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Retrospectiva de Cecilia Vicuña na Pinacoteca faz ode à revolução

Com mais de 200 obras que abrangem os 60 anos de sua produção, a mostra reflete questões políticas, sociais e ambientais

Por Beatriz Lourenço
Atualizado em 5 jun 2024, 21h47 - Publicado em 27 Maio 2024, 10h00

Cecilia Vicuña cresceu em La Florida, no Chile. Por se tratar uma comunidade remota, precisou aflorar sua imaginação ainda na infância para brincar em meio a bosques e animais. O som dos pássaros e da natureza eram sua sinfonia diária e, por isso, o mundo silvestre se tornou tão importante quanto sua família. Aos 18 anos, a artista ingressou na escola de arquitetura da Universidade do Chile, em Santiago, mas, posteriormente, mudou-se para a escola de Belas Artes, onde começou a produzir poemas e pinturas.

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Unir a todos el pueblo contra la dictadura, 1876 (Pinacoteca do Estado de São Paulo/reprodução)

Hoje, aos 76, Cecilia apresenta, na Pina Contemporânea, a exposição “Cecilia Vicuña: Sonhar a água – uma retrospectiva do futuro”. A mostra, com curadoria de Miguel A. López, reúne cerca de 200 obras que abrangem os 60 anos de sua produção. 

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O panorama foi originalmente organizado pelo Museu Nacional de Bellas Artes de Santiago do Chile. Depois, itinerou para o MALBA, em Buenos Aires, antes de chegar à Pinacoteca de São Paulo. Segundo Vicuña, suas criações não são somente depoimentos sobre o passado, mas um lembrete para o público de que ainda é possível transformar o mundo. “Nossas células são antecipatórias, temos a habilidade de prever o que vai acontecer e, por mais que a sociedade ocidental tente apagar isso, ainda há pessoas sensíveis”, declara, em coletiva de imprensa em que Bravo! esteve presente. 

“Decidi não ser colonizada e sei que muitos jovens pensam assim. É preciso ser forte e não ter medo, já que é ele o causador do ódio.”

Cecília Vicuña
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Las lágrimas de Tara (una oración por el mundo), 2021 (Pinacoteca do Estado de São Paulo/reprodução)

O público pode esperar obras que ressaltam o compromisso com as lutas populares, o respeito aos direitos humanos e a proteção ambiental. Há, ainda, pinturas e poemas que desafiam a lógica patriarcal e o controle ocidental. As peças incluem mulheres que protestam nas ruas, filosofia andina, ativistas feministas, personagens políticos e folclore popular.

Ao todo, são oito núcleos expositivos que abarcam trabalhos importantes de sua carreira, como o manifesto No, que deu origem a Tribu No, um grupo de jovens artistas e poetas de Santiago que, como ela, buscavam expressar sua oposição às forças conservadoras do Chile. Há, ainda, imagens e obras do grupo “Artistas pela democracia”, fundado por Vicuña para mobilizar artistas e intelectuais contra a ditadura militar chilena — a artista, inclusive, vive no exílio desde 1970, ano do golpe que depôs o presidente Salvador Allende. Entre os destaques também estão a instalação “Quipu menstrual” (2006), criação site-specific para a Pina, e a obra “Fidel e Allende” (1972), exposta apenas nessa etapa da itinerância. 

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“Quipu menstrual” (2006) (Levi Fanan / Pinacoteca de São Paulo/divulgação)

Cecilia se impressiona com a repercussão de sua trajetória já que, para ela, é comum ser desconhecida. “Sou muito velha. Isso significa que cresci em uma época em que ser artista e marginal era natural. Quando Miguel veio com a ideia de mostrar ao público o que eu fazia, fiquei desconfiada. Foi uma surpresa feliz sentir que a minha busca, sonho e investigação afetaram mais pessoas”, afirma.

Essa não é a primeira vez que Cecilia Vicuña ocupa a Pinacoteca. Ela esteve anteriormente na exposição “Mulheres radicais: arte latino-americana, 1960-1985”, realizada em 2018. 

Abaixo, o curador Miguel A. López explica três obras da exposição “Cecilia Vicuña: Sonhar a água – uma retrospectiva do futuro”:

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Bendígame mamita, 1978 (Pinacoteca do Estado de São Paulo/reprodução)
  • “Bendigame Mamita” (1978)  

“Essa pintura é uma homenagem a sua mãe. Ela mostra as fases da vida e memórias que mais a representavam. Há imagens do casamento, da gravidez, do exílio e a representação de uma mãe cantora.”

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Amor, 1968 (Pinacoteca do Estado de São Paulo/reprodução)
  • “Amor” (1968)

“Aqui, Cecília reclama a sexualidade. Ela retrata seu parceiro e, no lugar da região genital, há a palavra ‘poesia’. Isso porque ela acredita que a poesia sai do sexo e se torna um motor político e social.”

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Fidel y Allende, 1972 (Pinacoteca do Estado de São Paulo/reprodução)
  • “Fidel e Allende” (1972)

“Cecilia pinta o encontro desses dois políticos como uma possibilidade de colaboração revolucionária. Primeiro, a artista imaginou um encontro erótico. A pintura original tinha a perna de Fidel sem roupa, assim como o braço de Allende. Mas os líderes de esquerda reclamaram que ela estava insinuando o que estava acontecendo, até que ela pintou uma calça. É preciso lembrar que a esquerda tradicional era muito patriarcal e masculina.”

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Vaso de leche, 1979 (Levi Fanan / Pinacoteca de São Paulo/divulgação)
Cecília Vicunã: Sonhar a água – uma retrospectiva de futuro

Em cartaz de 18/5 a 15/9/2024
Edifício Pina Contemporânea (Grande Galeria)
De quarta a segunda, das 10h às 18h (entrada até 17h)
Gratuitos aos sábados – R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia-entrada), ingresso único com acesso aos três edifícios – válido somente para o dia marcado no ingresso
Quintas-feiras com horário estendido B3 na Pina Luz, das 10h às 20h (gratuito a partir das 18h)

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