O legado teatral de Bob Wilson e a sua relação afetuosa com o Brasil
O encenador estadunidense morreu aos 83 anos; a notícia foi confirmada pelo Watermill Center, centro fundado pelo diretor em Nova York

Nesta quinta-feira, dia 31 de julho, profissionais e amantes das artes cênicas foram surpreendidos com a morte do encenador Bob Wilson, aos 83 anos. A notícia foi confirmada pelo Watermill Center, centro fundado pelo diretor em Nova York. Sua morte teria decorrido de uma “uma doença curta, porém intensa”, afirma a nota. Representa o fim de uma era para o teatro mundial, marcada pela força e linguagem de grandes encenadores.
Nascido em 1941 no Texas (EUA), ele ficou conhecido como o maior diretor de teatro de vanguarda. Colaborou com compositores renomados como Tom Waits e Philip Glass.
Gay assumido, Wilson declarou que teve uma infância marcada pela repressão de uma família conservadora. O primeiro contato com as artes se deu por aquilo que consideram um pequeno defeito: sua gagueira. Até que conheceu uma instrutora de dança que sugeriu que ele tivesse uma atenção especial ao seu corpo e que isso poderia ajudá-lo a falar com mais tranquilidade. “Pouco depois de conhecer Bird Hoffman, ela sugeriu que eu desacelerasse minha fala como forma de corrigir a gagueira, e pronunciava as palavras muito, muito devagar. Ela disse que eu deveria ir para casa e pensar sobre isso — e eu pensei. Em cerca de seis semanas, eu já havia superado a gagueira, mais ou menos. Era como se eu estivesse acelerando sem sair do lugar (..) Acho que foi a primeira vez na vida que conheci uma artista de verdade”, chegou a dizer em entrevista ao site 032c.
Levaria um pouco mais de tempo até que cedesse à sua inclinação artística. No fim da década de 1950 estudou administração de empresas na Universidade do Texas. Nos anos 1960, ele se muda definitivamente para Nova York. Nesses anos, ele transita para a arquitetura na Pratt Institute, começa seu envolvimento com a performance e até mesmo trabalha como recreador em uma instituição para pessoas com doenças terminais, o Hospital Goldwater Memorial.
Lá, inclusive, criou uma espécie de performance que tinha como intuito trazer alívio aos internos. Ele deu início a uma série de experiências teatrais com pessoas marginalizadas pelo sistema de saúde. Com sensibilidade e um olhar artístico apurado, ele criava pequenas ações poéticas com os pacientes, como conectar bastões bucais com fios fluorescentes para que pudessem “dançar” juntos, mesmo imobilizados em pulmões de aço. Nesse ambiente, Bob descobriu a potência do gesto mínimo e da escuta atenta, elementos que viriam a marcar toda a sua trajetória como encenador.

Como declarou a cineasta Robyn Brentano ao site Frieze: “Eu percebia que ele tinha uma forma especial de se conectar com as pessoas: levava os pacientes até a janela para observarem os barcos no rio, pedia que escutassem o barulho do vapor nos canos ou que prestassem atenção no crescimento das plantas no solário. Bob criou uma peça com pacientes com poliomielite que estavam em pulmões de aço, e cujo único movimento possível era através dos bastões bucais que usavam para desenhar ou virar as páginas de um livro. Um dia, ele mandou levar as camas desses pacientes para a sala de convivência e conectou seus bastões bucais com fios, para que pudessem “dançar” juntos. Ele escureceu o ambiente e fez os fios brilharem com luz negra. Foi uma experiência muito comovente.”
Ele se inspirou especialmente pelo trabalho de coreógrafos inovadores como Balanchine, Cunningham e Martha Graham. já no final daquela década, ele passou a ganhar reconhecimento por suas obras de caráter experimental junto ao grupo Byrd Hoffman School of Byrds, fundado por ele em 1968 em homenagem à professora que o ajudou a superar a gagueira. Foi com o coletivo que marcou o início de suas investigações cênicas radicais. Sua primeira peça, Baby Blood foi uma obra solo apresentada em seu loft, iluminada apenas por velas. No espaço, um fio suspenso com argolas metálicas cruzava o ambiente, movimentado ocasionalmente pelo dançarino Andy de Groat, parceiro de Wilson.

Foi com esse grupo que dirigiu suas primeiras obras de destaque, como The King of Spain e The Life and Times of Sigmund Freud. Em 1972, apresentou no Irã a maratona performática KA MOUNTAIN AND GUARDenia TERRACE, encenada ininterruptamente por sete dias e seis noites, ao ar livre, num ousado gesto de fusão entre arte, tempo e paisagem.
No início da década de 1970, Wilson também passou a se dedicar à ópera, e em parceria com Philip Glass e Lucinda Childs criou Einstein on the Beach, seu trabalho mais notório, que revolucionou o gênero com sua estrutura não linear e visualidade hipnótica. A partir de então, passou a colaborar com importantes teatros e casas de ópera da Europa.
A relação com o Brasil
Wilson parecia ter muito carinho pelo Brasil. Ele esteve diversas vezes no Brasil. Sua primeira produção por aqui foi com a ópera A Vida e Época de Dave Clark (1974), apresentada no Theatro Municipal de São Paulo, que sofreu censura da época, fazendo com que o nome do personagem principal fosse alterado de Josef Stalin para Dave Clark.
Em 2009, o encenador dirigiu a peça Quartett, estrelada por Isabelle Huppert, e em 2012 apresentou a exposição Video Portraits, com vídeos de celebridades como Brad Pitt, Johnny Depp e Dita Von Teese. No mesmo período, a companhia alemã Berliner Ensemble, sob sua direção, montou A Ópera dos Três Vinténs e Lulu, apresentadas no Sesc Pinheiros em São Paulo. Em 2016, ele dirigiu a peça Garrincha, que reinterpretou a vida do famoso jogador de futebol como uma tragédia grega, explorando luz e movimento.
Robert Wilson causou grande repercussão no Brasil com sua montagem de A Dama do Mar, de Henrik Ibsen, apresentada nos espaços do Sesc Santos e Sesc Pinheiros, em São Paulo. Com um elenco totalmente brasileiro, o espetáculo contou com as atrizes Ligia Cortez, Ondina Clais Castilho, Bete Coelho, Luis Damasceno e Felipe Sacon. Essa produção destacou-se pela combinação do universo visual singular de Wilson com a força do teatro nacional, oferecendo uma experiência intensa e sensível ao público local. Além disso, Wilson encenou a ópera Macbeth, de Verdi, no Teatro Municipal de São Paulo, com regência do maestro Abel Rocha.

Em 2014, estreou no Brasil The Old Woman – A Velha, peça absurda do escritor russo Daniil Kharms, com a presença do bailarino Mikhail Baryshnikov e do ator Willem Dafoe. Com sua estética característica — luzes cromáticas, simetrias e coreografias detalhadas —, Wilson rejeitou interpretações psicológicas e optou por explorar o movimento antes do texto, valorizando a corporalidade quase animal dos intérpretes.
Wilson manteve a busca por rotas inesperadas até o fim da vida. Ele inspirou-se especialmente em princípios do teatro japonês clássico e no comportamento animal para criar uma linguagem que privilegiava a formalidade e a abstração emocional, dando espaço para que o público encontrasse seu próprio sentido. Segundo ele, dançarinos pensam com seus corpos, e são um pouco como animais. “Quando um cachorro vai em direção a um pássaro, ele não está pensando naquilo, ele está ouvindo com seu corpo inteiro”, chegou a dizer na entrevista ao 032c.
Com tantos feitos, a imagem e influência de Bob Wilson certamente permanecerá vivo nos artistas por todo o mundo.
