo: Já deu branco e teve que cancelar uma crônica?

Verissimo: Bom, nos tempos da censura eu tinha que ter uma crônica reserva sempre pronta para substituir a que não podia sair. Às vezes a gente escrevia alguma coisa sabendo que não ia ser publicada, para desabafar, e mandava a outra, tratando do sexo dos anjos. Nesse sentido tive várias canceladas. E o branco é um dos chamados ossos do ofício de escritor. Ossos brancos, claros. Dá muito.

Marcelo: Para terminar, todo escritor que se preze tem que morar em Paris, ou Porto Alegre basta?

Verissimo: De preferência em Porto Alegre, uma das metrópoles do mundo, com descansos freqüentes em Paris. Abração

Marcelo: Outro, beijos na mulherada da família

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Bravo! setembro/2008 (Bravo!/acervo rede Abril)
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