Um brasileiro no Oscar
Daniel Bruson é um dos animadores do curta "Ninety-Five Senses", obra indicada pela Academia na categoria de Melhor Curta de Animação de 2024
“Eu vou chorar agora”, desabafa a diretora Jerusha Hess ao encerrar uma chamada de vídeo. Poucos minutos antes, ela e outros artistas acompanharam a nomeação das obras indicadas ao Oscar 2024. O curta-metragem Ninety-Five Senses, no qual todos os integrantes daquela chamada trabalharam juntos, acabava de conquistar um lugar entre os cinco indicados na categoria de Melhor Curta de Animação.
Entre os seis designers que colaboraram na criação, está um brasileiro nascido em Sorocaba (interior de São Paulo): Daniel Bruson, de 40 anos. “Foi uma grande surpresa para todos nós. Havia uma chance, claro, mas todos sabíamos que aquilo [a indicação] era algo difícil demais”, conta o animador em entrevista à Bravo!.
Há poucos dias da entrevista, nossa reportagem conversou com o animador Marcelo Marão, que deu a letra sobre a participação de Daniel no curta indicado ao Oscar. Marão, inclusive, acredita que o primeiro Oscar brasileiro virá de um curta de animação.
A obra Ninety-Five Senses tem um pouco mais de 13 minutos. Nela, somos guiados pela grave voz do ator Tim Blake Nelson (dos filmes E aí, meu irmão, cadê você?, Minority Report, Syriana), que nos revela a existência de muitos outros sentidos além dos cinco que conhecemos.
Segundo a animação, há mais outros 95. Quem conta isso é um personagem encarcerado, um senhor de idade, que se encontra no corredor da morte. Para ele, não há caminho de volta. Seu conhecimento de tantas outras formas de sentir o mundo se dá, justamente, pela impossibilidade de exercer de vivê-los. É como se, através da ausência, ele se permitisse sentir tudo o que está ao seu alcance com maior profundidade.
Os primeiros esboços
A chance de ajudar na criação do curta veio após o designer participar de um concurso de animação promovido pela MAST (um estúdio sem fins lucrativos), em Salt Lake City (EUA). Seriam seis vencedores, e os premiados teriam a chance de realizar uma animação sob a direção de Jerusha Hess e Jared Hess. Ao fim, Daniel foi um dos escolhidos. Entre os ganhadores, havia artistas dos EUA, México, Rússia e Brasil. “Os dois convidaram os animadores para fazer uma animação. A única premissa era que a história tinha que contemplar seis estilos de animação diferentes. Em paralelo, os diretores tinham feito uma pesquisa com diversas entrevistas com prisioneiros no corredor da morte, nos Estados Unidos. O que acabou servindo para a criação do roteiro.”
O trabalho foi dividido por cenas e Daniel ficou responsável por criar as cenas de transição. A ele também ficou a responsabilidade da criação do protagonista, Coy. “A decisão foi feita a partir do estilo e potencial de cada animador. Eu tenho um estilo mais quadro a quadro, pintado no papel com nanquim, com muitas texturas. Algo mais abstrato e contemplativo.”
Daniel recebeu algumas diretrizes gerais para criar o personagem e teve bastante liberdade criativa. “A diretora enviou fotos com algumas descrições: olhos amigáveis, orelhas grandes, um dente da frente faltando.”
O animador buscou referências nessas imagens para desenhar o protagonista. Um dos modelos era o linguista Noam Chomsky, mas trouxe também figuras familiares. “Fiz uma mistura da fisionomia dos meus dois avós. Um deles tinha bigode e era mais baixinho. O outro era alto e tinha os ombros mais finos, como eu fiz no personagem.”
O animador teve cerca de três meses para desenvolver o trabalho. Foram mais de 700 desenhos, onde utilizou duas técnicas. “Nas cenas de transição, em que o Coy fala para a câmera, eu animei e colori no computador. Já para a cena final, fiz um processo totalmente diferente, que eu desenvolvo há alguns anos. Eu crio uma linha básica e animo quadro a quadro no digital. Depois que encontro o ritmo e expressões, imprimo em folhas A4 e pinto por cima com nanquim. Em seguida, eu fotografo de volta para o digital, faço a montagem e composição final.”
Logo que finalizaram os desenhos, veio a pandemia e o projeto permaneceu algum tempo guardado na gaveta. Corta para 2023, com o curta finalizado, os criadores participaram de alguns festivais. Foi aí que o reconhecimento veio. Uma das maneiras de se qualificar para o Oscar é ganhar alguns festivais. O que foi o caso de Ninety-Five Senses, que ainda não foi exibido no Brasil. No entanto, o país também possui festivais que podem qualificar para a seleção ao Oscar. O Anima Mundi (que teve sua última edição em 2019) e o Animage são alguns exemplos de festivais credenciados pela Academia.
Concluído o primeiro desafio, era necessário fazer campanha pelo filme, o que significa conseguir fazer com que os membros da Academia assistam à obra. Há uma regra que não podem violar: não podem pedir votos. “Em dezembro e janeiro também, a MAST realizou alguns eventos para chamar jornalistas e votantes da Academia, pessoas que pudessem repercutir o filme, fazer com que ele fosse visto. Fora a campanha boca a boca, enviei vários e-mails divulgando o curta.”
Da publicidade para o cinema
O encontro de Daniel com o cinema não é algo tão longínquo. Formado em Design, na Unesp, nos primeiros anos de carreira, trabalhou com publicidade e produtoras de vídeo. Mudou-se para São Paulo para se inserir no mercado do audiovisual. “Nesses anos, fui tendo contato com o pessoal do cinema, especificamente com a Coala Filmes. Fiz direção de arte para vários projetos deles, como ‘Dossiê Rê Bordosa’, ‘Tempestade’ e ‘Bob Cuspe – Nós não gostamos de gente’.”
Após três anos vivendo na capital, decidiu fazer o movimento inverso. Queria investir mais em projetos autorais e se despedir da publicidade. Para reduzir os custos, retornou para Sorocaba, onde vive até hoje com a sua companheira. “Não estava curtindo muito o mundo da publicidade. Queria explorar as possibilidades plásticas da animação como forma de contar histórias, de me conectar com as pessoas, de tentar ter experiências talvez mais profundas e mais verdadeiras. Para isso, precisava ter uma vida mais barata e me estruturar mais.”
Animado para a cerimônia do Oscar, que acontecerá em 10 de março, ele ainda não sabe se será convidado formalmente para a noite de entrega das estatuetas. Até lá, resta aquietar a ansiedade e torcer por uma estatueta.
Jerusha Hess e Jared Hess
EUA. 13:43 minutos.