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Cat Power canta Bob Dylan: “Foi o artista que mais me impactou”

A artista apresenta o álbum "Cat Power sings Dylan: the 1966 Royal Albert Hall Concert", no C6 Fest, em São Paulo

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 17 Maio 2024, 12h12 - Publicado em 17 Maio 2024, 10h00
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 (C6 fest/divulgação)
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Cat Power se tornou algo muito além de um nome de banda ou um apelido artístico. Transformou-se em um símbolo de subversão e revolução. Por trás dessa máscara, está Chan Marshall, cantora e compositora americana, que canaliza o vigor musical dos anos 1960, que se estendeu até a década de 1980. Ela se apresenta como uma artista remanescente do velho rock’n and roll, fazendo as coisas à sua maneira e no seu próprio ritmo. Suas músicas são fortemente influenciadas pelo folk e pelo rock alternativo. E apesar de manter um estilo alternativo, já conquistou multidões ao redor do mundo. O álbum The Greatest é uma das maiores pérolas musicais dos anos 2000, marcada por uma melancolia que, hoje, Chan afirma que já não a acompanha como quando era mais jovem.

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A edição de 2023 do C6 Fest, no parque Ibirapuera (C6 Fest/divulgação)

Um exemplo de seu impacto poderá ser visto no seu show no C6 Fest, em São Paulo, em 19 de maio. Nele, a artista irá interpretar seu último álbum, Cat Power Sings Bob Dylan. Não se trata de um repertório qualquer, mas da reprodução do icônico show que Bob Dylan realizou em 1966, no Royal Albert Hall, em Londres. São 15 canções, poucas delas conhecidas pelo grande público, com exceção de “Mr. Tambourine Man” e “Like a Rolling Stone”. Com uma voz grave, um pouco rouca, mas potente, Chan interpreta as músicas como se estivesse deslizando por um chão escorregadio, lentamente e com um forte toque romântico. O disco, claro, é uma manifestação do amor de Chan por Bob, numa maneira única de expressar a influência do poeta e compositor em sua carreira.

O charme das músicas de Cat Power está na sua personalidade imutável e no estilo meditativo que facilmente nos acompanha em nossos deslocamentos pela cidade, como uma trilha sonora de fundo, que dificilmente enjoamos. Talvez essa seja sua maneira distinta de se conectar com o público; saber como se introjetar em nossos cotidianos.

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Cat Power em 2002 quando se apresentou pela primeira vez no Brasil (Teatro Sesi/divulgação)

Bravo! conversou rapidamente com Chan alguns dias antes de sua apresentação em São Paulo. Embora o diálogo tenha sido breve, um pouco confuso (num bom sentido), houve transparência e delicadeza em suas respostas. Confira como foi a conversa.

Gostaria de saber um pouco sobre seu processo de composição. Qual é a sua abordagem ao escrever e como você navega por diferentes emoções na sua música?

A música vem para mim como uma coceira que eu preciso coçar, é urgente. Algo no meu estômago, como “Meu Deus, não consigo me concentrar. Preciso ir para um piano ou guitarra o mais rápido possível, fugir das pessoas.” É como se houvesse algo que precisa ser alimentado. A música e as palavras surgem ao mesmo tempo, e pronto, leva cerca de cinco minutos e está feito. Isso simplesmente sai em um fluxo de consciência. Sempre foi assim. E se eu voltar a isso, se eu lembrar e acreditar, gostar, sentir fortemente sobre isso, então eu decido que é uma música. Tenho muitas que nunca gravei ou toquei.

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Você costuma usar materiais externos, como livros ou outros artistas? Sei que Bob Dylan é uma influência clara na sua vida e carreira.

Provavelmente tenho quase todos os livros sobre Bob Dylan. Não li nenhum. O mesmo acontece com Patti Smith, porque, sabe, uma hora eles não estarão mais nesta dimensão. Isso pode soar ignorante. Músicos de jazz provavelmente diriam isso sobre como eu toco, porque escolhi não aprender música, mas quero aprender depois. Mas eu não uso nada como inspiração. Apenas corro para o piano ou guitarra e simplesmente vou. Não uso nada.

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(Cat Power canta Bob Dylan/reprodução)

Pode falar um pouco sobre sua relação com a música de Bob Dylan e como ela influenciou sua jornada pessoal?

Bob estava presente na minha infância e sempre foi o artista que mais me impactou, eu diria. Houve outros, claro, mas procurei canções para me ajudar a lidar com o mundo em certos momentos da minha vida. No fundo da minha mente, eu sabia que ele andava por aí quando era muito jovem cantando canções com uma guitarra na mão. Meu subconsciente sabia que isso era algo que podia ser feito; ele viajando pelo mundo, tendo bandas, fazendo diferentes turnês constantemente, trabalhando e gravando constantemente. Definitivamente, ele criou o meu trabalho.

Você tem uma música favorita de Bob Dylan?

Quando alguém me diz que não o conhece ou não gosta dele, eu sempre recorro a uma música chamada “To Ramona”. Acho que é o ponto de partida perfeito, porque é o começo e se você já ouviu outras canções, que é o motivo pelo qual não gostam, como todas as populares como “Blowin’ in the Wind”, etc. Sempre cito essa música e, toda vez, ela os transforma em fãs assim que ouvem essa canção. Eles sempre mudam de opinião e aprendem mais sobre Bob. Porque essa música é tão pessoal. Oferece tanta compaixão e há uma vulnerabilidade nas palavras, na escrita. Acho que isso estimula o ouvinte a não ser insensível, a não ser cínico.

Além disso, sei que você tem uma forte conexão com o Brasil e morou aqui por um tempo, certo? E como está sendo voltar para cá?

Bem, eu queria morar aí. Estava prestes a comprar uma casa velha muito barata no topo de Santa Teresa por volta de 2002, 2003. E por razões pessoais, decidi escolher Miami, que era mais perto do meu melhor amigo. Não conhecia ninguém no Rio, tinha dois amigos em São Paulo, então não queria morar sozinha, mas nunca realmente morei lá. Mas qual era a sua pergunta mesmo? Desculpe.

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Então, como é se apresentar aqui novamente?

Ah, meu Deus. É incrível. As pessoas demonstram tanto amor, um amor genuíno e direto do coração. Recebi cartas, flores, poemas, coisas diferentes das pessoas do Brasil em diferentes shows que fiz aí. Passei a noite inteira me divertindo com as pessoas, elas são tão calorosas. E são pessoas muito filosóficas, o que você geralmente encontra, sabe, na França ou na Alemanha. Há esse contexto filosófico na cultura deles também, mas eles não são tão calorosos. Os brasileiros são calorosos. Têm uma presença verdadeira.

Eu estava dizendo a uma senhora mais cedo que não tenho certeza se é por causa da terra. Acho que talvez seja devido a todas as plantas medicinais, centenas de milhares de plantas medicinais que vêm desse país, dessa área, e toda a água que entra e sai, essa energia, há algo meio espiritual. Seja o que for, acho que todos vocês estão carregados dessa energia. É algo muito poderoso.

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(Rede Abril/divulgação)

Nunca esqueço a vez que você veio a São Paulo para se apresentar quase de surpresa no metrô anos atrás (em 2014) e quase te vi, pois fazia parte do meu trajeto.

Foi incrível, meu Deus, foi puro punk e rock and roll. Parecia que éramos pessoas das cavernas, pessoas antigas das cavernas. Não sei como descrever. Parecia algo ancestral acontecendo. Mas muito natural e saudável. Como se fôssemos parte de alguma tribo ou bando. Foi ótimo. Foi uma experiência maravilhosa.

Você nunca se absteve de falar ou expressar suas opiniões sobre questões além da música, como política ou, mais recentemente, os conflitos em Gaza. Isso teve algum custo na sua carreira?

Acho que sim. Era muito mais difícil na época do Occupy Wall Street, por volta de 2012-13. Lembro que perdi 10 mil seguidores em um dia quando houve um tiroteio policial, Michael Brown, e fui a Ferguson (no Missouri) tentar arrecadar dinheiro para as pessoas que estavam sendo presas. Consegui arrecadar cerca de $53 mil para tirar os manifestantes da cadeia porque eles estavam sendo presos todas as noites. Mas lembro que parei de usar meu Twitter e praticamente parei de usar o Facebook porque diferentes hackers entravam e assumiam o controle. Eles apagavam minhas mensagens com diferentes ativistas ao redor do mundo, removiam seguidores. Eles desviavam muito a atenção.

Agora me importo menos com os algoritmos porque sei que estão trabalhando contra todos nós agora. Continuo com shadowban (termo que refere a um bloqueio que diminui a visualização das postagens de um usuário do Instagram), que a maioria das pessoas que conheço está com shadowban, mas não importa porque se você seguir em frente, está tudo bem. Acho que todos estamos sendo observados agora, essa é a realidade. Agora é uma questão global, essa tecnologia, o telefone. Está infiltrado. Agora eles têm inteligência artificial, tudo isso nos rastreando e eu simplesmente não tenho tempo para me preocupar com essa merda e ninguém tem tempo. Dane-se eles. Entende?

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Temos coisas mais importantes para fazer do que nos preocupar com pessoas que nem conhecemos, que trabalham para alguma corporação. Realmente não importa para mim, desde que eu possa continuar trabalhando e conhecendo pessoas e sendo gentil e oferecendo. Espalhar coragem, esse é realmente o objetivo, espalhar uma espécie de ausência de medo, porque só temos medo do medo. E podemos abolir o medo dentro de nós. Não é fácil, mas sabe, uma vez que você remove o medo de seus processos de pensamento, você pode objetificá-lo, e se fizer isso, então podemos aproveitar a vida.

Como você acha que podemos enfrentar esse medo que sentimos?

Acho que devemos objetificá-lo e olhá-lo. Se você está em apuros e há um problema, número um: Lembre-se de que o sol vai nascer. Qualquer ansiedade, está gastando tempo pensando nisso, durma sobre isso porque essa ansiedade é uma reação de gatilho. Pense nisso amanhã, mas objetifique essa ansiedade em um pequeno saco de papel e vá ao trabalho. Você pode pegar esse saco de papel de ansiedade amanhã. Não haverá ansiedade nele, mas enquanto você for capaz de pegar a ansiedade e colocá-la figurativamente fora do seu corpo, apenas crie um pequeno saco de papel ilusório, coloque sua ansiedade nele e seja gentil consigo mesmo. Respire fundo e foque no que é importante e amanhã abra o saco de ansiedade. Não haverá ansiedade nele.

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anos 2010, Chan Marshall (Rede Abril/divulgação)

Tenho uma pergunta mais pessoal. Você notou mudanças significativas em si desde que se tornou mãe?

Sim. Minha gravadora me dispensou quando eu estava grávida. Quero dizer, quando tive meu filho. E minha vida inteira mudou, minha carreira inteira evaporou. Foi muito difícil por dois anos. E eu basicamente tive que recomeçar. Não me arrependo de nada, não guardo ressentimentos, estou muito feliz agora. Parte da jornada de chegar ao ponto em que você está em sua vida é se manter presente. ‘Oh, uau, há uma enorme montanha na minha frente’, se você pode se concentrar no que há bom e nutrir o bem da sua vida, essa montanha fica menor e menor. Estar presente e passar por essas coisas, mas ser mãe, poder receber esse amor, é incomparável. Receber essa nova força que eu não achava possível, apenas sendo mãe. Isso simplesmente acontece com você desde o momento em que você segura seu filho. Mesmo quando você tem um cachorrinho, sabe o que estou dizendo? Ou um afilhado, ou um sobrinho, uma sobrinha, quando isso acontece com você, você recebe aquele amor, você se torna automaticamente uma pessoa mais forte. É um novo mundo, aquela força que você tem e é lindo porque é muito orgânico. É parte da vida.

Você sente que sua música mudou nesse processo?

Acho que não. Acho que ainda sou, seja isso bom ou ruim, certo ou errado, ainda sou praticamente a mesma pessoa. Só que agora sou mais forte. Sou muito mais destemida do que antes. Eu já era bem forte, mas estava cansada. Agora, não me importo se estou cansada. Mas não acho que isso realmente tenha mudado minha música, os meus motivos para fazer música. Só que agora consigo lidar com muito mais. Consigo lidar com a dor de forma diferente. Seja a dor social, física. Consigo lidar com as coisas mais facilmente agora.

Acho que, geneticamente, porque o DNA dele está ligado ao meu DNA, o DNA das crianças está ligado ao da mãe por cerca de 10 anos, acho que porque tenho parte da molécula dele ou o que quer que seja ligado ao meu. Isso me ajudou, não sei, sou como uma versão melhorada de mim mesma. Por causa dele.

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Sei que nosso tempo acabou, mas gostaria de perguntar se seu filho tem uma música favorita sua?

Sim, espere. Ah, cara, droga (tentando lembrar). Ele gosta de “Woman”. Essa é a favorita dele. Ah, e ele gosta de “Human Being”, do álbum “The Sun”. É, essas duas.

Bravo!: Muito obrigado pelo seu tempo.

Chan: Obrigada a você. E lembre-se: seja gentil consigo mesmo. Só alegria, sem medo.

C6 fest

De 17 a 19 de maio
Parque Ibirapuera
Av. Pedro Álvares Cabral, Vila Mariana, São Paulo
Ingressos a partir de R$240

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