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‘Mostra Brasil Futuro’ e série ‘Bori’, de Ayrson Heráclito, chegam ao MAR

Exposições inauguraram no último sábado (9/11) e são ótima opção de passeio cultural para as férias

Por João Victor Guimarães
Atualizado em 12 dez 2023, 13h29 - Publicado em 12 dez 2023, 13h28
Mostra Brasil Futuro chega ao Museu de Arte do Rio (MAR) (MAR/divulgação)
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A Brasil Futuro: As formas da Democracia foi pensada em razão da vitória eleitoral do atual Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva e tem de desdobrado em diferentes frentes desde então. Em entrevista recente à Bravo!, Lilia Schwarcz, uma das curadoras e vencedora do Prêmio Jabuti 2023, declarou que a exposição foi o formato de celebração escolhido porque “os artistas tiveram e têm um papel fundamental na denúncia, na delação, mas no afeto também. É o afeto que nos une”. Ainda segundo a antropóloga: “A ideia é que a cada vez que a exposição pousar para uma nova versão, ela se abra para curadores e artistas locais”. E assim foi feito!

A exposição acaba de desembarcar no Museu de Arte do Rio (MAR) com mais de 250 de obras (18 delas nunca antes expostas ao público) de artistas como Daiara Tukano, Djanira, Mestre Didi, Denilson Baniwa, O Bastardo e Tarsila do Amaral. Mas antes de aterrisar em terras cariocas, a exposição esteve em Brasília, Belém e Salvador, onde incorporou trabalhos do Acervo da Laje (fundado e representado por Vilma Santos e José Eduardo Santos) e do ZUMVÍ Arquivo Afro-fotográfico, atualmente formado e representado por Lázaro Roberto e José Carlos Ferreira. Tanto o Acervo da Laje quanto o ZUMVÍ, além de participarem da exposição também fizeram a curadoria da mostra. Essa busca pela prática de uma curadoria aberta, horizontal e democrática faz parte do projeto artístico que não se satisfaz apenas apresentando uma narrativa sobre democracia, mas sim busca estabelecê-la.

Brasil Futuro consta também com uma busca pela equidade, destacando artistas negros, indígenas, periféricos, LGBTQIAPN+, do Norte e Nordeste do país. Aliás, na mesma conversa, Lilia afirmouo desejo de fazer um percurso diferente do percurso tradicional que privilegia o sudeste. “Primeiro porque nós achamos justo, já que o governo Lula deve muito ao Nordeste. Mas também fizemos isso por uma questão política: as nossas histórias ainda são muito sudestinas. Ou seja, o Sudeste fala pela nação. Não pode ser assim, né?”

No entanto, sabemos que a inclusão não deve ser medida pelo discurso da curadoria, mas sobretudo pela prática institucional. Nesse sentido, a produção da exposição Brasil Futuro demonstra um raro respeito, coerência e senso de justiça na relação que estabelece com os/as trabalhadores/as da mostra. Tal coerência é demonstrada, por exemplo, com a adoção de uma carga horária e remuneração justas para os/as profissionais envolvidos/as, sejam parte da curadoria, montagem, produção, limpeza, segurança, transporte ou classe artística. Ainda é uma raridade encontrar no Brasil um produto cultural verdadeiramente consciente e justo nas relações trabalhistas que estabelece, por isso vale ressaltar a postura adotada pela mostra.

Ainda sobre o processo de curadoria conjunta, horizontal e democrática, José Eduardo Santos, do Acervo da Laje, afirmou em entrevista à Bravo! que “a gente se cuidou, a gente se tratou, a gente delegou coisas, a gente pensou tudo ali junto. Não teve o olhar da pessoa individual, tudo foi junto desde o início, porque não queríamos reduzir o Acervo da Laje a uma experiência de projetos sociais, por exemplo. Estamos lidando com estética, e as estéticas da periferia têm uma coisa que ainda não está nos grandes museus”.

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Ocupação “Bori” chega ao MAR (MAR/divulgação)

Só recentemente estão chegando aos grandes museus manifestações, obras e reflexões como as propostas por Ayrson Heráclito na série  Bori, em cartaz simultaneamente na individual Agô – Ayrson Heráclito (que marca a inauguração do Museu de Arte Contemporânea da Bahia – MAC_Bahia) e, desde o último sábado, 9/12, também no MAR.

A ocupação apresenta fotografias em uma extensa pesquisa do artista sobre a cultura iorubá, que acontece desde 2006, e também contempla o lançamento do filme Iwano Bori, – oferenda para a cabeça cósmica, do diretor Lula Buarque de Hollanda, um registro poético da performance apresentada na Pinacoteca de São Paulo, em 2022.

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Bori talvez seja o trabalho mais conhecido do artista. Atravessando o chão e as paredes dos museus, imagens da série já chegaram até as telas de bloqueio dos celulares de brasileiros e apresenta uma produção rara e impactante para quem reconhece o valor das culturas afro-brasileiras, especialmente para quem é de terreiro. Segundo Heráclito, “a ação consiste em oferecer comidas à cabeça de doze performers, sendo esses representações dos doze orixás do candomblé. Dar comida para a cabeça é nutrir nossa alma. Alimentar a cabeça com comidas para os deuses é evocar proteção”, afirma o artista em conversa com a Bravo!.

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Série “Bori” no MAC_Bahia (MAC_Bahia/divulgação)

Está, portanto, no cerne da performance, a concepção da natureza como promotora do bem-estar físico, espiritual e material, uma vez que os alimentos são presentes da natureza e também presentes dos orixás. Bori apresenta muito bem a perspectiva filosófica segundo a qual o mundo material, palpável, promove e sustenta o diálogo com o mundo espiritual, que também reside no palpável. O candomblé, além de religião, é também pilar fundador e fundamental das filosofias afro-brasileiras, segundo as quais, por exemplo, o bom da vida não está somente no paraíso, no distante inalcançável, como nos faz crer a perspectiva euro-cristã.

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A vida material também merece enaltecimento, beleza, prazer, mansidão e promove tudo isso. Inúmeras expressões culturais e conquistas históricas se dão e se deram a partir dessa perspectiva. O corpo e todo o mundo material não promovem tentações (ou não apenas). Guiam ao bem-estar, à celebração, à dança, à música, à preservação de valores filosóficos, gastronômicos, religiosos dissipados ao longo da diáspora. Bori alimenta a cabeça e a alma com alimentos com os quais nutrimos também o corpo. A medida da distância, se existe, é outra. E o mundo sente isso.

Ao se deparar com a série Bori (disponível para visitação até 7 de janeiro de 2024), o público é impactado pela beleza das fotografias mas também com a proximidade entre elas e o universo religioso, cultural, filosófico, estético e gastronômico de Salvador e de parte considerável do Brasil muito bem apresentado na mostra Brasil Futuro: As Formas da Democracia (em cartaz até 3 março de 2024), através daquilo que a artista Rosana Paulino chama de “culturaS negraS”. Cuja régua e compasso foram e são dadas, sobretudo, pela Bahia.

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