Lô Borges mostra sua alegria de viver nas telas
Documentário “Lô Borges: Toda Essa Água” estreia na 18ª CineOP fazendo homenagem afetuosa ao lendário músico mineiro
O músico Lô Borges passou pela 18ª edição da CineOP, a Mostra de Cinema de Ouro Preto, com um magnetismo difícil de não ser percebido. Falando para uma grande plateia antes da estreia do documentário Toda Essa Água, ou, horas antes, para um pequeno grupo de jornalistas que acompanhava sua coletiva de imprensa, o mineiro cativa com a sinceridade que conta histórias, com a simplicidade que encara a vida e que transparece com muita vivacidade através do olhar.
No documentário de Rodrigo de Oliveira, diretor de filmes como Os Primeiros Soldados e Todos os Paulos do Mundo, Lô repete a mesma felicidade ao lado de seus familiares e também de amigos como Milton Nascimento, Beto Guedes, Nelson Angelo, lembrando com muito amor dos seus momentos íntimos em casa, das primeiras composições e do sucesso ainda muito jovem, tornando o documentário em uma homenagem agradável, um arquivo aberto de sua memória e também um olhar para seu frutífero presente, com um ritmo de composições e lançamentos maior do que nunca.
“Estou ficando um pouquinho preocupado com o tanto de músicas que estou fazendo”, Lô diz, em tom de brincadeira. Então, começa a contar uma história: “Semana passada eu estava na Serra do Cipó, tomando banho de rio, nadando no frio. Só eu entrava na água, todos me diziam que eu estava ficando maluco! E eu fiz nove músicas em quatro dias! Semana passada! Estamos no final de junho e já compus dois discos!”
Seu álbum mais recente é Não me Espere na Estação, lançado em janeiro deste ano. O trabalho faz parte do que pode ser considerada a terceira efervescência criativa de Lô, que desde 2019 tem lançado um álbum por ano. Gravado a partir da turnê Tênis + Clube, em que Lô Borges tocava músicas de seu primeiro disco solo e também as canções do Clube da Esquina, é neste contexto que o filme se dá.
“A ideia original era fazer o filme em torno do show do Tênis. Fui assisti-lo em São Paulo, nos conhecemos e combinamos de nos encontrar em Belo Horizonte. Lá, fomos ao CCBB tomar um vinho, pertinho da casa dele. Ficamos próximos muito rápido, a química rolou, até que o Lô me levou na casa dele porque queria me mostrar um negócio”, conta Rodrigo de Oliveira. “Ao mesmo tempo que estava com a turnê, ele estava compondo as músicas do que viria a ser Rio da Lua, disco que lançou em 2019. Ele mostrou as músicas e na hora percebi que o filme era isso: esse cara que está revisitando o comecinho da carreira dele, quando não tinha nem 20 anos, ao mesmo tempo que está compondo músicas novas.”
“Semana passada eu estava na Serra do Cipó, tomando banho de rio, nadando no frio. Só eu entrava na água, todos me diziam que eu estava ficando maluco! E eu fiz nove músicas em quatro dias! Semana passada! Estamos no final de junho e já compus dois discos!”
Lô Borges
Produtora de grandes sucessos, como O Palhaço, e de independentes como o atual Medusa, Vânia Catani já havia trabalhado com Rodrigo no documentário sobre a vida de Paulo José quando reencontrou Lô Borges na turnê Tênis + Clube: “Fui assistir ao show no Circo Voador e fiquei doida. Passou o filme da minha vida diante dos meus olhos, a trilha sonora da minha geração. Eu tinha acabado de ganhar um dinheiro por um filme e aí falei com o Rodrigo sem saber se ele gostaria da ideia. Ele me disse que era louco pelo Lô, que o pai dele colocava as músicas para ouvir enquanto andava em seu Corcel, e aí pronto.”
Para Vânia, Toda Essa Água é um filme feito por fãs. “O Rodrigo e eu viramos essa dupla de fazer filmes de pessoas, filmes de afeto, filmes que não pretendem dar conta de tudo, de contar tudo. Não são reportagens, não são biografias, são presentes, homenagens”. Lô, é claro, adorou: “Para mim, foi um grande presente. Na hora pensei, pô, nunca ninguém me chamou para fazer um filme, vou topar correndo!”
Agora que chegou aos 70 anos, e com a vida de seu grande companheiro Milton Nascimento também sendo celebrada, Lô afirma que tem recebido diversas homenagens: “Me convidaram para fazer um show na Filarmônica de Belo Horizonte acompanhado de 70 músicos! Pô, nunca me convidaram, claro que topei! Coisa boa a gente aceita, presente bom a gente gosta.”
Falando sobre os encontros do filme, ele conta: “Marcamos coisas muito interessantes, encontrei com amigos maravilhosos, fui à casa do Bituca em Juiz de Fora, na casa do Beto Guedes em Santa Tereza, na casa em que nasci, onde o Clube da Esquina nasceu… Gravamos com meu filho, com os músicos da banda do Tênis… Era uma fotografia do momento, mas também um retorno à minha infância, aos meus pais, à minha vida.”
“O filme se chama Toda Essa Água porque ele fala pra caramba sobre coisas que, acho, ele nunca tinha falado tão abertamente”, diz Rodrigo. “Não é só a vitalidade da produção, é uma poética inteira sendo desenvolvida ao longo de uma vida, que não está explicada nem só nos filmes do passado, nem nos discos do passado, nem no presente.”
Preservação e memória
Um dos principais pilares de debate da Mostra de Cinema de Ouro Preto, a preservação da memória se refletiu não somente nas conversas sobre restauro e suas possibilidades socioeducativas, mas também na própria temática da curadoria, que debateu principalmente, mas não só, a música preta brasileira.
No entanto, de todos os documentários sobre medalhões da música brasileira apresentados na CineOP, apenas Paulinho da Viola e Lô Borges ainda estão vivos, enquanto outros, como Lupicínio Rodrigues e Nelson Sargento, caíram de certa forma em um ostracismo da nossa memória, se é que em algum momento suas vidas foram devidamente celebradas pela beleza e importância de suas obras, não apenas em documentários mas em críticas e sucesso de público.
Observando a situação, Vânia Catani faz paralelos com o próprio cinema brasileiro: “Considero a nossa indústria cinematográfica muito etarista. Nós temos que pensar na preservação das pessoas que fazem cinema, não apenas de preservar e restaurar os filmes. Pensar também em como restaurar carreiras inteiras de pessoas que já foram jovens talentos, como o Rodrigo e o Lô”. Então, exemplifica: “Se o Lô fosse cineasta, certamente não estaria fazendo três filmes por ano. Na música ele é independente, pode fazer a produção dele. Já um artista no mesmo nível de genialidade, mas no cinema, infelizmente não estaria fazendo nada na idade do Lô, e muitas vezes dependendo de vaquinhas para algum eventual problema de saúde. Eu tenho certeza que todos eles gostariam de estar filmando, e está cada vez mais difícil para eles. Sempre foi, e agora também tem essa mentalidade nos festivais. Os curadores preferem os jovens talentos.”
“Considero a nossa indústria cinematográfica muito etarista. Nós temos que pensar na preservação das pessoas que fazem cinema, não apenas de preservar e restaurar os filmes. Pensar também em como restaurar carreiras inteiras de pessoas que já foram jovens talentos, como o Rodrigo e o Lô”
Vânia Catani
Sobre Toda Essa Água, ela continua: “Então, estou achando muito bom que tenha saído agora, porque se tivesse saído antes da pandemia eu não estaria com essas reflexões tão claras para pegar carona nessa vitalidade criativa do Lô, para pedir, clamar atenção aos nossos artistas, aos nossos cineastas geniais que produziram intensamente e que estão incapacitados de produzir. Que se destine um valor desse fundo setorial que nós temos, é tanto dinheiro que tem, que se fala que tem, um valor para esses mestres, para esses maestros pararem de recorrer a editais, sem concorrer na mesma raia que uma pessoa de primeiro ou segundo filme. Tem que fazer uma linha para essa gente, tem que fazer com que o cinema brasileiro possa nos brindar com obras, porque o talento não envelhece. Os sonhos também não, né, Lô? Então, se o talento não envelhece e os sonhos também não, vão produzir música, cinema, tudo!”
Lô, é claro, sorri, e concordando, diz: “Em 2024 vou lançar um disco chamado A Estrada, com letras do Márcio Borges, todo baseado em violões com afinação de viola caipira. E aí estou pensando em rever minha relação com a gravadora também, porque estou fazendo mais discos do que tenho anos para lançá-los. Estou sempre com dois ou três discos um pouco na frente do que a gravadora quer lançar, que é um por ano. Eu faço três discos por ano, então preciso de três gravadoras [risos].”
Então, conclui: “Eu gosto de compor, é a forma de eu me expressar diante do mundo. É uma coisa que tenho desde criança, eu gosto muito de compor, independente se a música tocou no rádio, se não tocou, se foi para a TV, se fez sucesso. Estou fazendo músicas para hoje, para meus bisnetos, se Deus quiser. Meu sonho é meu bisneto falar que o bisavô dele era foda, que compunha música pra caralho!”
Toda Essa Água chega ao circuito nacional em breve.