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“Othelo, o Grande” recupera legado de um dos maiores atores do país

Cineasta Lucas H. Rossi dos Santos retrata a história do personagem mítico na história do cinema e teatro brasileiro do século 20

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 28 jun 2024, 23h25 - Publicado em 28 jun 2024, 10h09
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 (19ª Mostra de cinema de Ouro Preto/reprodução)
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Sebastião Bernardes de Souza Prata se tornou um personagem mítico na história do cinema e teatro brasileiro. Conhecido como Grande Otelo, ele é lembrado por sua trajetória artística que começou na década de 1930 e continuou até sua morte em 1993. No último ano, sua vida e carreira ganharam um novo registro no documentário “Othelo, o Grande” de Lucas H. Rossi dos Santos.

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(19ª Mostra de cinema de Ouro Preto/reprodução)

O longa marca a estreia do cineasta na direção e foi exibido no último sábado (22) na 19ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, em uma sessão ao ar livre para uma plateia cheia na Praça Tiradentes. Nem mesmo o frio intenso na pequena cidade mineira foi capaz de esvaziar a apresentação do filme, um dos mais aguardados do festival. O cuidado e primor de Lucas ao reconstituir essa memória foram evidentes.

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(Leo Lara/Universo Produção/divulgação)

Narrado em primeira pessoa, o filme utiliza recortes de gravações, entrevistas e trechos de filmes de Otelo. A produção do filme teve dois grandes momentos. No primeiro, Lucas realizou cerca de 15 entrevistas com familiares e outros artistas próximos de Sebastião. Durante o processo, decidiu contar a história de outra maneira, colocando Otelo como personagem e narrador de sua própria vida. Uma de suas referências para o longa foi o romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas,” de Machado de Assis. “Resolvi buscar fazer o filme que o Otelo faria sobre si” conta o diretor, que ao fim conseguiu levantar 300 horas de materiais de arquivo.

“Quis trazer Otelo como uma entidade, um griô, alguém que abriu o caminho para nós, artistas negros. Se Otelo não tivesse traçado esse caminho, eu realmente acho que muita coisa não teria acontecido. A carreira de Ruth [de Souza] teria sido muito diferente, a carreira de Zezé [Motta] teria sido diferente, a carreira de Lázaro [Ramos], de Milton Gonçalves, todos eles teriam tido uma experiência muito distinta de ser ator negro.”

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O diretor de “Othelo, o Grande,” , Lucas H. Rossi dos Santos (19ª Mostra de cinema de Ouro Preto/divulgação)

Em um processo que levou 10 anos, entre pesquisa e produção, Lucas se aproximou dos filhos de Otelo. Inicialmente, o documentário seria dirigido por outra pessoa, mas os filhos de Otelo decidiram conceder os direitos a Lucas, um cineasta negro, reconhecendo a importância de ter alguém que compartilhasse experiências e perspectivas culturais semelhantes.

No longa-metragem, o próprio Otelo descreve alguns dos momentos mais marcantes de sua vida, como o início de sua caminhada profissional, as trágicas mortes da esposa e do filho de seis anos, e sua participação no filme de Orson Welles, inacabado e boicotado pelos governos brasileiro e estadunidense durante a ditadura, “É tudo verdade”. Principalmente, ele destaca os episódios e a luta antirracista que Otelo foi pioneiro no cinema e na televisão. Lucas comenta que, em vida, a luta antirracista encabeçada por Otelo não teve o devido reconhecimento, embora seu empenho e discurso sobre a discriminação racial no Brasil fossem intensos e frequentes.

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(19ª Mostra de cinema de Ouro Preto/reprodução)
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“Construir a identidade do Otelo é também passar pela identidade da história da cultura brasileira. A história do cinema brasileiro é marcada por ele, um cara que participou de movimentos muito importantes, como a chanchada com sua explosão de público, o Cinema Novo e a chegada da televisão. Ele esteve presente em tantos momentos diferentes da nossa cultura que acaba sendo um arco narrativo da nossa própria história.”

Apesar dos momentos tristes, o documentário não deixa de lado o humor, a espontaneidade e o talento do ator, que também foi um grande dançarino e compositor. Nesses momentos, o público se diverte ao escutar sobre a criação do apelido “Grande Otelo”.

Sebastião iniciou sua carreira ainda menino, na Ópera Lírica Nacional, onde desenvolveu suas habilidades. Durante um teste de voz, o maestro afirmou que ele poderia interpretar o grande Otelo na ópera de Giuseppe Verdi quando crescesse. O personagem, um dos poucos criados para atores negros, foi escrito primeiro por William Shakespeare na tragédia homônima. Mas a promessa nunca se cumpriu, Otelo se diverte contando, pois ele nunca cresceu (uma referência ao seu 1,50 m de altura). “Não cresci e resolvi cantar samba, fazer graça. Resolvi ser engraçado”, relata Otelo em uma entrevista no Roda Viva.

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(19ª Mostra de cinema de Ouro Preto/reprodução)
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Apesar do póstumo reconhecimento, durante a vida ele foi longamente explorado e pouco remunerado em seus trabalhos devido ao racismo estrutural. Ao longo de sua carreira, ele participou de 101 filmes.

“Talvez para o mercado, para o mundo e para a indústria cinematográfica, ele fosse visto apenas como um preto engraçado. Mas ele defendia a ideia de que não, de que ele era um cara contribuindo não só artisticamente, mas com o trabalho e o ofício, tijolo por tijolo. Ele estava lá, fazendo a primeira ficção da Atlântida (companhia cinematográfica), dando vida aos personagens. Como ele não ajudou a construir o cinema brasileiro? É dele também. No entanto, ele não tinha direitos, foi tirado do jogo e pintado como alcoólatra, como um palhaço. Ele foi escorraçado.”

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(19ª Mostra de cinema de Ouro Preto/reprodução)

“Othelo, o Grande” deve percorrer mais alguns festivais do país antes de sua estreia oficial nos cinemas em setembro deste ano.

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