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Mocidade Unida da Mooca e o sonho de ascender ao Grupo Especial

Escola de samba paulistana homenageará a intelectual Helena Theodoro, neste domingo (11/2), em desfile no Grupo de Acesso

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 19 fev 2024, 18h33 - Publicado em 8 fev 2024, 10h00
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 (Humberto Maruchel/fotografia)
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Para o carnavalesco paulista Caio Araújo, o Carnaval começa fora de época. Há dois anos no comando criativo da escola Mocidade Unida da Mooca (MUM), ele inicia os trabalhos cerca de 20 dias após os festejos que tomam conta do país. É o tempo que ele tem para descansar antes de fundar uma nova jornada para o Carnaval do ano seguinte. Nessas semanas de pausa, são também aventados os temas para o próximo ano. Dali em diante, é uma corrida contra o tempo. O carnavalesco desenvolve uma profunda pesquisa no assunto, que servirá de base para os compositores no samba-enredo e, claro, no desenvolvimento das alegorias.

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Montagem dos carros alegóricos da MUM. (Humberto Maruchel / fotografia / Caio Araújo/arquivo pessoal)

Para 2024, tanto Caio quanto toda a comunidade que faz parte da Mocidade Unida da Mooca têm um desejo em comum: levar a escola para o Grupo Especial, a categoria mais alta do desfile de Carnaval, o grupo de elite, um lugar que a MUM ainda não ocupou desde que foi fundada, em 1987, no tradicional bairro da Zona Leste que dá nome à escola. São três categorias principais: o Grupo Especial, o Grupo de Acesso e o Grupo de Acesso 2. Além dessas, há as subcategorias: os grupos de acesso de bairros. Para os iniciantes na dinâmica carnavalesca, todos os anos as duas escolas com melhores classificações ascendem em hierarquia. E o contrário também acontece: as com piores avaliações são rebaixadas para o grupo inferior. Por enquanto, a MUM integra o Grupo de Acesso.

Há vários motivos para querer fazer parte do Grupo Especial, Caio explica. “No Grupo Especial, ganhamos uma estrutura muito maior, passamos a ocupar a Fábrica do Samba. Além disso, essa classificação oferece muito mais visibilidade, já que os desfiles são televisionados.” Já na Fábrica de Samba é possível transportar os carros montados para o Sambódromo.

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Ilustração de Caio Araújo para desfile de 2024. (Caio Araújo/arquivo pessoal)

Atualmente, a escola de Caio ocupa a Fábrica de Samba 2, localizada na Zona Norte, próxima ao Sambódromo do Anhembi. Faltam alguns dias para o desfile da Mocidade Unida da Mooca, que acontecerá no dia 11, domingo. Uma semana antes de ocuparem a avenida, a organização começa a levar as peças dos carros alegóricos. Em um amplo terreno em frente ao Sambódromo, dezenas de escolas se organizam e dividem o espaço. Em função do tamanho das estruturas, que chegam a alcançar 15 metros de altura, toda a montagem é feita ali. Os carros ficam ao relento, debaixo de vento e chuva e os profissionais se revezam para tomar conta dos materiais. Para muitos deles, a montagem é a parte mais chata do Carnaval. “Os carros precisam chegar muito cedo para serem montados. Como eles são muito altos, não conseguem ser transportados dos barracões até o Anhembi. Nossas alegorias saem de dentro do Barracão com 5 metros de altura e no máximo 8 metros de largura. Quando montamos os carros, elas chegam a 15 metros de altura e até 11 metros de largura”, compartilha o carnavalesco.

O abre-alas, composto por três carros, já está instalado no terreno e alcança 40 metros de comprimento. Cada um dos carros é movido por força humana. “Em São Paulo é muito raro termos motor em carro alegórico. Essa é, inclusive, parte da tradição do Carnaval daqui; que ele seja empurrado por pessoas da comunidade.” No caso da MUM, cada carro será levado por 30 pessoas; membros da comunidade e funcionários contratados.

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Montagem do carro no terreno em frente ao Sambódromo. (Caio Araújo/arquivo pessoal)

Boa parte dos materiais é composta por isopor, ferro e tecidos. Quando o Carnaval termina, as peças recebem um novo destino. “Se não vamos reutilizar, vendemos ou doamos para outras escolas. Se uma escultura de isopor não será mais utilizada, ela é completamente desfeita e encaminhada para reciclagem.” Essa é uma prática que tem sido desenvolvida ao longo dos últimos anos, relata o carnavalesco.

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Oyá Helena

Se há uma característica predominante em todas as escolas é a vaidade do pertencimento. Para a MUM, há também o orgulho de ter autonomia na escolha de seus temas. “A Mocidade Unida da Mooca tem a tradição de trazer enredos que sejam culturalmente relevantes e de valorização de pessoas pretas. A Mooca já falou sobre Abdias Nascimento (ator, poeta e ex-senador, falecido em 2011). No ano passado falamos sobre o Chaguinhas (Francisco José das Chagas, militar negro nos tempos do Brasil Império), que é um personagem histórico muito importante para o bairro da Liberdade.”

Dessa vez não foi diferente. A inspiração para o samba-enredo deste ano surgiu de uma notícia que destacava Helena Theodoro, 80, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde os anos 1980, Helena se consolidou como uma das principais defensoras e preservadoras da cultura negra, tanto no meio acadêmico quanto na mídia, incluindo participações em programas de rádio. “Esta é a maior honra que já recebi na vida”, afirma a professora em entrevista por telefone em menção ao samba em sua homenagem. Na última semana, ela participou do ensaio técnico e desfilou por toda a avenida. No domingo, repetirá a dose, mas dessa vez em cima de um dos carros.

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Ilustração de Caio Araújo para desfile de 2024. (Caio Araújo/arquivo pessoal)

A trajetória de Helena é marcada por muitas conquistas. Filha de dois intelectuais envolvidos com o movimento negro, seu pai era economista e sua mãe, intérprete de inglês. “Sou, de certa forma, um produto desse casal que sempre me incentivou a estudar e a compreender os conhecimentos do mundo judaico-cristão, sem nunca deixar de valorizar minha tradição cultural e herança do Egito e da Babilônia. Aspectos que muitas vezes são negligenciados no ambiente escolar”, revela.

Inicialmente, cursou Direito na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), na década de 1960, onde em uma sala de 150 estudantes havia apenas dois estudantes negros. Mais tarde, obteve mestrado em Educação na UGF (Universidade Gama Filho) – e concluiu seu doutorado em Filosofia na UFRJ. Sua tese de doutorado foi pioneira ao abordar a cultura do samba e do candomblé como manifestações filosóficas. Durante sua carreira acadêmica, Helena também apresentou diversos programas na Rádio MEC, onde buscava compartilhar arte, história e cultura afro-brasileira com o público. Durante o período da ditadura, enfrentou a censura e foi obrigada a limitar-se a programas musicais.

Um aspecto especial que a escola decidiu destacar foi a conexão de Helena com os orixás, especialmente com Iansã, de sua devoção, divindade guerreira que simboliza a força dos ventos. “Focamos na relação íntima que ela tem com seu orixá de cabeça, Iansã. Começamos a enxergar em Iansã as características que levaram Helena a alcançar seus feitos. No primeiro setor do desfile, por exemplo, exploramos os poderes dela: o raio e a tempestade. E ali colocamos Helena, uma verdadeira tempestade em pessoa: uma mulher negra, nos anos 80, que revolucionou o sistema de ensino nas universidades brasileiras. Antes de sua atuação, não havia representações bibliográficas negras nessas instituições. Helena enfrentou desafios e promoveu mudanças muito importantes”, explicou Caio Araújo.

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Peça das alegorias, MUM 2024. (Caio Araújo/arquivo pessoal)

Para seguir adiante com o enredo, era necessário pedir permissões. Primeiro, para Helena, que aceitou alegremente o convite. Em seguida, precisavam da aprovação dos orixás. “Se uma escola aborda qualquer tema ligado à religiosidade afro-brasileira, aos orixás, é fundamental que você preste os devidos cuidados. É preciso ter permissão e falar da maneira corretamente sobre eles”, conta Caio. Na prática, isso envolve ir a um terreiro, conversar com o responsável e iniciar o processo de comunicação espiritual e prestar homenagens durante todo o processo para nada dar errado. Felizmente, para a Mocidade Unida da Mooca, a autorização foi dada.

“A relação das escolas de samba com as religiões de matrizes africanas é muito íntima. Não podemos esquecer que o samba e a construção das escolas são produtos de uma intelectualidade preta e flerta o tempo inteiro com a religiosidade brasileira. Não há como dissociar uma coisa da outra. Toda escola tem seu terreiro e presta suas devidas obrigações ao longo do ano”, diz Caio.

De Parintins para São Paulo

Botar os carros na avenida requer muita mão de obra. São Paulo e Rio de Janeiro ganharam imenso destaque nos últimos anos com os seus desfiles exuberantes, mas esse formato deve muito a outra tradição, que vem do Norte do País. Cerca de 40 pessoas compõem a equipe da MUM. Desses, 25 são serralheiros, pintores e marceneiros vindos de Parintins, no Amazonas, onde são responsáveis pela produção do Festival de Parintins.

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Alegorias na Fábrica do Samba 2. (Caio Araújo/arquivo pessoal)

Para Caio, não há muito mistério por trás dessa escolha. “São os melhores. Muito do que o Carnaval, tanto de São Paulo quanto do Rio, alcançou em termos visuais se deve à contribuição dos profissionais de Parintins. Eles desenvolveram essa tecnologia, criando esculturas que são grandes marionetes e se movimentam por cabos e roldanas internas. O Salgueiro, em 1998, apresentou um enredo sobre Parintins, trazendo pela primeira vez esses profissionais para trabalharem no Carnaval. A partir desse momento, houve uma grande mudança na estética na festa do Rio e de São Paulo.”

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Alegorias na Fábrica do Samba 2. (Caio Araújo/arquivo pessoal)

Os profissionais passam a maior parte do ano fora de suas casas. Trabalham cerca de 8 meses no Carnaval de outros estados, voltam no fim de março para colocar de pé o grande Festival de Parintins, que ocorre em junho.

Confiança e perrengue andam de mãos dadas. E do último não faltou para a MUM. O maior deles foi um princípio de incêndio no Galpão, em setembro, que destruiu algumas fantasias. Tiveram que refazê-las sem deixar o trabalho atrasar. Em 2023, o sufoco foi ainda maior: antes de iniciarem o desfile, dois carros foram derrubados pela ventania três dias antes do desfile. Tiveram que contar com ajuda de pessoas da comunidade para colocá-los novamente de pé.

Desta vez, com o trabalho adiantado, eles estão confiantes de que conseguirão a qualificação para o Grupo Especial. Afinal, parece que os ventos estão a favor. “Todas as escolas de samba trabalham com esse objetivo. Toda a comunidade de uma escola de samba sonha em alcançá-lo”, conclui Caio.

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