Marco Nanini é capa da nova edição digital da Bravo!
Ator falou sobre o novo espetáculo “Traidor”, refletiu sobre as 6 décadas de sua frutífera carreira e recordou os momentos marcantes com a revista
É noite de estreia no Teatro Guaíra, no centro de Curitiba. Um espaço deslumbrante, sonho de todo ator, com capacidade para acolher mais de 2 mil espectadores. Na porta, uma fila que dobra a esquina. Pessoas seguram cartazes pedindo ingressos ou tentam comprar de eventuais desistentes. Mas ali ninguém quer abrir mão de seu lugar.
O contexto por trás da cena é o fantástico Festival de Teatro de Curitiba, o maior evento de artes cênicas da América do Sul, alguns dizem até da América Latina. A disputa que acontece na calçada do Guaíra tem um nome: Marco Nanini. A peça é “Traidor”, um texto contemporâneo escrito e dirigido por Gerald Thomas.
A peça estava em cartaz no Rio de Janeiro, mas precisou ser interrompida devido a um problema no joelho de Nanini. O espetáculo está em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo
O ator veterano, adorado pelos brasileiros como um ídolo, como um pai, por seus trabalhos na televisão, no teatro, mas em especial por seu eterno Lineu em “A Grande Família”. Há muito respeito e deslumbramento quando ele caminha pelas ruas. Seus fãs se desmancham em sorrisos e lembranças de tantos de seus personagens. Nos palcos, Nanini é tudo o que ele quiser ser: o patriarca da família Silva, uma noiva, uma dama que se casa com um lorde, um rei tirano, um cangaceiro, e assim vai.
Fora de cena, o ator é um pouco mais reservado e até tímido. Durante o festival, o ator aproveitou a ida até Curitiba para lançar sua biografia “O avesso do bordado”, da jornalista Mariana Filgueiras. Em uma sala no Sesc Paço da Liberdade, seus fãs escutam atentos as histórias que marcaram o início da carreira do artista mambembe; sua amizade com a comediante Dercy Gonçalves e, claro, os contratempos que viveu.
Diante de uma carreira extraordinária que compõe muitos capítulos especiais na história do teatro brasileiro, Bravo! convidou Marco Nanini para estampar sua primeira capa digital, marcando o retorno e um novo momento da revista. “É uma revista que fez falta. É uma honra ser capa mais uma vez. Me lembro de quando ela surgiu, foi muito impactante. É muito importante ter uma revista de cultura neste momento; o Brasil precisa disso, especialmente após uma fase em que passamos sem nenhuma força do Estado”, declarou o ator.
Nanini já foi capa e entrevistado pela publicação diversas vezes. Mas em cada uma delas, há um frescor, um novo ponto de vista, de um ator que segue encantado pelo que faz em uma carreira de 59 anos.
Com vocês, Marco Nanini.
Você é um ávido leitor. Ouvi dizer que gosta de mergulhar em mais de um livro ao mesmo tempo. O que está lendo atualmente?
Estou com “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, e também “Contra o sionismo” (Contra o Sionismo: Retrato de uma doutrina colonial e racista, de Breno Altman), um pouco menor. Acabei de terminar este último e agora estou voltando para “O avesso da pele”. Parei na metade, em um capítulo muito interessante.
Esses dois assuntos me chamaram bastante a atenção, então houve um congestionamento. Um deles trata do racismo, o que me interessa muito em compreender. Comprei outros livros para me aprofundar mais no debate. E o outro me chamou atenção devido à tragédia que está acontecendo na Palestina.
A leitura faz parte do seu processo de preparação para um novo trabalho?
Não exatamente a leitura em si, a menos que tenha uma relação direta com o que estou fazendo. Mas faço uma pesquisa intensa por artigos e imagens que estejam relacionados ao trabalho. Felizmente, hoje em dia temos a internet. Antigamente, esse processo de pesquisa me consumia muito tempo, precisava ir até bibliotecas, o que demandava longas caminhadas. Agora, com apenas três cliques, resolvo tudo sentado em uma cadeira.
Você possui um método particular para se aprofundar em uma temática? Como foi no caso de “Traidor”?
Tenho, mas varia muito dependendo do tipo de trabalho que estou realizando. Normalmente, descubro meu método à medida que me envolvo no projeto. Procuro por informações em todos os lugares que possam chamar minha atenção e ser úteis para o espetáculo. Por exemplo, vi um vídeo de [Leopold] Stokowski, um maestro, regendo Fugue No. 3 de Bach, que está na peça. Decidi criar a imagem [do personagem] com base no penteado de Stokowski, que era todo para trás. Achei interessante porque combinava com meu nariz, que também é grande. Além disso, busco muita inspiração em animais. Vi várias imagens de animais para descobrir qual poderia usar e descobri o pardal. Ele tem uma penugem que fica para cima, assim como o penteado, então fiz o cabelo desse jeito.
A maquiagem foi inspirada na obra de Francis Bacon. Ele tem uma foto de uma pintura de rosto toda manchada, o que achei que combinava com a alma do personagem. Tudo depende da alma. E tudo isso é muito diferente do Lineu. A peça é muito distinta. Me lembra muito a dinâmica do Instagram, pois há muitos conteúdos. Ele [o personagem] fica muito alucinado com a quantidade de informações da sociedade, algo com que todos nós estamos lidando, e ele entra em uma convulsão.
Esse método de buscar inspiração em animais é algo frequente em seu trabalho?
Eu gosto muito de animais e os observo bastante. Eles demonstram muitas personalidades e emoções. Com a internet, consigo ver muito mais do que antes. Sempre tenho um momento do dia em que vou ao Instagram ver animais, pois são muito ricos em termos de carinho e respeito; são incríveis. Busco muito isso, pois acaba refletindo no interior de um personagem. Eles têm olhares muito marcantes, que chamam bastante a atenção.
O Lineu foi inspirado em algum animal?
Não, o Lineu foi totalmente inspirado no meu pai. Ele era um homem rígido, muito correto, usava o cinto bem no meio da cintura, uma característica que eu adorava. Fui criando o personagem em torno do meu pai, não exatamente uma cópia dele, mas inspirado nele.
Uma coisa que me surpreendeu durante o Festival de Curitiba, quando você estava presente, foi ver a quantidade de pessoas emocionadas com sua presença. No Teatro Guaíra, foi impressionante ver um teatro daquele tamanho lotar para assistir a uma peça experimental e contemporânea, com um público disputando ingressos para te ver. Isso, depois de tantos anos de carreira, te surpreende? Como você encara essa relação com o público?
Não tenho vaidade com relação a isso. Sinto prazer ao ver o público se divertindo com um trabalho meu, com a minha presença, mas não tenho vaidade, pois isso pode acabar adoecendo esse sentimento. Gosto de manter essa relação pura. Curitiba é uma cidade que sempre me recebeu muito bem em todos os momentos, especialmente agora. O público é muito participativo, o que é muito importante para um ator.
Eu ia te perguntar exatamente sobre isso, se você se considera vaidoso. Como você aprendeu a lidar com isso?
Tenho uma conta no Instagram, mas uso pouco e não sei muito bem como usar as redes sociais. Fujo de me deixar envolver pela vaidade, pois acho isso muito frágil, simplório e banal. Gosto de saber sobre os sentimentos, como pude contribuir para a percepção das outras pessoas. Isso me interessa muito mais. Apesar de gostar muito de animais, gosto muito mais de pessoas, principalmente das crianças. Elas são um luxo, tão puras e incríveis. Me inspiro nelas. Não gosto de me envaidecer com coisas fugazes, pois é algo que pode acontecer, mas temos que estar preparados.
Uma parte muito bonita da sua carreira é o quanto você sempre valorizou o teatro desde o início. Sempre retorna a ele. Quais mudanças você percebeu no fazer teatral? O que ficou mais fácil e o que ficou mais difícil?
Para mim, todo trabalho é um desafio, pois você precisa se dedicar e estudar muito. Não é o trabalho em si que é difícil, mas sim a pesquisa. Há muita história para estudar, e isso tudo faz parte do que eu gosto de fazer.
Esta é uma prévia da entrevista de capa com Marco Nanini. Confira a reportagem completa na nossa edição digital no GoRead.