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Dia do Samba: saiba mais sobre a história do gênero musical

Saiba mais sobre como o samba se popularizou no Brasil e se transformou em uma das mais importantes manifestações culturais identitárias do país

Por Beatriz Magalhães
Atualizado em 4 dez 2023, 14h02 - Publicado em 2 dez 2023, 19h08
Cartola em foto para publicação no Diário da Noite, Rio de Janeiro, RJ, 01.07.1957
Cartola em foto para publicação no Diário da Noite, Rio de Janeiro, RJ, 01.07.1957 (Autoria não identificada) (Arquivo Diários Associados/Acervo Instituto Moreira Salles/divulgação)
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Samba de breque, samba rock, samba de terreiro, samba enredo, são várias as nuances dessa mistura de sonoridades que nasceu da união dos batuques, instrumentos de percussão e diversas manifestações culturais da diáspora negra.

Neste dia 2 de dezembro, é comemorado o Dia Nacional do Samba, data estipulada em 1964, graças a uma homenagem do vereador baiano Luís Monteiro da Costa ao compositor Ary Barroso, que escreveu “Na Baixa do Sapateiro”. A data de sua primeira visita marcou assim a origem da celebração.

Apesar de não ter um dia específico de quando surgiu o gênero musical, o processo de formação começou no século XIX, com a vinda dos povos negros escravizados ao país. “Não tem como falar sobre a origem do samba sem falar sobre o processo de formação da identidade cultural do Brasil, que é baseado nas culturas negras da diáspora”, afirma Vinícius Natal, sambista, graduado em História pela UFF, mestre e doutor em Antropologia pela UFRJ. Em conversa exclusiva com a Bravo!, um dos curadores da mostra Pequenas Áfricas: o Rio que o samba inventou, em exposição no IMS Paulista, conta sobre a história e impactos na cultura desta obra-prima oral e imaterial da humanidade.

 

Qual a origem do samba?

Segundo informações da Enciclopédia Itaú Cultural, no final do século XVI, com a chegada dos povos negros escravizados de Angola e do Congo, ocorreram as primeiras manifestações culturais que originaram o samba, incluindo o lundu.

O lundu pode ser manifestado de duas formas: o lundu-canção, ligado à estrutura musical, e por outro lado, o lundu-dança, relacionado à coreografia conhecida na época como “umbigada” ou “semba”, que mais tarde ganhou o nome de samba.

A palavra semba, vem da língua quimbundo, de Angola, que em tradução livre significa “o corpo do homem que entra em contato com o corpo da mulher ao nível da barriga”. Já o ritmo musical, que é uma das manifestações que antecedem a origem do que conhecemos hoje como samba, era dado por meio da batida com os pés ou com palmas.

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Além do lundu, o choro, polca e maxixe, com tamanha mistura de manifestações sociais e culturais africanas e afro-baianas, o samba surgiu em meio a esse conjunto de expressões musicais e consolidou-se como gênero musical e ritmo de dança no Rio de Janeiro, por volta do início do século XX. “O samba é um dos principais pilares formadores da cultura brasileira. Não tem como falar de cultura nacional sem falar do samba”, comenta o historiador.

A popularização e consolidação do samba passou a ganhar maior representatividade por meio da matriz urbana carioca. Entretanto, tamanha expansão ocorreu graças aos elementos desenvolvidos nas áreas rurais do Recôncavo Baiano, conhecido também como o berço do samba, onde a chula, manifestação caracterizada pelas rodas de canto e dança, também foi fincada nas raízes dos batuques de umbigada.

Com a migração dos povos negros da Bahia para o Rio de Janeiro, após diversas revoltas lideradas, principalmente, pelos Nagôs (Iorubas) e Haussás que contribuíram com a pressão para assinar a Lei Áurea (1888), o samba passou por um embalo crescente como novo ritmo da música popular urbana.

Uma das regiões que marcaram essa formação foi a Zona Portuária do Rio, que passou a ser conhecida como “Pequena África”. O termo foi cunhado pelo artista Heitor dos Prazeres, para se referir à região que concentrava uma numerosa população afrodescendente.

A importância das tias na formação do samba no Rio de Janeiro

Até então, “samba” era um termo usado para denominar festas populares e depois passou a caracterizar as rodas de batuque no Rio de Janeiro. Os encontros aconteciam nos terreiros das mulheres negras vindas da Bahia e ligadas ao candomblé, conhecidas como “tias”.

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Uma das casas mais conhecidas da época foi a de Hilária Batista de Almeida, sambista e mãe de santo conhecida como Tia Ciata, onde passaram grandes nomes como Pixinguinha e Donga. Foi na casa dela que a primeira música registrada como samba foi criada, escrita pelo músico Ernesto Joaquim Maria dos Santos, ou Donga, surgiu assim “Pelo Telefone”, em 1916.

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Partitura para canto e piano do samba carnavalesco “Pelo telefone”. Rio de Janeiro: Instituto de Artes Graphicas, s.d./ Coleção José Ramos Tinhorão/Acervo Instituto Moreira Salles (Donga e Mauro de Almeida) (Coleção José Ramos Tinhorão/Acervo Instituto Moreira Salles/divulgação)

Além de Tia Ciata, outras baianas representaram um importante papel na criação do samba, como Tia Amélia do Aragão, mãe de Donga, Tia Perciliana, mãe do compositor João da Baiana, que gravou “Batuque na Cozinha” (1917). João, inclusive, vivenciou o período de grande estigma social e aversão ao gênero musical pela elite da Primeira República, tendo sido preso na época por andar com um pandeiro.

Juntamente com os músicos Pixinguinha e Donga, os três marcaram a história como importantes figuras precursoras do samba, e consequentemente, da música e cultura nacional: conhecidos como a “Santíssima Trindade” do samba. Alguns deles tiveram participação no Grupo do Caxangá (1913), Oito Batutas (1922) e no conjunto da Velha Guarda (1956).

 

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Tia Amélia do Aragão, mãe de Donga, s.d./Instituto Donga (Autoria não identificada) (Instituto Donga/divulgação)

A extinção do regime escravocrata sem a criação de políticas de inserção dos povos escravizados, seja no mercado de trabalho ou com o acesso a garantias básicas de sobrevivência, gerou migrações em massa para a capital do país na época. Além disso, a tentativa de reformar o Rio de Janeiro para ficar semelhante a Paris causou a demolição de diversos cortiços e casarões que abrigavam famílias em situações de vulnerabilidade.

Com tamanha movimentação de imigrantes e ex-escravizados, parte dessa população passou a procurar refúgio em regiões afastadas da capital, e a expulsão deu início ao processo de surgimento das favelas cariocas. Foi durante este mesmo período que ocorreu uma grande expansão das religiões de matrizes africanas, das rodas de samba e também da capoeira.

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A conexão entre o gênero musical e as religiões de matriz africana configura um conjunto de símbolos culturais afro-diaspóricos, segundo Vinícius Natal. “Religião, fé e samba, enquanto prática cultural e simbólica, é representante de uma comunidade e população”.

Mesmo com a lei da “vadiagem“, que determinava a prisão de qualquer prática ligada à cultura africana, incluindo posse de instrumentos de percussão, a população negra foi, mais uma vez, símbolo de resistência, e continuou a se reunir nas casas de matriarcas baianas, ou “baianas do samba”, reverenciadas até hoje nos desfiles de escola de samba.

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Os Oito Batutas: da esquerda para a direita: Jacó Palmieri, Donga, José Alves, Nelson Alves, Raul Palmieri, Luís de Oliveira, China e Pixinguinha, 1919
Coleção José Ramos Tinhorão/Acervo Instituto Moreira Salles (Autoria não identificada) (divulgação/divulgação)

Durante esses encontros, que ganharam cada vez mais força, que surgiu o partido-alto, gênero derivado do samba, marcado por versos improvisados, estribilho fixo e tambores.

O preconceito associado ao samba está muito conectado à intolerância contra a cultura negra no Brasil, afirma o especialista Vinícius Natal. “Temos uma série de mecanismos legais criados no final do século XIX que condicionam a cultura negra a um papel subalterno. O samba está dentro desse nicho. Até hoje, muitas pessoas consideram sambistas ‘vagabundos’, ou que não têm algo culturalmente relevante para o Brasil, mas muito pelo contrário. O estigma do samba é um estigma contra a cultura negra no Brasil”.

A popularização do samba e seus desdobramentos na música brasileira

Na época dos “loucos anos 20”, com a crescente modernização política, econômica e cultural, o samba também vivenciou transformações. Diferentes instrumentos passam a ser incorporados nas músicas, como o tamborim, cuíca, surdo e pandeiro, especialmente com a canção “Na Pavuna” (1929), do compositor Almirante.

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Antes, o teor musical parecido com o maxixe, passou a ser batucado. As influências sonoras culminaram com a fundação das primeiras escolas de samba e consequentemente, com os blocos de rua.

“As escolas de samba, por exemplo, foram fundadas no início do século XX dentro dos principais terreiros da comunidade do Rio de Janeiro. Temos a Tia Fé, como uma liderança feminina importante, mãe de santo da Mangueira, Tia Cirene em Vila Isabel, Tia Maria no Império Serrano, Dona Esther da Portela. Todas essas escolas de samba nasceram dentro de terreiros e acabam trazendo muito dessa experiência pra dentro do seu cotidiano do fazer musical”, pontua Vinícius.

“Temos os três tambores que são utilizados no Candomblé e na Umbanda, na escola de samba são três surdos de marcação. Surdo de primeira, segundo e o de terceira que corta as outras duas. Tem uma formação musical que dialoga o tempo todo, não só a formação, mas as pessoas que tocam. Os sambistas estão dialogando o tempo todo com as culturas de terreiro, estão entre o terreiro de samba e o terreiro de santo“, finaliza.

Já durante o regime nacionalista de Getúlio Vargas (1930-1945), elementos da cultura brasileira começaram a ser mais reforçados pelo Estado Novo. A popularização do rádio também contribuiu com a expansão do samba, que passou a atrair a classe média carioca, e com uma roupagem embranquecida, cantores como Noel Rosa, Francisco Alves, Ary Barroso e Carmen Miranda contribuíram com uma maior aceitação do gênero.

A indústria fonográfica deu um salto nessa época, conhecida como “Era de Ouro” da música brasileira. Artistas como Wilson Batista, Cartola e Aracy de Almeida entraram para a história do samba, juntamente com sambistas da Turma do Estácio, composto por figuras como Ismael Silva, Nílton Bastos, Alcebíades (Bide), João Mina e Marçal. O grupo foi o responsável por fundar a primeira escola de samba carioca, no Morro de São Carlos, a Deixa Falar.

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“Gosto de destacar o papel protagonista dos sambistas que formularam o samba e dialogaram com a indústria fonográfica e com o Estado. São pensadores, intelectuais e articulares políticos muito potentes que fizeram algo desde o final do século XIX – e que estamos debatendo até hoje. Isso é muito importante. O samba conta uma outra história do Brasil que não passa pelos salões aristocráticos, mas passa pelos terreiros, comunidades e locais em que pobres e negros vivem na cidade”, finaliza o historiador.

 

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Carnaval – Bloco Cacique de Ramos, Rio de Janeiro, 1966/Acervo FMIS/RJ (Erno Schneider) (Augusto Malta/divulgação)
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