Melhores livros indicados pela Bravo! e onde comprá-los online
Confira a seleção da redação e vote no seu título e autor preferido
“A terra dá, a terra quer”, de Antônio Bispo dos Santos (Ubu)
Contracolonização e vida quilombola estão no centro do trabalho literário de Antônio Bispo dos Santos, filósofo de provocações urgentes que nos deixou neste plano em dezembro deste ano com um legado pulsante. Nesta obra, o autor denuncia a “cosmofobia” – o medo do cosmos que funda o mundo urbano eurocristão monoteísta – e defende uma guerra das denominações, enfraquecendo as palavras dos colonizadores, e propondo novos modos de habitar a Caatinga brasileira, mais especificamente do Quilombo Saco Curtume, no Piauí.
Para Bispo debate decolonial é a depressão do colonialismo. Ele vai além e defende a contracolonização, um modo de vida ainda não nomeado e que precede a própria colonização. Longe das denominações nibárias, ele busca a fronteira, o “afro-pindorâmico” para compreender o mundo de forma “diversal”, ou seja integrado por uma variedade de ecossistemas, idiomas, espécies e reinos. Estamos diante de uma obra que semeia a circularidade ancestral onde tudo é começo, meio e começo.
“As pequenas chances”, de Natália Timerman (Todavia)
Depois de “Rachaduras” (Editora Quelônio, 2019), finalista do prêmio Jabuti, e do best-seller “Copo Vazio”, a psiquiatra e escritora Natália Timerman volta com mais um romance potente, um livro autobiográfico que trata do luto, de família e memória de forma ousada e corajosa. Enquanto aguarda um voo, Natalia encontra o médico de cuidados paliativos que atendeu seu pai. A conversa desperta nela toda a experiência da perda, ainda próxima e repleta de cicatrizes. Seu pai também era médico e morreu de câncer, palavra que carrega o peso da finitude. Afinal, o que acontece quando o assunto da morte toma contade toda uma família? “As pequenas chances” nos entrega, com ternura e elegância, um caminho possível por esse misto de sensações que acompanham o processo coletivo de perda e reconstrução.
“De uma a outra ilha”, de Ana Martins Marques Círculo de Poemas (Luna Parque/Fósforo)
Palavras
ANA MARTINS MARQUES
em frangalhos
como se também a língua
tivesse passado
pelo domínio de Eros
que dilacera
— o quebra-
-membros
— e da fala
estilhaçada
restasse
um arquipélago
Parte da interessante série de plaquetes do Círculo de poemas (onde os escritores são convidados a escolher o mapa de um lugar — real, inventado, desejado — e escrever a partir dele), neste poema longo, a autora mineira se debruça sobre Lesbos, uma ilha grega que, no passado, foi lar da poeta Safo, e, no presente, serve como local por onde imigrantes tentam adentrar o continente europeu.
Escritora de obras como A vida submarina (2009), Da arte das armadilhas (2011, Prêmio da Fundação Biblioteca Nacional), O livro das semelhanças (2015, Prêmio APCA), O livro dos jardins (2019) e Risque esta palavra (2021, Prêmio APCA), Ana Maria Marques nos apresenta uma série de fragmentos (escritos e imagéticos) que ajudam a compor uma cartografia lírica única.
“Louças de família”, Eliane Marques (Autêntica)
“Sobrou isso da sua morte. As contas impagas. Luzágua blusas calçassaias camisetas jesus também te ama compradas a prazo de uma irmã da igreja, tão pobre quanto convicta da superioridade carola.” Assim começa a autora em Louças de Família. Ela fala sobre a vida e morte de tia Eluma, empregada doméstica na cidade com curioso nome de Ana. Afinal, o que resta depois da partida de alguém? E se esse alguém for uma mulher negra?
Neste surpreendente romance contemporâneo sobre herança e abandono, situado na fronteira entre Brasil e Uruguai, a narradora faz uma jornada materna ancestral com linguagem própria que passeia pelo português, espanhol e iorubá “onde num armário de louças se confundem tiranos e subalternizados, negros e brancos”.
“Mata doce”, de Luciany Aparecida (Alfaguara)
Uma das melhores surpresas do ano foi a chegada do primeiro romance em que a autora baiana assina com o próprio nome. Antes, ela já havia publicado coletâneas de poesia, dramaturgias e outros textos em prosa com pseudônimo. Em conversa com a Bravo!, no evento de pré-lançamento do título, Luciany Aparecida disse que o processo de escrita foi intenso (e sempre pelas manhãs, das 5h30 às 10h). “Mata Doce é uma comunidade fictícia, mas que, no campo semântico, diz respeito ao lugar que eu vivi na caatinga. Este romance pensa o Brasil a partir de uma estrutura familiar matriarcal e de suas tensões rurais e sociais”, explicou.
Mata Doce já vem com contradições logo no título e pode significar tanto um lugar quanto uma ação. O livro surgiu de um desejo de pensar o cotidiano a partir da continuidade da vida. A inspiração veio de uma história pessoal da intimidade de sua família. Entre uma página e outra, o leitor encontrará referências de Vidas Secas, de Graciliano Ramos e Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado. “Quis abordar uma projeção de felicidade que não se realiza. Eu brinco, ironizo e mostro as complexidades da sociedade a partir da perspectiva de uma mulher negra contemporânea do interior da Bahia como protagonista.”
“Macabéa, flor de mulungu”, de Conceição Evaristo (Oficina Raquel)
A fila para ver Conceição Evaristo na casa da Estante Virtual durante a última Flip dobrou a esquina e chegou até a praça da Rua da Matriz com centenas de leitores ansiosos para ver e ouvir a sabedoria da autora mineira, que foi ovacionada durante sua entrada para a mesa de debate. Muitos estavam na fila desde às 7h da manhã e cadeiras precisaram ser retiradas para que mais gente pudesse participar do lançamento do livro Macabéa: Flor de Mulungu (Oficina Raquel) em um bate-papo com o editor Vagner Amaro e a jornalista Renata Ferreira. Os organizadores relataram nunca terem visto uma mesa ficar tão cheia por lá. Isso mostra o tamanho da envergadura da escritora.
Há quase 50 anos, Clarice Lispector publicou A hora da estrela, seu último e mais aclamado romance. Neste conto ilustrado, Conceição revisita e dá novos contornos à personagem Macabéa. “A literatura me salvou desde menina, nos anos 1950. Muitos dos meus contos foram criados a partir de histórias que eu escutei na infância. É difícil suportar a pobreza, a vulnerabilidade… e escrita sempre foi a minha válvula de escape. Não sou eu que faço a literatura, é a literatura é que me faz”, contou Conceição, que também aproveitou a ocasião para anunciar a publicação de um livro O silencioso pranto dos homens pela editora Malê. “Nós temos o direito de nos apropriarmos dessa ferramenta que é a escrita e a leitura. Eu vejo que cada vez mais tem essa reviravolta do acesso ao livro como um direito. A flip mudou de cara. Está havendo uma democratização das autorias”, finalizou.
“O céu para os bastardos”, de Lilia Guerra (Todavia)
Autora de Perifobia, Rua do Larguinho e Amor Avenida, a paulistana nos presenteia com mais uma narrativa exemplar que joga luz sobre as dinâmicas de centro e periferia e as problemáticas de poder e acesso que envolvem a nossa sociedade tão desigual. Mas Lilia trata dessas questões com uma sensibilidade e humanidade ímpares.
Sua escrita abre espaço para o sensível que existe na vida entre becos e ruelas. Ela escolhe falar das múltiplas dores e delícias que compõem a jornada das personagens que perdem horas a fio expremidos dentro do transporte público para chegar ao trabalho. Lilia fala sobre “os meninos morrem cedo nas mãos da polícia ou nas guerras do tráfico. Onde paus-d’água, sentados em cadeiras de plástico, são os comentaristas da vida do bairro.” Leitura essencial para ampliar o repertório sobre como o preconceito social e de classe opera.
“O escravo”, Carolina Maria de Jesus (Companhia das Letras)
Escritora incontornável da nossa literatura, Carolina Maria de Jesus ganhou fama por seus diários e cadernos autobiográficos, mas queria mesmo era que seus romances ganhassem o mundo. Infelizmente, nenhum deles foi publicado em vida, mas sua filha Vera Eunice (guardiã dos manuscritos da autora e parte do conselho editorial do Grupo Companhia das Letras junto com Conceição Evaristo) está finalmente realizando o sonho de sua mãe. A proposta é lançar, pelo menos, 20 títulos de Carolina: são contos, poemas, canções, peças de teatro e romances inéditos como “O Escravo”, publicado em meados de dezembro.
O texto escrito na década de 1950 narra a história de amor e desilusão dos primos Rosa e Renato, que, embora apaixonados, acabam seguindo caminhos distintos, sobretudo por pressão da família abastada do rapaz. “Somos escravos de tudo que desêjamos possuir. Ninguem é livre neste mundo”, escreve Carolina. O livro também acompanha trechos do manuscrito original com a caligrafia da autora e conserva a estética da autora. O prefácio é assinado por Denise Carrascosa e posfácio por Fernanda Silva e Sousa.
“Oração para desaparecer”, de Socorro Acioli (Companhia das Letras)
Recém-lançado pela jornalista Socorro Acioli, o livro foi o mais comprado na Flip 2023 pelos leitores que compareceram à Festa Literária em novembro passado. A trama de “Oração para Desaparecer” conta a história de uma mulher que, sem lembrança nenhuma de seu passado, precisa reconstruir a vida em um lugar completamente desconhecido, apenas com a língua portuguesa como porto seguro. A narrativa foi escrita durante uma oficina orientada pelo colombiano Gabriel García Márquez, em 2006, em Cuba. Ela foi a única brasileira aceita para participar do projeto naquele ano.
Além de jornalista e escritora, Socorro é professora, doutora em estudos de literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora da especialização em escrita e criação da Universidade de Fortaleza (Unifor). É autora de mais de vinte livros publicados, entre eles “Ela tem olhos de céu”, que recebeu o prêmio Jabuti de literatura infantil; a coletânea de poemas “Takimadalar, as ilhas invisíveis”.
“Salvar o Fogo”, de Itamar Vieira Junior (Todavia)
O novo lançamento do escritor baiano Itamar Vieira Junior, conhecido pelo sucesso de Torto Arado, mal estreou e já entrou para a lista de best-sellers de Veja. A obra também esteve no ranking dos 10 mais vendidos na Flip 2023. “A leitura é indissociável do processo educacional de qualquer sociedade. Pensar em qualquer movimento de educação sem considerar o livro, sem incluir cultura e arte como parte desse processo, é pensar de maneira incompleta”, defendeu o escritor ao ressaltar a importância de políticas públicas para fomentar a literatura.
Aqui, o autor entrega mais uma ótima narrativa que explora problemas de raça e classe enraizados no nosso contexto rural. A trama ficcional acompanha Moisés, que vive com seu pai e sua irmã em Tapera do Paraguaçu. Tapera é um povoado de agricultores, pescadores e ceramistas de origens afro-indígena que vive ao mando da igreja (dona de um mosteiro construído no século XVII). Órfão de mãe, o protagonista encontra afeto em Luzia, estigmatizada por seus supostos poderes sobrenaturais.
“Se a cidade fosse nossa”, de Joice Berth
Quem tem direito à cidade? Este é o questionamento principal do livro em que arquitetura, urbanismo, crítica racial e feminismo se cruzam. A autora explica a história da formação das cidades brasileiras desde o período colonial deixando evidente as heranças higienistas de cada projeto e repensando os conceitos de centro e periferia. O mais interessante é que ela associa pensamentos de Lina Bo Bardi e Diébédo Francis Kéré referenciando autoras do movimento negro — como Angela Davis, bell hooks e Patrícia Hill Collins — além do educador Paulo Freire e do geógrafo Milton Santos, só para citar alguns. Berth também ousa ao propor alternativas para que os municípios brasileiros deste século possam se transformar no que chama de “espaços de sinergia de saberes” visando uma chance de coexistência sem distinção de gênero, raça, classe ou orientação sexual.