Vedete Zaquia Jorge, que completaria 100 anos em 2024, ganha biografia
Obra escrita por Marcelo Moutinho recupera a história da atriz que desafiou o conservadorismo de sua época
No livro “Estrela de Madureira: A trajetória da vedete Zaquia Jorge, por quem toda a cidade chorou” (Record), o escritor Marcelo Moutinho, vencedor do prêmio Jabuti na categoria de Crônicas, faz sua estreia na biografia ao resgatar a trajetória de uma personagem emblemática dos anos 1940 e 50: a atriz e empresária Zaquia Jorge que, em 2024, faria 100 anos.
Zaquia faleceu afogada aos 33 anos, mas é lembrada como uma mulher que desafiou o conservadorismo de sua época. Ela contracenou com Dercy Gonçalves e Oscarito, alcançou o estrelato no teatro de revista, trabalhou na célebre companhia de Walter Pinto e fundou seu próprio teatro em Madureira, Zona Norte do Rio de Janeiro. Sua trajetória inspirou o samba-enredo da Império Serrado em 1975.
A publicação conta com texto de quarta capa assinado por Ruy Castro e apresentação por Luiz Antonio Simas. O evento de lançamento acontece no próximo sábado (6), às 14h, no Al Farabi do Rio de Janeiro e terá um show do cantor Pedro Paulo Malta com sambas e marchinhas com participação especial da Velha Guarda do Império Serrano.
Estrela de Madureira: A trajetória da vedete Zaquia Jorge, por quem toda a cidade chorou
No centenário de nascimento da vedete e empresária Zaquia Jorge, Estrela de Madureira , de Marcelo Moutinho, nos conduz através de sua fascinante trajetória pelos palcos e bastidores do teatro de revista carioca dos anos 1950.
Leia um trecho do livro “Estrela de Madureira: A trajetória da vedete Zaquia Jorge, por quem toda a cidade chorou” (Record) com exclusividade abaixo:
O teatro e o cinema começavam a consolidar o star system, um dos símbolos dos novos tempos no país em franco processo de urbanização, e acalentavam os sonhos de meninas como Zaquia. O Brasil ainda era um país marcadamente agrícola — apenas 32% das pessoas residiam nas cidades —, mas a densidade populacional começava a mudar. Ao longo da década de 1940, as áreas urbanas teriam um aumento de 46% no número de habitantes, ao passo que nas zonas rurais esse índice foi
de apenas 17%.
Filmes, radionovelas e revistas de fofoca retratavam os principaisartistas — não só seu trabalho profissional, como também a vida paraalém dos holofotes. E o Rio de Janeiro, centro nervoso do país, sentia os efeitos da Política da Boa Vizinhança idealizada pelo presidente Franklin Roosevelt com o objetivo de aproximar os Estados Unidos das nações la-
tino-americanas. Produtos made in USA chegavam em número cada vez maior. Passando a ser fabricados aqui, conquistavam as ruas rapidamente. O Pato Donald ganhara a companhia do Zé Carioca e o Brasil passou a mascar chiclete, a comer hot dog, a beber Coca-Cola. Em cassinos como o da Urca, o do Hotel Copacabana Palace e o do Atlântico, o jogo corria solto, com direito à apresentação de festejadas atrações estrangeiras.
O entorno da praça Floriano, coração da cidade, já era popularmente chamado de Cinelândia em razão de seus luxuosos cinemas, como o Pathé, o Palácio e o Odeon. As salas de projeção serviam como polos irradiadores, fomentando a inauguração de cafés, bares, bombonnières e sorveterias onde os assuntos da vez, da moda à política, da arte ao mexerico, eram exaustivamente discutidos.
Quem preferia o teatro podia rumar para a praça Tiradentes, onde o João Caetano, o Carlos Gomes e o Recreio ofereciam glamour, diversão e um leve aroma de Carnaval. Recém-chegada ao número 79, a Gafieira Estudantina era o ponto de encontro dos pés de valsa, que buscavam um par para dançar de rosto colado. Caminhar pelo centro tornara-se uma prática entre os cariocas.
Foi nessa cidade fervilhante que Zaquia conheceu Oswaldo Salgado Rodriguez. Seis anos mais velho, ele trabalhava como motorista. Oswaldo se encantou pelo sorriso magnético da moça e insistiu nos convites para um encontro até conseguir. A paquera virou namoro, que precedeu o noivado, como era praxe, e redundou em casamento. No dia 14 de outubro de 1942, dois anos após deixar o colégio Maria Raythe, ela se tornava Zaquia Jorge Rodriguez. Com a união, foi morar com o marido em uma pequena casa na rua do Lavradio, na Lapa.
Logo viria o primeiro e único filho. Quando Carlos Alberto nasceu, em 22 de julho de 1943, Zaquia tinha apenas 19 anos. Por pouco tempo, o menino veria os pais juntos. As brigas conjugais haviam se tornado frequentes e ele ainda era um bebê quando ocorreu a separação por alegada incompatibilidade de gênios. O ex-marido rejeitava o comportamento insubmisso de Zaquia e, sobretudo, seu desejo de ser artista.
Na prática, o casamento acabou em 1945, mas a formalização do desquite só se efetivou três anos depois. Em acordo amigável entre as partes, ficou consignado que a guarda de Carlos Alberto caberia ao pai, e Oswaldo assumiu, igualmente, a responsabilidade quanto ao sustento integral do garoto. Zaquia não quis receber pensão alimentícia, mas exigiu retomar
o nome de solteira.
O desquite ainda era um tabu naquele tempo. De acordo com o censo demográfico de 1940, apenas 0,16% da população brasileira se encontrava nessa situação. Em números concretos, 67.183 pessoas em um total de 41.236.315 habitantes.
Separada e sem renda, Zaquia ia à banca toda manhã comprar o Jornal do Brasil. A publicação era chamada jocosamente de “jornal das cozinheiras” por privilegiar os anúncios classificados, em detrimento das notícias. E justamente por isso lhe interessava: Zaquia buscava um emprego. “Estava precisando ganhar a vida (…). Uma amiga me encorajou: ‘Vá até o Recreio e procure o Walter Pinto.’ Cheguei à frente daquele rapaz bonito e ele me perguntou o que eu sabia fazer. ‘Nada’, disse eu. ‘Não
canto, não danço, nem represento.’ O moço gostou da minha franqueza e no outro dia estava contratada”, contaria muitos anos depois ao jornalista Nei Machado, da Última Hora.
A ponte com Walter foi feita pelo dramaturgo Freire Júnior, que Zaquia havia conhecido por intermédio de atrizes amigas da irmã Jamile. O empresário se impressionou com a jovem de cabelos castanho-escuros, olhar expressivo, pernas grossas e quadril largo. Embora medisse apenas 1 metro e 58 centímetros, ela nunca saía sem os sapatos de salto alto, o que
a fazia parecer mais alta. “Venha ensaiar quinta-feira. Você vai estrear na próxima peça”, disse, após firmar o salário: 400 cruzeiros mensais. O valor correspondia ao aluguel de um quarto de pensão no centro da cidade.
||| Lançamento do livro “Estrela de Madureira” | Al Farabi: Rua do Mercado, 34 – Centro, Rio de Janeiro | 23/2, sáb, às 14h | Entrada gratuita