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Por que “O Cortiço” é considerado o melhor romance de Aluísio Azevedo?

Autor foge às armadilhas do naturalismo e, fazendo do espaço coletivo o grande personagem de seu romance, compõe uma narrativa cheia de interesse

Por Redação Bravo!
13 jun 2024, 10h00
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Habitações pobres como estas, da rua da Alfândega, no Rio, remontam à criação do escritor maranhense (Acervo Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro/arquivo)
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Caricaturista, jornalista, diplomata e romancista, Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo era filho de vice-cônsul português. Nasceu em São Luís do Maranhão, em 1857, e morreu em Buenos Aires, em 1913. Durante a mocidade, estudou e trabalhou, como caixeiro e guarda-livros, em sua cidade natal, período em que já revelava interesse por desenho e pintura, cujas técnicas empregaria na caracterização dos personagens de seus romances. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1876, juntando-se ao irmão mais velho, o comediógrafo Arthur de Azevedo (1855-1908).

Com a morte do pai, em 1878, Aluísio Azevedo voltou a São Luís e começou a carreira de escritor, com a publicação do romance romântico Uma Lágrima de Mulher (1879). Abolicionista, anticlerical e crítico da sociedade maranhense, ajudou a fundar o jornal O Pensador. Em 1881, lançou o romance O Mulato, que foi mal recebido na sociedade local por tratar com linguagem franca do preconceito racial. Em contrapartida, causou alvoroço na corte, o que fez com que Aluísio voltasse ao Rio, decidido a ganhar a vida como escritor. Foi nos folhetins dos jornais da época que passou a publicar seus romances, como Casa de Pensão (1884) e O Cortiço (1890).

O livro é considerado seu melhor romance. Foi escrito pouco antes de o autor decidir abandonar a literatura e dedicar-se exclusivamente à atividade diplomática. A obra, mais do que contar a história dos personagens, trata da ambição e exploração do homem pelo homem, por meio da rivalidade entre o ganancioso comerciante João Romão e o próspero comendador Miranda. Enquanto João Romão aspira à riqueza, Miranda, já rico, ambiciona a fidalguia. Entre os dois está a gentalha. E o próprio cortiço.

No fundo, esse espaço coletivo, fundado por João Romão a fim de ganhar dinheiro com os aluguéis das casinhas de baixo custo, é o personagem principal da história. E o autor tinha plena consciência desse fato, como demonstra esta passagem: “Eram cinco horas da manhã, e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas […] as pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha”. A pouca distância do cortiço, o comendador Miranda mora com a mulher e filha num sobrado. A proximidade do pobre condomínio incomoda o comendador, que por sua vez incomoda João Romão.

O Cortiço se insere na linha do romance naturalista que, importado da Europa, fazia sucesso na época. Em busca da objetividade da ciência, o ficcionista deveria tratar seus personagens como se sob a lente do microscópio. Sujeitos ao destino cego das “leis naturais” e do determinismo biológico, eles acabam muitas vezes transformando-se em meros tipos ou… defuntos! É o maior divulgador da corrente naturalista, o francês Émile Zola, quem diz, a respeito de seu romance Thérèse Raquin: “Fiz simplesmente em dois corpos vivos o trabalho analítico que os cirurgiões fazem em cadáveres”. Ao privilegiar o espaço coletivo do cortiço, Aluísio sem querer consegue fugir ao reducionismo psicológico da escola (um dos seus pontos mais fracos) e criar um romance de grande interesse, não só social, mas artístico.

Este texto faz parte da coleção especial “100 livros essenciais da literatura”, publicada pela Bravo! em 2008

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