Como nasceu a Bossa Nova
Tom e Vinicius convidam Elizeth Cardoso para gravar o LP que projetou a música brasileira para o mundo
Tom Jobim já tinha virado parceiro de Vinicius, já havia reencontrado João Gilberto e ficado fascinado com suas composições. Faltava pouco para que um novo es- tilo musical surgisse. Faltava misturar a genialidade de Tom, a poesia de Vinicius, a batida diferente de João e colocar tudo isso numa voz de peso. Foi o que aconteceu. O Bar Villariño, no centro do Rio, onde Tom conheceu o poeta, novamente seria testemunha de grandes acontecimentos da música brasileira. Em1958, os parceiros se encontraram lá com Elizeth Cardoso, por intermédio de Irineu Garcia. Ele, que havia criado o selo Festa, convenceu Elizeth a gravar um disco somente com composições de Tom e Vinicius. Ela, por sua vez, torceu o nariz. Mas a proposta era tentadora – havia a promessa de uma orquestra sofisticada, com trompa, oboé e clarone, além da batida de João Gilberto nas canções “Chega de Saudade” e “Outra Vez”. Elizeth cedeu e a Bossa Nova nasceu.
O LP Canção do Amor Demais foi gravado no estúdio Colúmbia e lançado na primeira semana de julho de 1958. Elizeth trouxe sorte, pois alguns meses mais tarde Lenita Bruno e Silvinha Telles também gravariam discos só com músicas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes – “Por Toda Minha Vida” e “Amor de Gente Moça” respectivamente. Nenhum deles, no entanto, fez tanto sucesso quanto o de Elizeth, que tinha João Gilberto com o samba-manifesto Desafinado, de Tom e Newton Mendonça.
Aloysio de Oliveira gravou pela Odeon e o LP foi distribuído nas lojas em março, marcando o lançamento oficial da Bossa Nova. Ary Barroso rendeu-se aos encantos da Bossa Nova e disse num programa de TV: “Tom Jobim é disparado o melhor de todos os novos compositores brasileiros”.
Os elogios de Ary fizeram com que Tom fosse parar mais uma vez na televisão, dessa vez num programa semanal de entrevistas, dirigido por Carlos Thiré, chamado O Bom Tom, sucesso de audiência na TV Paulista. Depois de revelar toda sua genialidade, o próximo passo do destino era tornar Tom conhecido no mundo. A pedido do então presidente Juscelino Kubitschek viajou à futura capital, Brasília, com Vinicius para compor uma sinfonia. Brasília, Sinfonia da Alvorada só foi ouvida em disco, pois a festa de inauguração havia sido cancelada por falta de verba. Uma curiosidade: somente em 1986, a música dos parceiros foi apresentada ao vivo, regida por Alceu Bocchino, na Praça dos Três Poderes.
A escalada para o reconhecimento internacional não foi difícil, porque Tom não parava de compor. Em 1961, João Gilberto lançou o segundo disco com nada menos que seis músicas do maestro brasileiro, entre elas “Meditação”, “Discussão” e o hino “Samba de Uma Nota Só”, que ele fez em parceria com Newton Mendonça.
“Peguei aquele avião, eu não queria sair do Brasil, fui à força. O barco da Bossa Nova vai bater num rochedo e afundar”
Tom Jobim
O encontro
“Este é o encontro…”, dizia a primeira voz.
Segunda voz: “…com Tom…”
Terceira voz:… Vinicius”.
Quarta voz: “…João Gilberto”.
Com um coro de vozes afinadas dos cantores do conjunto Os Cariocas começava em agosto de 1962 o show O Encontro, na boate Au Bon Gourmet, no Rio de Janeiro. A santíssima trindade da Bossa Nova reunia-se no palco pela primeira vez para estrear “o show dos shows” e nele apresentar ao mundo a canção “Garota de Ipanema” – até hoje a música brasileira mais executada no planeta. Vinicius de Moraes também fazia sua estréia particular como cantor, carreira inicia da graças a autorização dada pelo Itamaraty, então principal emprego do poetinha. A reunião dos gênios foi organizada pelo empresário Flávio Ramos.
O show, previsto para durar um mês, teve casa cheia todas as noites e foi esticado por mais duas semanas. Terminou porque os participantes estavam esgotados. O show não tinha hora certa para começar e João Gilberto estava sempre atrasado e fora do ar. Além de “Garota de Ipanema”, outros quatro grandes clássicos da Bossa Nova foram estreados no show:” Só Danço Samba”, de Tom e Vinicius; “Samba do Avião”, de Tom; “Samba da Benção” e “O Astronauta”, de Baden Powell e Vinicius.
Dá para imaginar a reação da platéia quando, na noite de estréia, João Gilberto cantou: “Tom, e se você fizesse agora uma canção, que possa nos dizer, contar o que é o amor?”
E Tom respondia: “Olha, Joãozinho, eu não saberia, sem Vinicius, para fazer a poesia….”
Vinicius, então, engatava: “Para essa canção se realizar, quem dera o João para cantar…”
“Ah, mas quem sou eu”, respondia João modesto.
“Eu sou mais vocês. Melhor se nós cantássemos os três…”
“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela menina, que vem e que passa…”
A vida em Nova York
Poucos meses antes do show Encontro, dois americanos – o saxofonista Stan Getz e o guitarrista Charlie Byrd – gravaram o LP Jazz Samba, com a música “Desafinado”, que ficou durante semanas entre os mais vendidos dos Estados Unidos. Getz, que revolucionou a história do Jazz, foi um dos responsáveis em difundir a Bossa Nova no mundo ao vender mais de 1 milhão de discos.
Depois desse disco, a canção “Desafinado” foi executada por dezenas de intérpretes americanos e os gringos se renderam àquela batida diferente e cheia de charme e inovação. Além da ajuda de Getz, o show O Encontro foi visto por Sidney Frey, dono da gravadora americana Audio Fidelity Records. Fascinado com a turma, ele convidou Tom, João Gilberto e outros músicos, como Bola Sete, Carmem Costa, Luis Bonfá e o quarteto de Oscar Castro Neves para uma apresentação em Nova York.
A consolidação da Bossa Nova na América aconteceu no famoso Carnegie Hall, num show em 21 de novembro de 1962. Tom quase desistiu de ir, depois que fi cou sabendo que artistas não convidados poderiam se apresentar. Estava tudo muito desorganizado, advertiu Aloysio de Oliveira, com medo de que o maestro se queimasse nos Estados Unidos. Mas o compositor foi pressionado pelo Itamaraty e acabou pegando o avião no mesmo dia do show. “Peguei aquele avião, eu não queria sair do Brasil, fui à força. O barco da Bossa Nova vai bater num rochedo e afundar”, disse Tom na época. A apresentação realmente não foi das mais organizadas, contudo os músicos da Bossa Nova foram aplaudidos de pé pelos americanos que assistiram ao espetáculo.
Aos 36 anos, Tom Jobim não voltou de Nova York, pois surgiram outros compromissos, outras apresentações que consolidariam ainda mais sua carreira internacional. Mandou buscar a mulher, Thereza, que ficou com ele lá até julho de 1963. Depois do Carnegie Hall, o maestro se apresentou no The Village Gate, no Listener’s Auditorium, em Washingnton. Recebeu elogios do Washingnton Post e tocou com o saxofonista Gerry Mulligan, que mais tarde tornou-se parceiro do argentino Astor Piazzola. Um novo (e glorioso) ciclo começava na vida de Tom Jobim.