13 de maio: você é contra ou a favor da grande mentira?
A mentirosa versão dos colonizadores pelo mundo conseguiu replicar distorções que viraram universais

Fomos enganados. Quem ainda insiste em crer na maior parte da versão da história brasileira que estudamos na escola está com peças ineficazes nas mãos, para compreender o jogo da nossa vida cultural, política, econômica, sociológica enfim. Indo direto ao ponto, afirmo neste artigo que a questão da negritude, digo, a necessidade urgente de um movimento antirracista por parte dos pensadores, em especial daqueles pensadores desacostumados a ter acesso à história verdadeira.
Afirmo que a negritude não é pauta identitária, é pauta fundamental do mundo. Não se restringe somente aos negros. O que foi feito de versões perniciosas, maléficas, para fins de domínio, contra a imagem da África e com grande parte de seus territórios foi muito violento.
Poderíamos enumerar incontáveis provas dessa violência, mas talvez a que menos percebamos é a que causa maior estrago, porque sustenta teoricamente atitudes atrozes, e a mentira das narrativas, as distorções simbólicas, a denominação e tentativa de subalternização de uma cultura encantadora, sábia e absolutamente necessária para o mundo. Falo da cultura africana, falo da nossa orfandade de tais saberes.
A mentirosa versão dos colonizadores pelo mundo conseguiu replicar distorções que viraram universais, praticamente. Uma delas, muito famosa, é a versão que em muitas cabeças funciona como verdade: “quem inventou a genialidade das pirâmides do Egito foram seres extraterrestres”. Posta essa alegoria no lugar da verdade, foi fácil nos enfiar goela abaixo uma Cleópatra hollywoodiana vivida por Elisabeth Taylor, sem nenhum compromisso com os traços negros egípcios, totalmente à vontade.
Vale o que eles escreveram, ditaram. Vale o que inventaram. Vale roubar ouro, artes, ideias, descobertas científicas, vale apropriação, vale tudo para tirar o valor dos primeiros povos da humanidade. Sim, fomos nós, os primeiros homens e mulheres do mundo somos nós. Peço respeito. Afinal de contas isso certamente não é invenção. Não é uma versão que quero enfiar-lhes goela abaixo. Isto é a última versão da ciência antropológica.
É isso que sabemos: o fóssil mais antigo encontrado é de um ser humano na Etiópia. É desse ventre que viemos todos. E o mau tratamento de grande parte da branquitude colonizadora da humanidade colocou esta mesma humanidade em posição de eterna ingratidão com tais territórios e seus filhos. Está devedora.
Desde que chegaram aqui, os portugueses iniciaram uma sequência de estupros físicos e culturais sobre os povos originários e que está representada na clássica pintura da primeira missa no Brasil, em que podemos ver indígenas oprimidos no canto do quadro tapando suas “vergonhas”. Conceito trazido pelos inventores da culpa. Deve ter sido muito difícil para um indígena engolir o cristianismo, obrigatório. De uma hora para outra não eram mais o Sol e a Lua seus deuses pai e mãe.
Nasce aí a imposição da fé. Você, leitor católico, já imaginou alguém te arrancando o crucifixo do peito? Pois, fizeram isso com os indígenas e suas crenças, e ainda arrancam as guias dos candomblecistas e umbandistas até dentro do ambiente escolar. Um choque. É como se a história oficial nos ensinasse o certo. É isso. A vitória do genocídio e da crueldade histórica no Brasil estampam com seus nomes nomeando ruas e praças.
São torturadores, milicianos da história, como é o caso do Domingo Jorge Velho, caçador implacável de escravizados fugidos, bem como nomes de ditadores, generais, gente que mandou matar nossos pensadores, jornalistas, artistas, no golpe de 64. Nesse quesito, brilha a princesa Isabel: é nome de rua, de escola, de praça, de creche, de hospital.
No entanto, onde estão as ruas com os nomes dos verdadeiros abolicionistas? Onde está a memória dos que morreram para que eu vivesse e escrevesse esse texto agora? Cadê Dandara, Zumbi, Nzinga, Ganga Zumba, Luís Gama, José do Patrocínio, Luísa Maim?

Há inclusive, entre estes, brancos abolicionistas que não estão no panteão da história como tais. Resulta na ignorância do povo branco que nem sabe que pode ter tido como antepassado um avô abolicionista, um homem que se negado a matar, a açoitar até a morte. Não havendo ancestralidade revelada, muitos brancos acham que só têm o caminho de perdurar o senhor de engenho previsto em seu sangue.
Portanto, venho a essa tribuna para pôr o assunto na mesa e convocar todos a lutar contra a maior fake news da história, que é a versão colonizadora sobre os negros que foi imposta ao mundo com uma única versão. Sofremos impedimento, dificultação de trajetória, obstáculos intransponíveis em nossa frente, diante de uma sociedade que nos olha com maus olhos quando a derrota vem, para chamá-la de falta de mérito da nossa parte.
Um sádico sistema com condições desiguais a fim de beneficiar privilegiados. É preciso que toda a humanidade se instrua e se insurja contra a normalização da história do povo negro como perdedor, como incapaz. Até nossa beleza tem sido só recentemente considerada.
No Brasil, há apenas 30 anos, não havia um só produto para cabelos crespos no mercado, assim mesmo escrito no rótulo. Uma indecência. Devemos uma satisfação ao presente. Não se pode só homenagear a Princesa Isabel no 13 de maio e nem citarmos os Malês e todas as insurgências que aconteceram nas décadas que precederam o dia da abolição, que foi muito provocado pelas nossas lutas e revoltas.
A gente sabe que aquele aparentemente passivo mucamo da casa ou mucama era elemento fundamental para fazer chegar ao quilombo informações como: “Podem botar fogo na fazenda sábado. O patrão só retorna no outro”. Trazíamos na arquitetura dos desenhos das tranças as orientações e estratégias de libertações para a fuga dos quilombos.
Nesta minha lista de distorções contidas na versão oficial eurocêntrica, ainda não falei das religiões de matriz africanas, da nossa cosmologia, da nossa tão desvalorizada história, que só valoriza mitologia grega. Mesmo tendo essa bebido bastante da mitologia egípcia. Isso é muito necessário para que possamos ler a escrita negra, o pensamento, as teorias, as revelações que o domínio do pensamento branco, que reinou sozinho até pouco tempo, nos fez não conhecer.
Há, portanto, um déficit na nossa formação. Mesmo eu, uma mulher negra, estou a todo tempo correndo atrás daquilo que não me foi oferecido quando tinha 20 anos e estava na faculdade. Sobre o Egito, até então, mais tinha me ensinado Margareth Menezes e Olodum do que minha escola.
O que temos aqui é uma convocação. Por muitos anos nos esconderam, mentiram sobre nossa inteligência, ocultaram o Egito como país negro, e como tal o grande primeiro sopro de inteligência apresentado para ser a base da civilização. Veio de Kemet, nome primordial daquele país, um conjunto de avanços que se fosse reconhecido ao povo negro, não estaríamos encher presídios e liderando na estatística a morte da juventude negra.
Arquitetura, medicina, escrita, o papiro, tudo foi o Egito que nos deu. E o mundo até hoje não reconheceu. Qual vai ser? Seguiremos calados? Continuaremos a negar às novas gerações tais verdades? Impossível! Cada vez mais avançamos, não haverá volta nessa consciência, gerações estão crescendo lendo livros escritos por nós.
E é apenas necessário que a gente inclua a questão antirracista como uma luta imensa contra a grande fake news que teve a igreja, as leis, os meios de comunicação e os poderes juntos para justificar as atrocidades desferidas contra o povo negro, ostentando indecente comércio de gente a céu aberto, configurando ali, com suas ações, vários crimes, sequestro humano, tortura, e morte.

Lutar contra o racismo, ir conhecer a África em vez de só Miami, estudar o que nos faltou, brigar com a polícia, com a milícia, com a escola antiga, com o pensamento colonialista, é dever de todo mundo, do mundo que sabe que as fake news põe a verdade sob suspeita.
Repito, antirracismo não é só pauta identitária. De minha parte, considero muitas pautas (a LGBTIAPN+, a ambiental, a feminista) como minhas pautas. Sou contra qualquer tipo de opressão humana. Estou dizendo aqui que muitos usam o termo “lugar de fala” para se eximir e se omitir do assunto como se o “vidas negras importam” não lhes dissesse respeito. Não é verdade. É assunto de todos.
Estamos falando do leite que amamentou muitas vezes os que quando crescessem seriam a continuidade dos opressores da dona do leite. Estou falando de quase quatro séculos de escandaloso “holocausto”, portanto devemos ao grande, ao real velho continente, o mais antigo do mundo, tudo que negamos aos seus filhos. Por incrível que pareça saímos todos daquele ventre africano e por isso somos todos irmãos. Você que defende tanto a família, comece por essa.